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Groucho Marx

Assim como Woody Allen, sou admiradora do pensamento marxista-grouchista

Por Isabela Boscov Atualizado em 13 jan 2017, 15h49 - Publicado em 2 out 2016, 20h07

Hoje Groucho Marx faria 126 anos. Pena que ele não chegou até aqui: iconoclastas como ele fazem mais falta do que nunca. Só não digo que ele é o único Marx que merece ser lembrado porque os irmãos dele, Harpo e Chico, também eram ótimos. A seguir, então, uma pequena homenagem:


Gênio do mau humor

Irascível e inseguro, Groucho Marx é a prova de que sem angústia não há comédia

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Quem tivesse a sorte de ser convidado para jantar na casa de Groucho Marx sabia que teria pela frente uma noite repleta de tiradas inesquecíveis. Era bom, no entanto, que fizesse vista grossa à mordacidade que o comediante dirigia à sua mulher, Ruth. “Em que presídio você conseguiu estas receitas?” e “Bem, até que a carne poderia estar mais dura — só não sei como” eram comentários habituais à mesa. Eles não vinham acompanhados daquele arquear de sobrancelhas e revirar de olhos com que Groucho assinalava suas piadas: o propósito era mesmo humilhar Ruth. O lançamento de farpas conjugais em público não era a única peculiaridade de seu comportamento. Como bom novo-rico, Groucho não via nada de errado em gastar 200 dólares num terno, numa época em que essa quantia constituía um gordo salário. Mas exigia que a mulher e os filhos lhe pedissem permissão antes de fazer a mais insignificante compra doméstica. Era ainda um especialista em ferir as pessoas mais queridas. Comunicando à filha a gravidez de sua segunda mulher, escreveu: “Kay está engordando. Logo estará igual a você. Exceto pelo fato de que você não está esperando um bebê, acho eu”.

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Com Margaret Dumont ()

Justiça seja feita, Groucho sabia também como torturar a si mesmo. Sofria de insônia, entregava-se incessantemente ao medo da ruína financeira, da morte e, acima de tudo, do esquecimento. Como um sujeito tão insuportável pode ter-se tornado o mais influente comediante americano, dono de uma carreira que atravessou sete décadas com picos de sucesso estrondoso? Segundo uma biografia que acaba de ser lançada nos Estados Unidos, Groucho — The Life and Times of Julius Henry Marx, não há aí nenhuma contradição: a energia anárquica com que Groucho sacudiu a Broadway, o cinema, o rádio e até a televisão era resultado direto de suas angústias. É quase um clichê — gente bem ajustada não é capaz de fazer humor digno desse nome. Mas a trajetória do mais brilhante e cortante dos irmãos Marx dá uma nova dimensão a ele.

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Com Marilyn Monroe ()

Desde o início de sua carreira, Groucho se revelou um mestre em arrancar gargalhadas com seu gênio para os trocadilhos e seus irresistíveis cacoetes corporais. O bigode de graxa e o charuto ajudavam a compor o tipo de estróina, sempre caçando fortunas de senhoras ricas e gorduchas ou correndo atrás de moças jovens e esbeltas. Na companhia dos irmãos, ele elevou o nonsense à categoria de arte. Até o cerebral poeta inglês T.S. Eliot era seu fã, daqueles que pedem fotos autografadas. O que Groucho realmente tinha de único, contudo, era o talento para casar esse seu gênero caótico de comédia à habilidade para demolir tudo o que cheirasse a autoridade — fosse ela qual fosse. Isso, bem entendido, na ribalta. Adulto e casado, ele (bem como o resto da família) ainda tinha enorme dificuldade em desobedecer à mamãe.

