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Desafios de privacidade do setor privado

Esther Dyson, diretora da EDventure Holdings, é empresária e investe em novas tecnologias e em mercados emergentes. Seus interesses incluem a tecnologia da informação, cuidados com a saúde, aviação privada e viagens espaciais

Por Esther Dyson
8 jun 2014, 22h37

Por que a privacidade é um grande desafio para as empresas privadas? -os governos também têm esse problema, mas isso é outra história. Além das leis de privacidade, as empresas têm que lidar com clientes com expectativas diferentes, concorrentes com diferentes níveis de integridade e vários tipos de relacionamentos que formam o contexto da troca de dados.

A privacidade não diz respeito só a quem sabe muito sobre nós, mas também em como nós nos sentimos a respeito. Muitas preocupações quanto à “privacidade” são baseadas em interesses concretos, tais como a preservação da segurança financeira ou a ocultação de informações que possam comprometer o emprego de alguém ou a capacidade de se qualificar para um seguro de saúde acessível. Mas há também um aspecto mais pessoal: a tensão entre o desejo de saber e o desejo de proteger esses segredos, não importando se eles são insidiosos, embaraçosos ou íntimos.

Quando o cofundador de uma empresa na qual eu investi me contou que uma pessoa famosa havia usado os nossos serviços, a nossa primeira reação foi de que eu deveria entrar em contato com ela por meio de uma nota amigável. Foi quando comecei a pensar se essa pessoa se sentiria à vontade em saber que outras pessoas já sabiam que ela utilizava aqueles serviços (apesar de não existir uma ferramenta corporativa tão avançada). Claro, ela confiou o suficiente nos serviços quando forneceu suas informações para a base de dados, os quais, nos termos da empresa, há garantia aos clientes de que suas informações não serão vistas ou utilizadas. Será que o fato de outras pessoas conhecerem a sua identidade como um usuário abalaria a sua confiança?

Na realidade, a empresa utiliza uma ferramenta chamada Intercom, que permite que qualquer operador de site saiba mais sobre seus clientes por meio de seus endereços de e-mail, identidade do Facebook ou qualquer outro meio que utilizem para entrar na página. Atualmente, há muitos serviços de “relacionamento com o cliente” que dependem de fontes de dados que cruzam os nomes de usuário e endereços de e-mail utilizando meios não especificados. A maioria das pessoas provavelmente não está ciente dessas práticas – embora, a essa altura, a maioria das pessoas, provavelmente, já não fique tão chocada com essas informações. Por outro lado, eu fiquei um pouco surpresa quando soube da ampla coleta de dados da NSA (Agência Nacional de Segurança dos Estados Unidos).

Alguns dos clientes da Intercom querem saber quantos seguidores do Twitter seus usuários têm, para determinar o seu potencial valor como “influenciadores”. Uma vez que uma empresa identifique que usuários têm maior influência – blogueiros conhecidos, por exemplo – poderá oferecer-lhes melhor tratamento, na esperança que eles poderão recomendar o seu serviço. As startups podem até desejar examinar o perfil de seus usuários no banco de dados de anjos investidores (grupos que aplicam capital em empresas iniciantes) vendo-os como uma potencial fonte de financiamento

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Outros podem usar serviços como Intercom para conhecer os interesses de seus usuários – desde suas preferências musicais até seus passatempos favoritos – a fim de oferecer um serviço mais personalizado. De fato, muitos serviços on-line agora oferecem aos usuários uma conexão com seus amigos no Facebook ou contatos do LinkedIn, ou ainda recomendam atividades ou restaurantes, com base no comportamento de utilização desses usuários ou sua atual localização.

Algumas pessoas não querem esse tipo de abordagem porque já são personalidades bem conhecidas tentando fugir de fervorosos fãs e aproveitadores, ou simplesmente porque não se sentiram à vontade com tantas pessoas desconhecidas sabendo tanto sobre elas. Mas, para muitos usuários comuns, esse reconhecimento pode ser valioso e apreciado, mesmo se não for acompanhado de presentes especiais ou benefícios. A questão é como diferenciar os dois grupos. A resposta deveria ser simples. Perguntar ao cliente: “como podemos utilizar as informações que você compartilha com a gente, ou o que podemos fazer com as informações que recebemos de serviços como da Intercom?” O problema é que a maioria das empresas prefere não levantar essa questão; preferem não procurar sarna pra se coçar.

O que essas empresas devem reconhecer é que ao longo do tempo elas podem não conseguir sobreviver a um fluxo constante de gafes de privacidade – seja devido a seus próprios erros ou culpa por associação – e constante mudanças de regras. Neste sentido, o Facebook é uma rara exceção. Ainda pode ser difícil demandar esforços e descobrir o que os clientes querem, mas as empresas que conseguirem fazê-lo de forma simples e aberta irão beneficiar-se em longo prazo.

Dessa forma, tal abertura pode acarretar alguns riscos. Por exemplo, algumas pessoas, alertadas sobre a quantidade de informações que estão sendo coletada sobre elas, podem abster-se de usar esses serviços. Para elas, não há problema em ser reconhecidas por outras pessoas – e até é desejável – mas o reconhecimento vindo de computadores pode ser assustador e insatisfatório.

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O filme Ela conta a história de um homem cujo trabalho – redigir textos românticos para quem não consegue escrever cartas de amor – em breve será automatizado por uma nova geração de sistemas operacionais capazes de aprender tão rapidamente, e de forma abrangente, que ultrapassarão um único ser humano em termos de conhecimento acumulado. O protagonista do filme, logo, se apaixona por um desses sistemas operacionais. “Ela” ama também. Mas ele não está satisfeito com esse nível de atenção compartilhada, especialmente tendo em conta o quanto ela o conhece intimamente. O computador é humanizado o suficiente para ganhar o seu amor, mas não pode cumprir com as relevantes expectativas.

O desafio é, portanto, construir sistemas que pareçam apropriadamente pessoais, sem fazer que os usuários se sintam violados ou desconfortáveis. Ao mesmo tempo, esses sistemas não devem ser apresentados como sendo mais humanos do que são. Caso contrário, as expectativas dos usuários irão desassociar-se do que a empresa tem a oferecer.

Mas há ainda outro complicador: algumas pessoas procuram “privacidade” dentro de si mesma. Essas são as pessoas que se esforçam em esconder, por exemplo, uma falha capilar, insistindo para todos – inclusive a si mesmo – que não são carecas. Um vendedor de balanças uma vez me contou que muitas pessoas, apesar de estarem dispostas a compartilhar seu peso com um médico, não gostam de encarar os números na balança. A concretude dos dados as assusta.

Outro exemplo: para comemorar o aniversário de dez anos do Facebook, a Time Inc. ofereceu-se para avaliar a linha do tempo dos usuários a fim de estimar quanto tempo essas pessoas passavam no site. Enquanto muitos ficaram curiosos, tenho certeza que outros preferiram não enfrentar os fatos.

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A privacidade é algo pessoal. Ao utilizar uma ferramenta, uma pessoa efetivamente entra em um relacionamento com seu provedor. Os prestadores de serviços devem entender que seus usuários esperam que a transparência, o respeito e reconhecimento são fundamentais para qualquer relacionamento.

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