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Por Vilma Gryzinski
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Argumento distorcido: ‘Se até o príncipe Charles pegou…’

Muito idosos pensaram a mesma coisa, mas o trabalho do herdeiro do trono é cumprimentar pessoas e participar de eventos, interagindo com cada convidado

Por Vilma Gryzinski Atualizado em 26 mar 2020, 07h41 - Publicado em 26 mar 2020, 07h38

Cada vez que uma pessoa conhecida “dá positivo”, são comuns duas reações.

Primeira, se ricos e famosos pegam o novo coronavírus, imaginem nós, o povaréu.

Segunda, eles têm acesso a exames precoces, negados à plebe, e tratamentos privilegiados.

Ambas foram incessantemente repetidas no Reino Unido, com a notícia do contágio do príncipe Charles, o mais famoso corona positivo do planeta, até agora.

A segunda, com razão. É claro que o futuro rei e sua mulher, Camilla, contam com todas as camadas de proteção reservadas a chefes de Estado.

E não precisavam “preencher os critérios” do sistema de saúde para fazer os exames, como disse falsamente um comunicado oficial.

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Pelos critérios, deveriam ter dado entrada em hospital com sintomas graves, não ter ficado em magnífico isolamento no seu casarão de campo de Birkhall, na Escócia, cercado por jardins esplêndidos – uma das paixões do príncipe.

A outra, até a doença, era preparar gradativamente a sucessão, assumindo de forma programada funções transmitidas pela mãe-rainha, com quase 94 anos.

A programação de Charles até o último dia 12, quando teve um encontro com a mãe e saiu do mapa, mostra como ele se dedica às tarefas reais.

Os membros da realeza funcionam como os mais valorizados divulgadores, ou relações públicas, do planeta.

São treinados para cumprimentar e trocar algumas palavras com todos os convidados de premiações, festas beneficentes, inaugurações, eventos diplomáticos e mais uma infinidade aglomerações públicas e privadas.

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São interações em quantidade muito acima das mantidas por um cidadão normal, mesmo os mais gregários – está aí uma diferença entre personalidades públicas e o povão comum.

O trabalho de base de um membro ativo da família real, na faixa etária vulnerável como Charles (71 anos) e muito mais a rainha, transformou-se em atividade de altíssimo risco.

O fato de que ele e a mãe continuaram a fazer isso no começo de março, tomando apenas pequenas precauções – a rainha Elizabeth usou luvas numa cerimônia de condecoração, Charles passou a fazer a saudação budista-hinduísta com as mãos unidas – mostra as dimensões cósmicas das mudanças das últimas semanas.

Agora, Charles e Camilla, negativa, estão em isolamento, em ambientes separados, na Escócia.

Elizabeth e o marido, Philip, de 97 anos e com saúde já muito deteriorada, estão no castelo de Windsor, atendidos por uma equipe de oito empregados. Normalmente, são cerca de cem.

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A hipótese shakespeariana de que Charles tenha contaminado a própria mãe, cuja longevidade o transformará no herdeiro mais velho a se tornar rei (se e quando, claro), ainda não foi totalmente eliminada.

A bronca, em geral de antimonarquistas, com o tratamento especial para Charles e a mulher foi rapidamente superada pela questão que poucos têm coragem de declarar em público: como administrar as pompas fúnebres para um membro da família real em plena epidemia global.

Devido à idade avançada do casal, tudo, obviamente, já está minuciosamente planejado.

Como praticamente tudo mais no planeta, os planos voaram pela janela.

Morrer sozinho, e sem cerimônias fúnebres, virou parte da tragédia dos idosos.

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Sem falar nos que morrem abandonados, em condições atrozes, nas casas de repouso da Itália e da Espanha onde os funcionários caem doentes ou fogem.

Como nos tempos da peste, os corpos dos que já se foram misturam-se aos dos que estão indo.

Que isso esteja acontecendo nos países mais civilizados do mundo aumenta o trauma e o sofrimento emocional dos idosos.

A especial vulnerabilidade dos mais velhos também está despertando, em escala infinitamente menor, uma espécie de “espírito de Fukushima”.

É uma referência a engenheiros e outros profissionais japoneses, aposentados com mais de 70 anos, que queriam ser voluntários para limpar a usina nuclear contaminada pelos efeitos do tsunami de março de 2011.

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Agora, são um punhado de cabeças pensantes – ou excessivamente ociosas – que dizem: preferimos sacrificar nossas vidas do que ver o desastre econômico que virá para as gerações mais jovens.

Atenção, atenção, atenção: não são pessoas em posição de tomar decisões, nem sobre si mesmas nem sobre outros, o que exige um senso de responsabilidade pelo coletivo.

Mas podem falar, a título pessoal.

“Com 72 anos, prefiro arriscar para ver minha chances com o Covid-19 do que ver o futuro dos meus filhos ser mais prejudicado ainda”, escreveu, para o Times de Londres, Bryan Turner, professor aposentado de genética experimental.

Philip Thomas, professor de gerência de risco da Bristol University, fez um cálculo arriscado (cientistas têm que pensar e, em tudo, com base no pensamento científico, claro).

Thomas mediu quanto, em vidas, vai custar o encolhimento econômico, em comparação com a epidemia. Usou um método desenvolvido na universidade que calcula, exatamente, o valor da vida.

“É objetivo e validado”, disse o professor. “Ele calcula o valor dos anos de vida salvos em contraposição ao custo que isso tem”.

Conclusão: “Se o PIB per capita do Reino Unido cair mais do que 6,5% por um período significativo, vamos perder mais vidas do que estamos salvando”.

De novo, muita atenção. Thomas não considera o Covid-19 uma doença insignificante. Bem ao contrário, calculou que, sem as medidas de contenção que implicam na paralisação econômica e o consequente encolhimento, haveria 400 mil mortos.

Uma catástrofe inaceitável por qualquer padrão moral, médico e político.

“Ninguém me perguntou se, como idoso, estou disposto a correr risco de vida em troca de manter a América para nossos filhos e netos”, disse o vice-governador do Texas, Dan Patrick, que vai fazer 70 anos.

É claro que ninguém vai perguntar. E é claro que ele se alinha com a posição de Donald Trump de não minimizar as consequências econômicas (nem a epidemia).

Ninguém sabe como fazer isso nesse momento, fora injetar enormes quantidades de dinheiro para segurar a catástrofe por alguns meses.

Em seu retiro idílico em Birkhall, o príncipe Charles, como mais 1,5 bilhão de pessoas em confinamento no mundo, de qualquer idade, tem tempo para pensar nisso.

Um tempo correndo como nunca.

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