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A anemia – 100 anos depois de Jeca Tatu

Após quase 100 anos do personagem Jeca Tatu, a anemia segue como um flagelo na população, afetando principalmente a população mais pobre

Por Mauro Fisberg
Atualizado em 19 mar 2018, 20h38 - Publicado em 19 mar 2018, 19h53

O cansaço, a apatia, a falta de movimentação, preguiça ou desleixo são alguns dos sinais apresentados pelo personagem Jeca Tatu, no livro Urupês, de Monteiro Lobato, inicialmente publicado em 1918. O descaso do governo no trato com a população rural é uma das características básicas da filosofia retratada no conto de Lobato. O quadro clínico do personagem Jeca (que acaba virando sinônimo de caipira) parece bastante com o da anemia.

Jeca Tatu tinha anemia?

Quase sempre descrito como portador de parasitoses, e com um quadro de anemia por perda de ferro, o Jeca apresentava sinais e sintomas que não são muito diferentes da anemia por deficiência de ingestão de ferro, a chamada anemia carencial ferro priva. Ambos problemas estão relacionados a pobreza, ao descaso, a falta de educação e orientação. A falta de ferro na alimentação leva a uma série de problemas que vão muito além do cansaço e desânimo, quadro que todos associam a anemia.

A anemia ainda é um problema no mundo

Passados quase 100 anos, a anemia segue como um flagelo na população de todo o mundo, mas especialmente nos países em desenvolvimento. E o Brasil não é diferente. Ainda temos anemia por falta de ferro afetando quase a metade dos pré-escolares de nosso país, especialmente nas regiões mais pobres.

Dados mais recentes mostram que ainda temos quase quatro ou cinco vezes mais crianças anêmicas que nos países ricos. E quando falamos de grupos de risco, como os mais pobres, população de moradores de rua e grupos isolados como a população indígena, os índices de anemia são estratosféricos.

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Uma boa alimentação é essencial

Nossa alimentação fornece o ferro necessário para nossas funções normais. A falta de ingestão de ferro em crianças começa com um aleitamento materno inadequado. O leite materno tem uma quantidade pequena, mas altamente aproveitável de ferro, que é muito bem absorvida pelo bebê. A introdução de leite de vaca não modificado e de alimentos que não contêm ferro ou que contêm ferro de pouca absorção são fatores importantes para a deficiente ingestão deste metal essencial para a nossa vida.

As principais fontes de ferro são as carnes, principalmente as vermelhas (boi, cabras e também o avestruz), mas também as de outros animais como aves e peixes (carnes brancas). Os vegetais, como alguns grãos e principalmente o feijão, contêm boas quantidades de ferro, porém apresentam pequena absorção e precisam da presença de outros alimentos para melhorar o seu aproveitamento.

Assim, o ferro vegetal se beneficia da presença concomitante na alimentação de alguns elementos ácidos, como o ácido cítrico – vitamina C, consumido junto com o grão. Alguns alimentos podem atrapalhar a absorção do ferro, como os que têm mais fibras (os próprios vegetais).

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O papel do ferro no organismo

O ferro participa de inúmeras condições do nosso metabolismo, da defesa do organismo ao crescimento e desenvolvimento normal. Quando temos uma deficiência do ferro, inicialmente temos alguns sinais que não são percebidos clinicamente, como alterações no desenvolvimento psicomotor, com alterações da memória, capacidade de aprendizado, abstração e problemas escolares.

As crianças com anemia têm menores taxas de crescimento, podendo apresentar menor peso e estatura do que as que não tiveram o problema. Além disso, o ferro está relacionado a defesa, a nossa capacidade de reagir a infecções. Quanto mais rapidamente tratada, a anemia determina menores consequências.

No entanto, um estudo de longa duração, realizado no Chile, mostrou que crianças com anemia, mesmo tratadas, apresentavam diferenças importantes em relação a crianças que não haviam tido o problema. Durante a infância e depois, na adolescência, apresentavam menor desempenho físico e intelectual do que crianças que nunca tiveram anemia. Após alguns anos, as diferenças entre os grupos que tinham tido anemia ou não desapareciam.

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Sem dúvida que o estímulo, o ambiente e o papel da família são essenciais para o desenvolvimento da inteligência e capacidade da criança, mas a deficiência de um nutriente tão essencial pode causar comprometimento a curto, médio e longo prazo.

Tratamento

Tratar a anemia é simples. Utilizamos suplementos de ferro por via oral, e mantemos a suplementação por um período de três a cinco meses para repor as reservas do organismo. Mas o tratamento com os sais mais baratos como o sulfato ferroso (extremamente eficientes e disponíveis na rede pública de saúde) pode levar a efeitos colaterais indesejados como dores abdominais, queimação, mal-estar, diarreia ou constipação intestinal, escurecimento dentário e das fezes. Isso acaba fazendo com que a adesão ao tratamento seja pequena, com o abandono frequente antes do necessário.

A busca de sais eficientes, com baixo número de casos com efeito colateral, gerou um grande avanço na terapia, com o uso de novos medicamentos à base de ferro que têm boa absorção e não causam os efeitos do sulfato. O governo brasileiro modificou a forma de utilização do sulfato, melhorando seu sabor e forma de apresentação, contribuindo para a melhoria dos programas terapêuticos. No entanto, ainda precisamos trabalhar mais na prevenção, especialmente melhorando a alimentação.

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O incentivo ao aleitamento materno adequado e prolongado, associado à introdução correta de alimentos complementares ricos em ferro são fatores essenciais.

E os vegetarianos?

Uma palavra final. Se as carnes são os principais alimentos que contêm ferro de bom aproveitamento, o que aconteceria com os vegetarianos ou com os grupos que não comem carne? Podemos alcançar o aporte adequado de ferro com educação nutricional, combinando alimentos que são sinérgicos na absorção do ferro, como os vegetais e cítricos, sempre dentro de um plano alimentar adequado e com apoio de profissionais médicos habilitados para a orientação – prevenção, diagnóstico e tratamento clínico, e nutricionistas, na prevenção e orientação alimentar correta.

Que não precisemos esperar mais 100 anos para a erradicação de uma doença tão importante como a anemia carencial por falta de ferro.

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(Heitor Feitosa/VEJA.com)

 

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