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Coronavírus: países adotam aplicativos para rastrear contaminados

A questão ética é: como proteger a privacidade das pessoas?

Por Ernesto Neves, Caio Mattos Atualizado em 8 Maio 2020, 11h00 - Publicado em 8 Maio 2020, 06h00

Quando o distanciamento social entra em vigor, a prioridade número 1 é conter a disseminação do novo coronavírus. Quando ele começa a ser relaxado, o foco muda: torna-se crucial a testagem em massa — 150 testes para cada 100 000 pessoas, segundo estudo da Universidade Harvard —, que permitirá rastrear a evolução da doença em tempo real. Para pôr em prática um monitoramento de tal dimensão, os países em fase de retomada de atividades estão usando em paralelo aplicativos instalados em smart­phones capazes de identificar tanto quem esteve em alguma “zona vermelha”, como são chamados os focos de contágio, quanto quem esteve próximo de alguém que testou positivo para o vírus e alertar as autoridades. Ao redor do planeta, ao menos 29 países já oferecem aplicativos desse tipo, com comprovados bons resultados e um efeito colateral: as questões éticas em torno do possível acesso de governos e empresas a dados particulares dos cidadãos e a categorização — e eventual discriminação — das pessoas, separadas em imunizadas e em passíveis de contágio.

O projeto de maior amplitude une os concorrentes Google e Apple no desenvolvimento conjunto de uma ferramenta de rastreamento. Donos dos sistemas operacionais instalados em 99% dos celulares do mundo, os arquirrivais estão produzindo uma rede de troca de dados fornecidos voluntariamente pelos usuários que possibilite o envio de alertas sobre risco de contágio. Na primeira fase, neste mês, o processo será via aplicativo. No segundo semestre, uma plataforma vai integrar automaticamente os sistemas. Os desenvolvedores garantem que é o dono do celular quem ativa a tecnologia, que ele pode se registrar sob pseudônimo e que a ferramenta não usa dados de GPS, que seguem o deslocamento de pessoas. Mesmo assim, uma pesquisa mostrou que três em cada cinco americanos manifestam receio de aderir à novidade.

Mais arredios ainda às brechas na privacidade praticadas pelos gigantes da tecnologia, os governos da Europa estão optando por aplicativos em que cada etapa é decidida pelo usuário. Ele faz o download, e o celular passa a registrar e armazenar todos os contatos com quem mantiver proximidade inferior a 2 metros por pelo menos cinco minutos (padrão estabelecido pela OMS) e que tenha baixado o programa. Se o proprietário do celular ficar doente, ele mesmo notifica o aplicativo, que envia alertas a quem esteve perto dele. A mensagem pede que os afetados façam o teste e se isolem em casa. Noruega, República Checa e Áustria estão entre os que preferiram o serviço colaborativo, também oferecido na Austrália. Ainda não há previsão de uso no Brasil.

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O ponto mais sensível do monitoramento em massa é o destino das informações coletadas. Uma opção é reuni-las em um servidor central, como fará o Reino Unido, que em breve lançará nacionalmente seu aplicativo. Lá, o material captado ficará armazenado no sistema público de saúde, o NHS, e nenhum outro setor terá acesso ao banco de dados, que será inutilizado quando a crise acabar. “Seguiremos as mais rigorosas normas da ética e da segurança”, disse o ministro da Saúde, Matt Hancock — uma garantia encarada com ceticismo pelos britânicos. Alemanha, Itália, Suíça e Estônia adotaram a descentralização, ou seja, toda informação coletada permanecerá no celular do usuário, sem transferência para servidores — método endossado em carta assinada por 300 acadêmicos de 26 nacionalidades, preocupados com qualquer possibilidade de governos ou empresas reaproveitarem dados acumulados em servidores externos para vigiar e discriminar sem justificativa aceitável. “Na luta contra a pandemia, os celulares passaram a transmitir informação delicada e pessoal”, observa Itziar de Lecuona, professora de bioética da Universidade de Barcelona. “Infelizmente, não existe um sistema totalmente seguro para impedir abusos.”

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Pioneiros na utilização do rastreamento on-line, China, Coreia do Sul e Hong Kong impuseram pouca, ou nenhuma, trava ao controle estatal. O Partido Comunista chinês ordenou aos moradores de ao menos 200 cidades que instalassem no celular o que está sendo chamado de “passaporte da imunidade”: um QR code que armazena resultados de testes e acompanha interações e movimentos de pessoas, exibindo as cores verde (deslocamento livre), laranja (quarentena de sete dias) ou vermelha (quarentena de duas semanas). Se algum cidadão tiver contato com um infectado, seu movimento entre bairros ou no transporte público será automaticamente bloqueado por mais ou menos tempo, dependendo da data do encontro.

Em Hong Kong, quem chega do exte­rior é obrigado a usar um bracelete que define o prazo de seu confinamento. Na Coreia do Sul, até transações com cartão de crédito integram o banco que coleta dados do rastreamento. Em Israel, o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu trava uma batalha com a Suprema Corte para permitir que os serviços de inteligência utilizem os dados que possuem para rastrear infectados. Na Polônia, quem testar positivo não só terá sua localização controlada, como precisará enviar selfies rotineiras para provar que de fato está em reclusão. “Abusos só serão contidos quando houver um protocolo internacional que proteja a privacidade pós-Covid-19”, diz Yves-­Alexandre de Montjoye, especialista em segurança digital do Imperial College, em Londres. Com a melhor das intenções, o fantasma do Grande Irmão passou a rondar a humanidade.

Publicado em VEJA de 13 de maio de 2020, edição nº 2686

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