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A morte anunciada do Clubhouse

A regra no já hiperlotado campo das redes sociais é clara: ser úteis ou acabar, engolidas pelas grandes empresas e pelo cotidiano

Por Alessandro Giannini Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 23 out 2021, 08h00

O Clubhouse, a rede social destinada a bate-papos em áudio, lançada com ruidoso estardalhaço há um ano e meio, é retrato de quão frágil pode ser a vida de projetos que estreiam de modo açodado em um mar de negócios com tubarões à espreita. Rápida como despontou, a partir da ideia do empresário Paul Davison e do engenheiro Rohan Seth, já dá sinais prematuros de fadiga. O ritmo de downloads vem caindo, e nada silenciosamente. O ápice de interesse ocorreu em fevereiro deste ano, com 9,6 milhões de downloads. No mês seguinte, foram 2,7 milhões e, em abril, 900 000. E o que no início despontou como uma novidade inescapável, um lugar obrigatório, onde todo mundo queria estar, caminha para fazer valer a máxima do humorista Groucho Marx: “Eu nunca faria parte de um clube que me aceitasse como sócio”. Em entrevista para a Bloomberg Television, Davison, o criador e CEO da empresa, avaliou que a largada talvez tenha sido intensa demais para o tamanho da companhia e suas ambições. “Rapaz, acho que crescemos muito, muito rápido”, disse, com falso espanto. “O que realmente queremos fazer é estar no caminho de um crescimento gradual e estável.” Conseguirão?

É estrada com pedras. Havia, logo nos primeiros momentos, indícios da morte anunciada. No princípio, o aplicativo só poderia ser baixado para iPhone. A brincadeira exigia convites, o único caminho para participar de salas e nelas ouvir perorações de personagens como o bilionário Elon Musk e o executivo e diretor da Globo Boninho. Sim, com calma e perseverança era possível até entrar em reuniões interessantes, de conteúdo decente. Mas proliferaram, e proliferam ainda, como sempre na internet, tolices discutíveis, bobagens vestidas de fake news. Prato cheio para não dar certo. Sem a possibilidade de publicar fotos, vídeos e textos, o Clubhouse se apoia exclusivamente em conteúdos sonoros. Versão mais moderna das salas de bate-­papo dos primórdios da web, elas são divididas em cubículos virtuais de até 5 000 pessoas, mas nem todas podem falar — possibilidade que, de fato, acabaria em caos. Como resultado, poucos discursam e a esmagadora maioria escuta, quase como uma conferência, em que os moderadores escolhem quem faz pergunta depois das exposições. Parecia tudo muito bacana, mas hoje soa aborrecido — e nada muito diferente de um podcast.

Contudo, mesmo com essa leva de problemas originais, e como os modismos vicejam na velocidade da internet, menos de um mês depois da estreia a plataforma estava avaliada em 100 milhões de dólares. Em maio passado, o aplicativo passou a ser oferecido também para o sistema Android, o que explica um novo pico na procura em junho, com 8 milhões de downloads. O mercado piscou: o Twitter estaria negociando a compra do Clubhouse por 4 bilhões de dólares. É muito dinheiro, sem dúvida, mas não necessariamente sinônimo de sucesso. A estratégia é comum no terreno da tecnologia: os grandões compram os pequenos para tirá-los de cena, muitas vezes para matá-los. Não por acaso, o próprio Twitter, o Facebook, o Instagram e o Reddit já desenvolveram recursos semelhantes, mas com menos exigências e mais chances de participação ativa dos sócios.

arte Clubhouse

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O pecado original, ressalve-se, talvez não seja apenas o da largada que se queimou, como intui Davison. O Clubhouse pode ser o clássico caso de uma sacada inteligente, alimentada pelas circunstâncias, mas que o tempo fez encolher — comum a tantas grifes das redes sociais (veja o quadro acima). Antes de tudo, cabe um pouco de contexto. O Clubhouse foi lançado no momento em que a pandemia de Covid-19 confinou a população mundial dentro de casa. Nessas condições, as redes sociais, que se reproduzem como coelhos, viraram porto seguro. Na quarentena rigorosa, fazia algum sentido passar quatro horas numa sala qualquer, ouvindo o que quer que fosse. “É improvável que esse hábito se mantenha”, diz a britânica Dani Barker, especialista em mídias sociais.

A regra do jogo é cruel: só sobrevivem os recursos tecnológicos que de fato sejam úteis. Apesar de tudo, das mentiras e da desinformação que propagam, o Facebook, o Twitter e o Instagram são uma boa ferramenta de comunicação. Não é ruim que existam. O problema é o que se faz delas, com exagero. Some-se ainda um outro fator decisivo: a tendência à cartelização. Só os gigantes sobram para contar a história. Ficaram no meio do caminho, em passado recente, redes como o Orkut, o Club Penguin e o Myspace (veja o quadro acima). Foram superadas ao perder a personalidade, engolidas pelos concorrentes e pelo cotidiano. “O Clubhouse parece mas não é”, resume Adriano Sá, consultor de empresas e professor convidado da Fundação Dom Cabral, de Minas Gerais. “Parece podcast, mas não é. Parece reunião de Zoom sem vídeo, mas não é.” De tanto querer se passar pelo que não consegue ser, vai ficar para trás — até que surjam outras redes. Poucas permanecerão — e, de muitas, nunca mais ouviremos falar delas.

Publicado em VEJA de 27 de outubro de 2021, edição nº 2761

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