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Como o Brasil pode ocupar papel central na economia verde global

É preciso mais do que boa vontade para virar a 'Arábia Saudita da energia renovável'

Por Ernesto Yoshida
Atualizado em 8 dez 2023, 06h03 - Publicado em 8 dez 2023, 06h00

Poucos dias antes de participar da conferência da ONU sobre o clima (COP28), em Dubai, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva esteve em Riad, na Arábia Saudita, onde se reuniu com autoridades e empresários. Durante o encontro, em 29 de novembro, o presidente enalteceu o papel do Brasil na produção de energia limpa. “Daqui a dez anos, o Brasil será chamado de a Arábia Saudita da energia renovável. É para isso que estamos trabalhando”, declarou Lula.

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A comparação com a Arábia Saudita, a maior exportadora de petróleo do mundo, não é inteiramente descabida. As dimensões continentais, com abundância de recursos naturais como sol, vento e água, colocam o Brasil em uma situação privilegiada para desempenhar um papel global relevante na produção de energia renovável. Hoje, 85% da matriz elétrica brasileira é proveniente de energia limpa, ante a média de 27% no mundo. Em termos de matriz energética, que engloba todas as formas de produção de energia, incluindo as utilizadas em transporte e processos industriais, o Brasil tem 47% de fontes renováveis, em comparação com a média global de 14%.

arte enxurrada de recursos

“O Brasil já é uma potência em energia verde. O país está hoje aonde o mundo quer chegar em 2050”, diz Nivalde de Castro, professor do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, no qual coordena o Grupo de Estudos do Setor Elétrico (Gesel). Para se aproximar do padrão brasileiro, o mundo virou a chave. A Agência Internacional de Energia estima que 1,7 trilhão de dólares estão sendo investidos globalmente neste ano em energia limpa, ante 1 trilhão de dólares em combustíveis fósseis. Há cinco anos, os recursos destinados a energia renovável e não renovável eram equivalentes. A mudança da rota é liderada pela China, que expandiu seus investimentos em energia de baixo carbono desde o início dos anos 2000 para reduzir a dependência em relação ao carvão.

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O apetite chinês inclui a aquisição de ativos de energia no exterior. No Brasil, somente a State Power Investment Corporation (SPIC), uma das cinco maiores geradoras de eletricidade do mundo, investiu 12 bilhões de reais em seis anos de operação. “O ambiente propício para investimentos, aliado ao compromisso com a transição energética, torna o Brasil um destino estratégico para as empresas com foco global como a SPIC”, diz Adriana Waltrick, presidente da subsidiária brasileira. A corporação chinesa atua em 46 países e tem 213 gigawatts de potência instalada. No Brasil, atua em energia hidrelétrica, eólica e solar, além de gás natural e hidrogênio verde.

ELÉTRICO - Ônibus em Curitiba: alternativa para reduzir a pegada de carbono do transporte
ELÉTRICO - Ônibus em Curitiba: alternativa para reduzir a pegada de carbono do transporte (Ricardo Stuckert/PR)

Entre os negócios da SPIC no Brasil está a operação da Usina Hidrelétrica São Simão, na divisa de Minas Gerais com Goiás. A empresa planeja investir 1 bilhão de reais nos próximos nove anos para modernizar o empreendimento, em um processo conhecido como repotenciação — o aumento da capacidade de geração de uma usina por meio da atualização dos equipamentos ou da instalação de turbinas mais eficientes. “É o caminho mais eficaz para o desenvolvimento do parque hidrelétrico brasileiro sem a necessidade de novos empreendimentos”, afirma Waltrick.

As hidrelétricas representam hoje 50% da matriz elétrica brasileira — essa fatia já foi superior a 90%, nos anos 1990. Apesar da perda de participação, as usinas hidrelétricas devem continuar ocupando um papel importante, por sua capacidade de funcionar como grandes “baterias de água” — armazenar energia potencial em forma de água nos reservatórios. É um modo de evitar oscilações na oferta de eletricidade, um ponto crucial devido à natureza intermitente das energias renováveis. Embora o Brasil tenha sofrido alguns apagões de energia nos últimos anos, Castro não vê motivos para preocupação. “Esses apagões foram problemas pontuais que ocorreram, por exemplo, por causa de uma queimada sob uma linha de transmissão, mas tudo foi normalizado em poucas horas. Não há um problema estrutural.”

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Para Luiz Augusto Barroso, presidente da consultoria em energia PSR, o melhor caminho é diversificar a matriz energética, aumentando a inserção de eólica e solar, que são fontes competitivas e complementares à hídrica, e usar a geração térmica a gás natural para dar mais estabilidade ao sistema. Barroso diz que um dos principais desafios para “limpar” ainda mais a matriz brasileira é a transição no setor de transportes, que usa basicamente combustíveis fósseis e responde por 33% do consumo de energia no país. “No curto prazo, a melhor estratégia é usar biocombustíveis como o etanol na frota de veículos leves, eletrificar a frota de ônibus urbanos e usar gás natural para caminhões”, afirma. “No médio prazo, a eletrificação será o caminho mais econômico para todos os meios de transporte.”

Com sua matriz elétrica predominantemente limpa, o Brasil tem grande potencial para produzir hidrogênio verde, o combustível resultante da eletrólise (a passagem de uma corrente elétrica para quebrar a molécula da água), usando fontes renováveis. Para Castro, há dois caminhos possíveis para o hidrogênio verde que o Brasil vai produzir: exportá-lo ou usá-lo internamente para substituir combustíveis fósseis em setores de difícil descarbonização, como as indústrias siderúrgicas e de cimento. “Exportar hidrogênio seria como vender água e sol. É melhor usar o hidrogênio para converter as indústrias nacionais para a economia verde e exportar os produtos fabricados com energia renovável, com maior valor agregado”, afirma Castro.

Para ele, nenhum país tem atributos como o Brasil para se tornar, de fato, uma potência em economia verde. O que falta? “Falta estruturar todo o potencial que temos em uma política de Estado, não só de governo, para definir os passos necessários nos próximos dez ou vinte anos”, diz Castro. Sem uma política bem planejada e executada, e sem a clareza do que é preciso fazer para se tornar a “Arábia Saudita da energia renovável”, a frase do presidente Lula pode virar só uma anedota.

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Publicado em VEJA de 8 de dezembro de 2023, edição especial nº 2871

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