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Por Laryssa Borges
A repórter Laryssa Borges, de VEJA, relata sua participação em uma das mais importantes experiências científicas da atualidade: a busca da vacina contra o coronavírus. Laryssa é voluntária inscrita no programa de testagem do imunizante produzido pelo laboratório Janssen-Cilag, braço farmacêutico da Johnson & Johnson.
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A falácia dos tratamentos precoces contra a Covid-19

O 'kit Covid' é a versão pandêmica do fictício “kit gay” invocado nas eleições de 2018

Por Laryssa Borges Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 10 jan 2021, 12h20

10 de janeiro, 10h51: Há alguns meses, já durante a pandemia, entrevistei um militar sobre projetos do Executivo. Apesar das propostas que ele estava desenvolvendo, o que mais me impressionou foi o momento em que ele anunciou, com ar de satisfação, que tinha estocado hidroxicloroquina em casa, que havia começado a tomar os comprimidos “por precaução” e que ainda montara um “kit Covid” para a mãe de 96 anos, que mora com ele. Desde que a Covid-19 arrebatou nossas vidas, ouvimos histórias de brasileiros que providenciaram verdadeiros arsenais de guerra para fazer frente ao vírus, seja com doses cavalares de vermífugo, de paracetamol, estoques extras de vitamina C e, mais recentemente, de agulhas e seringas para o dia em que a vacina estiver disponível.

O “kit Covid”, no entanto, merece um post só para ele. É como se fosse a versão pandêmica do fictício “kit gay” invocado nas eleições de 2018: mentiroso, nocivo e isca fácil para confundir e ludibriar. O sulfato de hidroxicloroquina, a azitromicina e a ivermectina, que compõem o tal kit, por enquanto não provocaram efeitos colaterais nas urnas (as próximas eleições serão só no ano que vem), mas já mostraram o principal: não funcionam como tratamento precoce contra a Covid-19. De novo: segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), não existe tratamento profilático que impeça o paciente de contrair formas graves do novo coronavírus.

Enquanto atingimos a maior média de mortes no país desde agosto, uma rápida explicação sobre para que servem os medicamentos do infame kit. A hidroxicloroquina é utilizada no tratamento de doenças autoimunes, como artrite reumatoide e lúpus, e usada também em casos de malária. A azitromicina é um antimicrobiológico, um antibiótico. A ivermectina, um vermífugo usado para combater parasitas. O Centro de Controle de Doenças dos Estados Unidos (CDC), os Institutos Nacionais de Saúde americanos (NIH) e a revista científica The Lancet são categóricos: não há nenhuma evidência que aponte que a hidroxicloroquina auxilie no combate a formas graves de Covid. No caso de antibióticos como a azitromicina, diz a OMS: “o vírus que causa a Covid-19 é da família de vírus chamada Coronaviridae. Antibióticos não funcionam contra vírus”.

Sobre a ivermectina, a história é a seguinte: pesquisadores australianos publicaram um estudo, feito em células, que mostrou a redução da infecção viral quando administrado o medicamento. O problema da pesquisa, disse ao blog a biotecnologista da Universidade Federal de Pelotas e especialista em genética Larissa Brussa, é que os testes não foram depois realizados nem em animais nem em humanos (ficaram só com a versão das células mesmo) e a quantidade ministrada na pesquisa foi 50 vezes mais alta do que a maior dose já usada contra vermes em algum humano.

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“O tratamento precoce é a aplicação desses medicamentos antes mesmo de as pessoas apresentarem os sintomas ou mesmo ter sido infectado por Covid. Isso beira a insanidade. Não há nenhuma evidência robusta de que isso seja justificável. Além de ser perigoso para a pessoa que não tem nada e está expondo o organismo a drogas sem necessidade, temos o problema de faltar esse tipo de produto para quem realmente precisa”, diz Brussa.

A ideia de que juntar os três medicamentos e formar o “kit Covid” ocorreu porque estudos observacionais, em que médicos vão testando alternativas de cura enquanto os pacientes graves estão internados, foram feitos durante a pandemia para saber se determinado medicamento ajuda a contornar a situação crítica de uma pessoa em estágio grave de Covid. Ao contrário de pesquisas clínicas clássicas, essas têm viés – porque médico e paciente trocam o pneu com o carro andando e podem ser sugestionados a acreditar que a cura ocorreu porque houve um medicamento específico  – e há a possibilidade de a que a pessoa simplesmente melhorasse sem ter de recorrer aos fármacos que os cientistas já disseram que não funciona.

Como voluntária em busca de uma vacina contra a Covid-19, vejo como um grande problema do tratamento precoce o fato de as pessoas se entupirem de remédios sem eficácia e, por se considerarem blindadas, acharem que estão autorizadas a perambular sem máscaras e promover aglomerações, tornando-se disseminadores do vírus. O tratamento precoce precocemente piora o que resta do senso de coletividade na pandemia.

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