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Por Coluna
Com palavras e imagens, esta página tenta apressar a chegada do futuro que o Brasil espera deitado em berço esplêndido. E lembrar aos sem-memória o que não pode ser esquecido. Este conteúdo é exclusivo para assinantes.
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O que está em alta, o que está em baixa

Frequentemente perdemos boas oportunidades de reflexão, sobretudo na mídia, por desprezarmos o berço das palavras

Por Deonísio da Silva
Atualizado em 3 mar 2019, 11h26 - Publicado em 3 mar 2019, 11h26

Deonísio da Silva

Se algo vai bem, dizemos que está em alta. Se vai mal, que está em baixa, das ações da bolsa à vida cotidiana.

A maioria de nós, porém, não se dá conta de que nestas metáforas se escondem fé e religião, a começar por crédito, seja o do cartão, seja o do colunista, do mesmo étimo de crer, do Latim credere, provindo de duas raízes combinadas do indo-europeu: “kerd”, a mesma de coração, recordar, concordar; e “dhe”, embutida nas palavras tema, recôndito, esconder, absconso e outras de domínio conexo.

Frequentemente perdemos boas oportunidades de reflexão, sobretudo na mídia, por desprezarmos o berço das palavras. Bem, se já é rara a habilidade de dominar as técnicas de ler e de escrever, pois o País segue despencando nas classificações internacionais encarregadas de avaliar o desempenho dos estudantes, seria demais exigir atenção também às profundezas do texto e ao seu contexto, onde a História tem papel iluminador impressionante.

O capitão de exército Jair Bolsonaro tornou-se presidente da República a bordo de um duplo bordão — “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos” — expressão cujo berço foi a Brigada de Infantaria Paraquedista do Exército. O presidente e seu vice, o general Hamilton Mourão, foram paraquedistas em sua trajetória militar.

Que bela metáfora para a ascensão política dos dois! Mas estamos desprezando berços, metáforas, metonímias e outras estratégicas figuras de linguagem iluminadoras desta via insólita da volta ao poder do estamento militar.’

Como explicou o coronel Cláudio Tavares Casali em artigo para o jornal Gazeta do Povo (24 out 2018), o grupo militar que abraçara o lema designou-se Centelha Nativista e objetivava ressuscitar os valores “de nacionalismo não xenófobo, de amor ao Brasil e de criar meios que reforçassem a identidade nacional”.

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Uma das ações mais marcantes da organização foi invadir a Rádio Nacional para ler um manifesto contra a capitulação do governo militar diante dos sequestradores do embaixador americano no Brasil, Charles Elbrick, realizado no bairro de Botafogo, no Rio, em quatro de setembro de 1969.

Entre os doze sequestradores estavam os jornalistas Franklin Martins e Fernando Gabeira. E entre os presos políticos trocados pela libertação do embaixador estavam o famoso militar e político Gregório Bezerra, então com 69 anos, e o futuro ministro e hoje presidiário José Dirceu, então com 23 anos apenas, e hoje condenado a trinta anos de cadeia por crimes como corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Desde junho de 2018 está solto por ordem da turma do STF integrada por Dias Toffoli, Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski. Detalhes dispensáveis? Detalhes, sim, como os etimológicos, mas indispensáveis para compreensão se o objetivo é entender mais a fundo o que se lê.

Dona Elba Souto Maior, esposa de um capitão de mar e guerra, prestava atenção a detalhes. No dia do sequestro, ela reservara a manhã para receber eventuais compradores de sua casa, olhava para a rua, considerou estranhos alguns carros ali estacionados e avisou a polícia. Os guardas vieram num jipe, olharam os veículos e consultaram a central por rádio. Os sequestradores tinham esquentado as placas, isto é, os automóveis roubados estavam com chapas frias, entretanto não percebidas pelo modo como foram conferidas.

Os fuscas estavam sem documento e dentro deles havia bombas caseiras, feitas com latas de leite Ninho, e granadas caseiras cujos pinos de disparo eram peças de freio de bicicleta. Compunham o arsenal também alguns revólveres e duas metralhadoras. Mas seus ocupantes não foram abordados porque a central avisou que nada havia contra veículos com aquelas placas.

Os guardas cumpriram o seu dever? Respondam os distintos leitores, certamente já sabedores dos efeitos deste tipo de comportamento de chefe, subordinado ou colega de trabalho, que faz a tarefa, mas sem a devida  atenção.

Voltemos a mais detalhes. Os militares discordantes quiseram impedir o embarque dos presos políticos trocados pelo embaixador em 1969, mas demoraram a tomar a decisão e a implementá-la. Quem estava no poder agiu rapidamente, atendeu à exigência dos sequestradores e com isso o desfecho foi outro.

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Como outrora o lema “Brasil acima de tudo” foi criticado por lembrar o brado nazista “Deutschland über alles” (Alemanha acima de tudo), desta vez o Presidente e seus apoiadores devem ter achado no recôndito de seus corações que “Deus” no meio resolveria a questão. Mas que está embutido neste “Deus” do lema? Bem, a língua oficial do Brasil é o Português, solitária exceção em não homenagear deus pagão algum nos nomes dos dias da semana de segunda a sábado, reforçando seu monoteísmo ao designar o domingo Dia do Senhor, de acordo com a etimologia do Latim Dies Dominicus, berço da palavra domingo.

Outras línguas continuam honrando o Dies Solis, Dia do Sol, um dos deuses mais antigos do mundo, seguidos da Lua, de Marte, de Mercúrio, de Júpiter, de Vênus e de Saturno. Mas por que os primeiros deuses foram astros? A pergunta foi formulada e respondida por Sócrates no Crátilo, de Platão: os primeiros homens viram o Sol e outros corpos celestes correndo em carreira pelo céu e os designaram deuses.

Com efeito, a palavra “deus” veio do Grego “theós”, aquele que corre, do mesmo étimo do verbo “theîn”, correr. Carreira, em grego, é “theónta”. Um detalhe, não é mesmo? Mas a importância dos detalhes foi reconhecida até mesmo por Roberto Carlos e Erasmo Carlos: “São coisas muito grandes pra esquecer/ E a toda hora vão estar presentes/ Você vai ver”.

Você vai ver e ler. Mas certamente ainda vai ouvir falar muito destas coisas…

*Deonísio da Silva
Diretor do Instituto da Palavra & Professor
Titular Visitante da Universidade Estácio de Sá
https://portal.estacio.br/instituto-da-palavra

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