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O que falta para o Brasil investir na produção de energia eólica no mar

Aprovação de um marco regulatório deve destravar o potencial do país nessa área

Por Carla Zimmermann
8 dez 2023, 06h00

Com cadeias maduras de suprimento de energia eólica em terra firme, o Brasil se prepara para desbravar também o potencial dos ventos marítimos. Por meio das chamadas eólicas offshore, em que os geradores são instalados no mar, o país pode ampliar a capacidade de produção energética movida por ventos em 3,6 vezes, segundo um estudo da Confederação Nacional da Indústria, a CNI. O Nordeste se destaca como a região com maior potencial de exploração dos ventos do alto-mar. Hoje a região já responde por 90% da produção nacional de energia elétrica de fonte eólica. Para o Brasil acelerar na implantação de parques eólicos offshore, no entanto, falta a definição de um arcabouço de regras.

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Um passo importante nesse sentido foi dado no final de novembro, com a aprovação do marco regulatório da energia eólica offshore pela Câmara dos Deputados. Agora, a nova legislação aguarda o aval do Senado. A expectativa é que os senadores também deem o sinal verde para a regulamentação, considerada fundamental para a criação de uma estrutura jurídica do setor. O projeto de lei 11 247, concebido em 2018, que estabelece o marco regulatório das eólicas offshore, permite a outorga pelo governo de áreas marítimas para a exploração da atividade.

Ao mesmo tempo, o mercado se movimenta para acelerar os investimentos nessa nova fronteira de produção de energia. O Ibama, responsável pela concessão de licenças ambientais para projetos dessa natureza, já recebeu pedidos para a liberação de parques eólicos no mar com potencial para gerar 200 gigawatts de energia. Até outubro, o órgão havia registrado o recebimento de autorizações para 78 projetos de eólicas offshore.

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“Com o marco regulatório do setor, o mercado deverá se viabilizar, seguindo uma tendência de redução de custos de produção e aumento da demanda”, diz Davi Bomtempo, gerente-executivo de meio ambiente e sustentabilidade da CNI, que vem conduzindo estudos sobre o tema. “A partir do momento em que o arcabouço jurídico for sancionado, o Brasil deverá se inserir na cadeia global de empreendimentos do segmento de eólica offshore.”

arte eólica

Em 2022, segundo dados da Agência Internacional de Energia, do total de 900 GW de capacidade eólica instalada no mundo, 93% correspondiam a sistemas onshore e os restantes 7% a parques eólicos offshore. A expectativa é que a produção energética offshore cresça rapidamente nos próximos anos, para aproveitar o potencial dos ventos mais fortes em alto-mar.

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No Brasil, uma das principais iniciativas nessa área é capitaneada pela Petrobras. A estatal fechou uma parceria com a WEG, fabricante de motores elétricos, para o desenvolvimento de aerogeradores que serão instalados em alto-mar. Os investimentos da Petrobras no projeto somam cerca de 130 milhões de reais. As estruturas de geração de energia eólica offshore serão montadas em dez áreas, sete delas no Nordeste, em estados como o Rio Grande do Norte e o Ceará. O plano é gerar cerca de 23 GW de energia. No longo prazo, os investimentos devem crescer ainda mais. Só a Petrobras deve destinar cerca de 25 bilhões de reais a projetos de energia eólica (com espaço para a offshore) e solar até 2028.

Além da Petrobras, outras petroleiras têm revelado interesse pelo mercado de energia eólica offshore. Uma das principais motivações tem sido a necessidade de investir na transição energética. A expertise em infraestruturas em alto-mar, voltadas para a exploração de petróleo, é outro fator importante nessa equação.

Potencial brasileiro

Parâmetros técnicos, referentes à profundidade do mar adequada para a instalação de turbinas eólicas offshore e sua distância da costa (limitada a 200 quilômetros em função de requisitos operacionais), e fatores ambientais apontam quais estados brasileiros apresentam maior potencial para a geração de energia em alto-mar. No mapa de oportunidades, elaborado pela CNI, as maiores áreas de viabilidade técnica se encontram no Piauí, no Ceará e no Rio Grande do Norte. Estados do Sudeste, como o Rio de Janeiro e o Espírito Santo, também se destacam.

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Um dos primeiros projetos-piloto está programado para entrar em operação no litoral do Rio de Janeiro, a 42 quilômetros de Cabo Frio, sob a liderança da Petrobras. A intenção é gerar 3,2 GW de energia mediante a instalação de mais de 150 aerogeradores, cada um com capacidade de 18 MW, segundo a empresa. A estatal vem testando estruturas de geração de eólica offshore em uma parceria com a Universidade de São Paulo e com o Laboratório de Tecnologia Oceânica da Coppe/UFRJ, o centro de pesquisa e ensino de engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Os primeiros testes com aerogeradores já foram realizados, com resultados positivos.

O Rio Grande Norte também segue firme na corrida para o início da produção de energia eólica offshore no Brasil. O estado assinou um acordo, em maio deste ano, com a EDF Renewables, multinacional francesa de energia renovável, e com a Internacional Energias Renováveis, empresa brasileira voltada ao desenvolvimento de projetos de energia solar e eólica. O objetivo é identificar oportunidades de exploração da nova fonte energética e implementar parques eólicos offshore. A EDF Renewables anunciou que pretende operar um complexo eólico offshore no Rio Grande Norte com capacidade para gerar 2 GW. A inauguração está prevista para 2030.

