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Primitivos.com

Vídeos em que youtubers ensinam a construir ferramentas da Idade da Pedra se popularizam — ironicamente, em razão da busca pela “desintoxicação digital”

Por Sabrina Brito
Atualizado em 14 dez 2018, 07h01 - Publicado em 14 dez 2018, 07h00

Parece um paradoxo — e é. Em plena era digital, uma das ondas de apelo no YouTube propõe que o usuário esqueça o computador, o smartphone, a internet e outros atrativos onipresentes na vida contemporânea e se volte para a natureza e um passado distante, muito distante. A moda é puxada e encarnada pelo australiano John Plant, o youtuber responsável pelo canal Primitive Technology (Tecnologia Primitiva). Só de short — sem camisa e descalço —, Plant ensina, em vídeos gravados na floresta do Estado de Queensland, em seu país natal, a construir ferramentas usadas por humanos na Idade da Pedra. Para tanto, vale-se tão somente de recursos da natureza ao seu redor. “Se quer fogo, use gravetos. Se quer um machado, pegue pedras e o molde”, diz ele em seu canal, que já tem quase 9 milhões de seguidores.

Lançado em 2015, o Primitive Tech­nology demorou dois anos para conquistar um público de grande monta. Ao longo dos primeiros doze meses, atraiu 788 000 fãs — um número expressivo, mas de pouca relevância diante dos milhões de seguidores angariados na web pelas celebridades. Em 2016, porém, os vídeos começaram a ganhar maior impulso. Um deles, divulgado naquele ano, sobre como fazer carvão natural, chegou a 1,5 milhão de visualizações em dois dias.

Até então, Plant, que não era afeito à fama, recusava-se a dar seu nome nas filmagens, nas quais sempre permanece mudo. Em junho de 2017, isso mudou. Para poder faturar mais com republicações de vídeos no Facebook, por meio de direitos autorais, o australiano finalmente passou a se identificar. Foi então que a audiência disparou, ultrapassando os 5 milhões de inscritos no canal até o fim daquele mesmo ano. De lá para cá, seus clipes já foram vistos 645 milhões de vezes. Ao comentar a relação entre as habilidades primitivas que ensina e as inovações modernas, Plant afirmou à rede inglesa BBC: “Aprender a fazer uma fogueira é a habilidade mais importante e a base para a maior parte das tecnologias”.

Como sempre acontece nesta era de globalização aguda, a formidável popularização do canal australiano incentivou o aparecimento de similares ao redor do planeta. O Primitive Survival Tool, de Singapura, tem 2,9 milhões de inscritos. O vietnamita Survival Skills Primitive e o americano Primitive Technology Idea têm, ambos, algo em torno de 1 milhão de seguidores. No Brasil, a mania ainda não explodiu, mas está chegando perto aos poucos, com páginas como Técnicas Primitivas e Vida Primitiva, que contam com um público que se situa modestamente na casa dos milhares.

ANTIGO – O britânico Bear Grylls, no programa À Prova de Tudo, exibido nos anos 2000: vivências na natureza (//Reprodução)

Apesar de terem se disseminado pelo YouTube há pouco tempo, vivências em ambientes selvagens não são uma novidade. O assunto foi popular em programas de TV dos anos 2000. Um dos mais bem-sucedidos, À Prova de Tudo, estreou em novembro de 2006 nos Estados Unidos. Transmitido aqui pela Discovery, o programa teve 79 episódios e durou até 2011. Na atração, Bear Grylls, ex­-membro das Forças Especiais Britânicas, ensinava como sobreviver em locais inóspitos — do Alasca ao Deserto do Saara.

“Esse recente fenômeno da internet pode estar ligado a uma vontade extrema de regressar à natureza”, declarou a VEJA a socióloga holandesa Saskia Sassen, da Universidade Columbia, nos Estados Unidos, especializada em estudos sobre digitalização. A tendência, portanto, estaria associada à necessidade das pessoas de se afastar do mundo ultraconectado — ironicamente, em razão da busca pela chamada “desintoxicação digital”, que vem crescendo nesta década. Diz o psicólogo Cristiano Nabuco, coordenador do Grupo de Dependência Tecnológica da USP: “É como se tivéssemos atingido o limiar do uso das novidades digitais. Como o ser humano tem predisposição a movimentações pendulares, se estamos demasiado on-line, nós nos empenhamos para reforçar o outro lado, o da antítese da tecnologia”.

Publicado em VEJA de 19 de dezembro de 2018, edição nº 2613

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