‘Combate ao tráfico no Rio, uma operação para inglês ver’
A pedido de VEJA, o estudante de relações internacionais Guilherme Checchia, de 22 anos, escreve sobre a ocupação da Rocinha, no Rio
Especialistas em história do Brasil asseveram que a expressão “para inglês ver” data do século XIX, quando o governo regencial – atendendo a pressões inglesas -, promulgou uma lei que proibia o tráfico negreiro, garantindo liberdade aos escravos. Na prática, não foi o que aconteceu: a regra nunca foi cumprida. Hoje, a história parece ser diferente: podemos nos orgulhar por viver em um país em que o estado faz a lei valer. Será mesmo?
Os últimos meses de 2010 foram aterrorizantes no Rio de Janeiro: veículos foram queimados em poucos dias após uma onda de ataques criminosos patrocinados pelo tráfico carioca. Com a iminência da realização de dois eventos esportivos grandiosos – Copa do Mundo e Olimpíadas -, montou-se uma megaoperação para “reconquistar” o Complexo do Alemão, região de treze favelas onde, segundo a polícia, estariam escondidos cerca de 600 traficantes, muitos deles considerados responsáveis pelos ataques. Criou-se um palco de guerra, com o uso de tanques do Exército, policiais civis e militares.
No dia da operação de ocupação do Complexo do Alemão, há um ano, o Brasil inteiro ficou atônito ao assistir ao vivo pela TV a uma fuga digna de um filme de Hollywood: centenas de traficantes saíam furtivamente para uma favela vizinha durante intenso tiroteio com a polícia. No dia seguinte, uma nova operação foi feita para prender os traficantes que escaparam do cerco militar. No fim, o resultado das operações foi quase um fiasco, com um volume pífio de traficantes detidos.
Há algumas semanas, foi a vez da operação militar desbravar um novo território, a Rocinha, considerada o maior conjunto de favelas do Rio de Janeiro. Na ocasião, a operação se repetiu: presença maciça da imprensa, tanques e apreensão por parte da população.
Aparentemente, todas as operações estrategicamente realizadas serviriam para reconquistar territórios, colocando, contudo, a prisão dos traficantes em segundo plano. Na prática, traficantes permaneceram soltos. Em resumo, continuamos fazendo “operações para inglês ver”.
As opiniões contidas neste texto expressam unicamente a visão de seu autor, não correspondendo obrigatoriamente aos valores de VEJA