O Ceará tem metas até mais ambiciosas. O estado já protocolou 22 projetos de energia eólica offshore junto ao Ibama e aguarda a aprovação dos pedidos de licenciamento ambiental. Além da Petrobras, grandes grupos globais do setor de óleo e gás, com destaque para a norueguesa Equinor, a britânica Shell e a francesa TotalEnergies, acompanham de perto a liberação de licenças. Caso os projetos se concretizem, a capacidade de produção de eólica offshore no estado pode chegar a 56,6 GW.

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“O Brasil tem uma oportunidade muito grande de exploração e produção de eólica offshore e agora estamos construindo as bases para esse desenvolvimento”, diz Elbia Gannoum, presidente da Associação Brasileira de Energia Eólica (ABEEólica). Caso o marco regulatório da atividade seja sancionado pelo Senado até o final do ano ou nos próximos meses, a expectativa é que o primeiro leilão de cessão de área marítima para a exploração da fonte energética seja realizado em 2024. Os trâmites do processo de licenciamento devem levar mais três anos, segundo a ABEEólica. “Com isso, teríamos os primeiros parques de eólica offshore funcionando a partir de 2030”, afirma Gannoum.

Não há tempo a perder, na visão do mercado. Apesar do grande potencial de geração de energia eólica, o Brasil largou atrás na corrida pela exploração dos ventos que sopram no mar. Na China, os primeiros projetos de eólica offshore tiveram início há duas décadas — hoje o país asiático é o maior produtor mundial, com a geração de mais de 17 GW, seguido por Reino Unido, Alemanha e Holanda. A União Europeia tem redobrado os esforços para ampliar a produção eólica offshore, considerada uma importante fonte no mix energético do continente. Planos como o REPowerEU, lançado recentemente com o objetivo de tornar a União Europeia autossuficiente em energia até 2030, eliminando a dependência de importação de combustíveis fósseis da Rússia, vêm impulsionando os investimentos no setor. Além disso, a Dinamarca, a Bélgica, a Alemanha e a Holanda assinaram um tratado para acelerar a produção de eólica offshore no Mar do Norte, com uma meta de produção de 150 GW até 2050.

Custos em queda

NOVA FRONTEIRA - Turbinas no mar: os parques offshore representam 7% da energia eólica no mundo
NOVA FRONTEIRA - Turbinas no mar: os parques offshore representam 7% da energia eólica no mundo (Vice virtue/Getty Images)

Esses avanços vêm sendo viabilizados não só em função da demanda por descarbonização e diversificação da matriz energética. A tecnologia também vem avançando, com ganho de escala e redução de custos. Nesse sentido, o futuro é promissor. Um estudo da Universidade da Califórnia em Berkeley, nos Estados Unidos, projeta que até 2035 os custos para instalação de parques eólicos no mar deverão diminuir entre 17% e 35%. O custo médio para a produção de energia eólica offshore já caiu 40% de 2010 a 2021, chegando hoje a 2 858 dólares por quilowatt. Mesmo assim, a geração de energia elétrica offshore ainda custa o dobro da opção onshore, por questões operacionais, preço dos equipamentos, logística e manutenção.

Na visão de analistas, o Brasil está bem posicionado para obter uma relação custo-benefício atraente na exploração do potencial dos ventos marítimos, especialmente em relação a outros mercados emergentes. “A expertise brasileira em projetar estruturas offshore para exploração de petróleo pode ser de grande importância nesse cenário”, diz Bomtempo, da CNI. Mesmo assim, deverão ser necessários investimentos significativos e que demandarão anos até ser concretizados. “Além disso, precisaremos adequar nossa infraestrutura de logística, transmissão e distribuição de energia”, completa Bomtempo.

A boa notícia é que avanços tecnológicos têm permitido a produção de turbinas eólicas mais eficientes. Desde 1991, quando foi instalada a primeira turbina offshore, a potência vem crescendo. Passou de 1,5 MW por turbina no ano 2000 para 6,5 MW em 2020. Em 2025, deve chegar a 12 MW, em média, segundo o Global Wind Energy Council. As pás das turbinas eólicas também têm evoluído, principalmente por meio do desenvolvimento de novos materiais para sua construção, como fibra de vidro e carbono. Esses materiais oferecem maior resistência e impermeabilidade, reduzindo a corrosão, um problema do ambiente marítimo.

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Com o crescimento do mercado, a expectativa é que a cadeia de produção se amplie. Hoje, os principais fornecedores de equipamentos de parques eólicos offshore estão na Europa, com destaque para a Alemanha e a Dinamarca, além da China. No Brasil, o segmento de eólica onshore, estabelecido há algum tempo, conta com fornecedores como Casa dos Ventos, Omega, Ecoenergia, Enel e EDPR. O mercado offshore, no entanto, ainda precisa ser estruturado, o que deve começar a ocorrer a partir da aprovação do marco regulatório do setor. Empresas brasileiras como a Eólica Brasil e a Neoenergia já revelaram interesse em desenvolver equipamentos de parques offshore, segundo a CNI. Para o desenvolvimento do setor no país, só falta dar o pontapé inicial, com a regulamentação do mercado e os primeiros leilões dos parques eólicos offshore.

Publicado em VEJA de 8 de dezembro de 2023, edição especial nº 2871

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