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Incêndio no Instituto Butantan é tragédia científica

Por Natalia Cuminale Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 24 Maio 2016, 16h16 - Publicado em 18 Maio 2010, 20h51

Irreparável, inestimável e lamentável. É como os especialistas ouvidos por VEJA.com classificam o incêndio ocorrido no Instituto Butantan no último sábado, que arrasou o maior e mais importante acervo de espécies de cobras da região tropical do mundo, com uma coleção que teve início há mais de um século. “É uma tragédia científica global”, sentencia Harry Greene, professor de ecologia e biologia evolutiva da Universidade Cornell, em Nova York. Segundo o Instituto Butantan, a coleção possuia cerca de 77.000 serpentes registradas e cerca de 5.000 que ainda não haviam sido registradas. “Cada um desses mais de 80.000 exemplares representava um ‘retrato’ da biologia de uma espécie, num determinado momento e lugar. Espécimes que foram e ainda poderiam ser uma fonte inestimável de informações sobre riquezas naturais de um país com uma biodiversidade extremamente rica”, afirma Greene, que é autor do livro Snakes: the Evolution of Mistery in Nature, e já trabalhou em pesquisas em conjunto com especialistas brasileiros no Instituto.

Além da maior coleção de ofídios da região tropical, a parte do galpão que foi dominada pelas chamas guardava também cerca de 178.000 exemplares de aranhas 45.000 para registrar. “As coleções do Butantan formavam a principal base para o nosso conhecimento de uma grande proporção da fauna aracnídea sul-americana”, diz Norman Platnick, curador da coleção de aranhas do Museu Americano de História Natural, em Nova York. “Era uma coleção absolutamente insubstituível, responsável por parte da memória biológica da humanidade�, concorda Miguel Trefaut, professor do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP).

Para Jack Sites, curador de herpetologia da Universidade Brigham Young, em Utah, uma coleção como a do Instituto Butantan tem o potencial de proporcionar conhecimento para o presente e o futuro de gerações de toda a humanidade – especialmente no caso de cobras pouco conhecidas atualmente, porém espécies biologicamente muito ricas de regiões como o Amazonas. “Pesquisas baseadas nessas coleções podem fornecer conhecimento em várias áreas da ciência: biológica e aplicada, desde a biologia populacional até a saúde humana. Além disso, o conhecimento é essencial para compreender os padrões de biodiversidade e estabelecer prioridades de conservação em um país com uma ‘mega-diversidade’ como o Brasil”, diz Sites.

Na prática, saber o que uma cobra come, ajuda a entender melhor porque o veneno é construído, segundo explica Green. Assim, essa informação pode servir para a ciência biomédica utilizar componentes químicos do veneno de uma serpente para resolver problemas de saúde. Uma das melhores drogas para o controle de pressão arterial é baseada no veneno de jararaca. “Em resumo, milhares de cobras preservadas já foram utilizas como objeto de pesquisa em centenas de trabalhos e publicações no último século. Se não fosse por esse terrível acidente, continuaria a servir a população brasileira e a conservação da biodiversidade por muitas décadas que ainda estão por vir”, diz Green.

“É uma tragédia da proporção do incêndio da biblioteca de Alexandria”, afirmou à imprensa Francisco Luiz Franco, curador da coleção de serpentes do Instituto Butantan, comparando o incêndio com o fogo que destruiu a maior biblioteca da antiguidade. A comparação é pertinente, na opinião de Trefaut: “À medida que o tempo passa, o valor científico de uma coleção aumenta. Por exemplo, há algum tempo, não conseguíamos sequenciar genes. Atualmente, novas formas de conhecimento se tornam possíveis”.

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Irrecuperável – Os pesquisadores acreditam que o local possuía exemplares inéditos, ou seja, ainda não tinham sido descritos pelos cientistas do Butantan. “Muito do que foi perdido, a ciência nem conhecia ainda. Espécies novas, que não haviam sido descritas”, diz Rodney Ramiro Cavichioli, presidente da Sociedade Brasileira de Zoologia e chefe do departamento de Zoologia da Universidade Federal do Paraná (UFPR).

Ítens insubstituíveis porque parte da coleção era formada por animais retirados de áreas que não existem mais. “É um acervo com mais de cem anos. Com o passar do tempo, tivemos o crescimento populacional, a ocupação de áreas por agricultura, pecuária, exploração de madeira. Parte desse material você não vai conseguir recuperar”, explica Cavichioli. “Muito tempo e recursos serão necessários para substituir os espécimes perdidos. Porém, as alterações ocorridas no meio ambiente podem tornar impossível resgatar alguns tipos, que provavelmente agora estão extintos”, complementa Platnick. “Corallus cropanii , Lioheterophis iheringi são espécies que provavelmente estão extintas. Dezenas de outras, que eram abundantes, como Uromacerina ricardinii, se tornaram muito raras ou estão extintas”, cita Trefaut.

Ainda não se sabe ao certo quanto foi prejudicado e o que poderá ser recuperado. Segundo nota divulgada pelo Instituto Butantan, a área incendiada foi interditada após vistoria dos peritos. Apenas engenheiros do Instituto e a Defesa Civil podem entrar no prédio para recuperar o acervo danificado, já que há risco de desabamento da estrutura do edifício. Só após o relatório, que não tem prazo para ser divulgado, será possível mensurar o que foi perdido. “Mesmo com 10 ou 15 anos de muito esforço, não vamos recuperar as informações perdidas. O que avançamos em 20 anos de pesquisa, nós perdemos no fim de semana”, afirma João Vasconcellos Neto, professor do departamento de zoologia do Instituto de Biologia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

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Wilson Fernandes, chefe do setor de Herpetologia do Instituto Butantan, área danificada pelo fogo, afirmou ser difícil dar a dimensão da perda. “Tudo era importante e muito do que se perdeu é irrecuperável. Agora o meu trabalho é de organizar as coisas que conseguimos salvar e realocar os pesquisadores”, afirma Fernandes, que conta com a ajuda de cerca de 30 pessoas, entre funcionários e pesquisadores.

Segurança – Dada a importância de um acervo como o do Instituto Butantan que levou mais de um século para se formar e menos de uma hora para se transformar em cinzas, os cientistas se preocupam com a situação em que está a conservação do patrimônio histórico no país. “Há muito tempo que temos questionado os órgãos governamentais sobre a importância da manutenção desses locais e de possibilidades de uma estrutura mais adequada e segura para as coleções”, diz Cavichioli. Segundo ele, outros museus brasileiros deixam suas coleções sem a segurança necessária.

Platnick explica que a maneira ideal de preservar um acervo em álcool é em locais com estantes abertas, em ambientes com supressão de fogo. “Esses sistemas são capazes de impedir a propagação do fogo, em caso de uma emergência. Infelizmente, poucos museus do mundo, incluindo os americanos, foram capazes de proporcionar instalações assim”, diz Platnick.

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