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A família Marx em 1915 ()

Groucho, que morreu em 1977, aos 86 anos, era o terceiro filho de Minnie e Sam Marx, imigrantes judeus que haviam se conhecido nos Estados Unidos. Foi precedido no tempo e nas afeições maternas por Chico e Harpo, os dois outros irmãos Marx famosos. Ao contrário deles, não era loiro e expansivo, e sim moreno e introvertido. Minnie o achava esquisito e sem graça e o chamava de “o ciumento”. Ao menos, ele era confiável. Sam, o pai, era um alfaiate que não usava fita métrica e afugentava os clientes com suas confecções tortas. Chico apostava no jogo todo e qualquer objeto de valor da casa — certa vez, Harpo arrancou os ponteiros de seu relógio para evitar que ele fosse parar no penhor. E o doce Harpo era tido como avoado. Mal Groucho entrou na adolescência, a mãe o tirou da escola e fez dele arrimo de família: sozinho, ele excursionava pelos circuitos de vaudeville mais pulguentos da virada do século. Não raro, voltava para casa de cabeça baixa, depois de ter sido roubado por algum parceiro de cena.

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Com os irmãos Harpo e Chico ()

Minnie, porém, nunca se deixou comover por esses contratempos. Ambiciosíssima, ela foi a força motriz por trás do sucesso de sua prole. Os irmãos já estavam bem entrados nos 30 anos, quando ela concordou (a contragosto) em deixar de agenciá-los. Conseguiu alçá-los do vaudeville para a Broadway, mas os deixou eternamente imaturos. Segundo o jornalista Stefan Kanfer, autor da nova biografia, o ressentimento que Groucho nutria pela mãe é o responsável por alguns de seus momentos mais geniais: aqueles em que, nas peças de teatro ou nos filmes, ele atazana a matrona vivida por Margaret Dumont, insultando-a e iludindo-a com falsas juras de amor ao mesmo tempo. O detalhe é que Groucho torturava a atriz também quando não havia plateia, e não poucas vezes a levou às lágrimas. Em compensação, quando Margaret envelheceu, ele se desdobrou para arrumar emprego para ela. Da mesma forma, ao se separar da primeira mulher, foi generoso na pensão e dividiu até a prataria com ela. Mas não há como deixar de notar que tanto a filha mais velha como suas três esposas se tornaram alcoólatras. Segundo vários testemunhos, Groucho perseguia compulsivamente as pessoas que julgava fracas, como ele mesmo fora. E, embora adorasse os filhos, não conseguia abandonar seus modos hipercríticos no trato com eles.

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Recebendo um Oscar honorário em 1974 ()

Para a plateia, que não tem queixas a acertar com o comediante, essas informações só ajudam a entender a gênese de sua irreverência. E foi essa característica, aliada aos trejeitos hilariantes, que garantiu a longevidade de Groucho. Depois que os últimos filmes dos irmãos Marx, muito fracos, deixaram de fazer sucesso, ele ainda conseguiu tornar-se um astro da televisão, com o programa de conhecimentos gerais You Bet Your Life. Mais tarde, velho e em perceptível declínio mental, passou ao status de ícone — seu humor caía como uma luva aos rebeldes anos 60 e 70. Ao morrer, deixou para trás um punhado de familiares insatisfeitos e uma legião de fãs, entre os quais Woody Allen, que vive homenageando o veterano em seus filmes. O marxismo continua vivo e forte. Na sua vertente grouchista, é claro.


Máximas do marxismo grouchista


“Se eu acredito em vida após a morte? Não sei nem se acredito em vida antes da morte! Na verdade, acredito em morte durante a vida.”

“Cavalheiros, ele pode parecer um idiota e falar como um idiota, mas não se deixem enganar: ele é um idiota.”

Sobre o personagem de Chico, em O Diabo a Quatro

“Conheço Groucho há anos, e não tive prazer nenhum nisso.”

Para uma fã que se apresentou com um costumeiro “Prazer em conhecê-lo”

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“Não quero entrar para nenhum clube que me aceite como sócio.”

“O que eu quero de aniversário? O ano passado de volta.”

“Trabalhei durante um tempo em Hollywood. Eu era modelo: qualquer um que se parecesse comigo era imediatamente rejeitado.”

“Estes são os meus princípios. Se você não gostar deles, tenho outros.”

“Nunca esqueço um rosto, mas no seu caso vou abrir uma exceção.”

Isabela Boscov
Publicado originalmente na revista VEJA no dia 26/07/2000
Republicado sob autorização de Abril Comunicações S.A
© Abril Comunicações S.A., 2000
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