#11 O LUCRO: Além do capital
O capitalismo ainda busca resultados positivos — mas, numa virada histórica, descobre que ganhará ainda mais com o respeito ao meio ambiente
Desde que o filósofo escocês Adam Smith (1723-1790) cunhou as bases do liberalismo em sua obra fundamental, A Riqueza das Nações, o lucro é uma questão central do capitalismo. Para prosperarem, os negócios — da padaria de bairro ao conglomerado internacional — precisam ter os ganhos como finalidade. É condição que estimula novos investimentos, crescimento e renda. Durante boa parte das últimas cinco décadas, período em que a economia global viveu anos de bonança sem precedentes, testemunhou-se essa dinâmica virtuosa. Impulsionadas pelo comércio intercontinental, as grandes corporações se espalharam pelo planeta, expandindo os negócios e aumentando a rentabilidade.
Nesse meio século, porém, uma transformação radical ocorreu. É evidente que a multiplicação de dividendos continua a ser o postulado máximo do sistema. Mas já não é o seu único pilar, incontornável e que não admite recuo. Uma a uma, empresas tão diversas como a Nestlé, a Honda e a farmacêutica GlaxoSmithKline aderem a um novo tripé: o lucro, as pessoas e o planeta. Em inglês, são os “3 Ps” (profits, people, planet), expressão que, criada em 1994 pelo sociólogo britânico John Elkington, se tornou o novo norte do capitalismo moderno. Em resumo, além de fazer dinheiro, é necessário ter responsabilidade social e respeito ao meio ambiente, de modo que o crescimento econômico seja viável a longo prazo.
A ideia de Elkington é uma resposta ao modelo vigente nas últimas décadas, calcado no consumo indiscriminado de recursos ambientais. Ele foi útil para expandir a classe média e retirar milhões da pobreza. Em meio século a economia mundial foi multiplicada por seis, e a renda per capita quase triplicou. Mas o sucesso trouxe uma fatura amarga na forma do esgotamento ambiental e do mais complexo desafio já enfrentado pela sociedade moderna — o aquecimento global(leia mais).
Em julho deste ano, os termômetros bateram inacreditáveis 30 graus em áreas da Noruega situadas acima do Círculo Polar Ártico. Padrões climáticos erráticos sufocam o estado americano da Califórnia, varrido pelos maiores incêndios florestais de sua história. “Chegamos a um ponto de inflexão”, diz o economista Sérgio Besserman Vianna. “Serão necessárias alterações profundas não só de empresas, como também no sistema político.”
Em parte, essa mudança já ocorreu. No capitalismo moderno, despontam empresas como a Tesla, a montadora do inquieto e hoje encrenqueiro empresário Elon Musk. Sua companhia preocupa-se não apenas em produzir carros, como em criar modelos menos poluentes, movidos por baterias elétricas. Além disso, dispõe de mão de obra de alta qualificação e investe pesado em inteligência artificial. Os capitalistas do passado ficariam espantados, mas hoje nem sempre as estrelas do presente dão lucro. No segundo trimestre de 2018, a Tesla teve um prejuízo de 717,5 milhões de dólares. Mesmo assim, seu valor de mercado bateu os 50 bilhões de dólares, superando a centenária Ford. Tudo porque seus investidores a enxergam como um farol das tendências que definirão os próximos cinquenta anos. A expectativa vale mais que a máquina.
A mutação do capitalismo atual decorre de sua capacidade única de adaptação. Quando Karl Marx (1818-1883) e Friedrich Engels (1820-1895) apontaram o lucro como fator responsável pela miséria, o capitalismo se transformou. Para fazer frente à dupla de pensadores que formulou o comunismo, a burguesia concedeu salários mais dignos e criou-se a rede de proteção social. Com a renda distribuída de maneira mais igualitária, o capitalismo derrotou o comunismo. Em 1989, a vitória tomou forma dramaticamente concreta, com a queda do Muro de Berlim e do mundo que ele escorava. Agora, o capitalismo, com seu darwinismo extraordinário, está aprendendo que não há espaço para o lucro a qualquer custo.
Publicado em VEJA de 26 de setembro de 2018, edição nº 2601