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A hora e a estratégia dos ‘e-escritores’

Autores faturam alto vendendo e-books mais baratos do que um cafezinho. Para isso, contudo, dão duro na internet, usando todas as ferramentas da rede

Por Paula Reverbel
8 jul 2011, 23h28

Há alguns anos, em visita ao Brasil, o escritor anglo-indiano Salman Rushdie afirmou que, mesmo após décadas de sucesso, ainda se sentia pouco à vontade para fazer o corpo a corpo necessário ao lançamento de um livro – que inclui conceder entrevistas e atender leitores. Seu sonho de vida, revelou, era recolher-se para escrever, enviar a criação para a editora e voltar à reclusão. Nada mais distante desse perfil de escritor-ermitão, comum a inúmeros autores, do que a atitude de alguns novatos que vêm colhendo sucesso no mundo digital, caso dos americanos Amanda Hocking e John Locke e também do britânico Mark Edwards.

Esses “e-escritores” abraçam todos os recursos digitais disponíveis para fazer o corpo a corpo com leitores e divulgar obras que existem exclusivamente no mundo virtual, vendidas em geral por cerca de 1 dólar. Diariamente, gastam horas respondendo e-mails de fãs e investem outras tantas interagindo com admiradores – e críticos – em blogs, YouTube, Facebook, Twitter e similares. São marqueteiros da própria literatura.

Amanda Hocking
Amanda Hocking (VEJA)

Aos 26 anos, Amanda é uma ex-acompanhante de idosos que teimou por anos em escrever, como ela mesma define, “romances sobrenaturais para jovens adultos” (uma espécie de variante da saga Crepúsculo). Enviou seus originais a mais de uma centena (não é exagero) de agentes literários, um intermedirário quase obrigatório no caminho dos aspirantes a autor rumo às editoras nos Estados Unidos. Cansada de negativas, deixou de lado o sonho de ver as histórias no papel e decidiu colocar os cinco arquivos eletrônicos da coleção My Blood Approves na plataforma de publicação de textos da Amazon, a Kindle Direct Publishing. O serviço transforma automaticamente os textos em livros eletrônicos, os e-books, e os coloca à venda no site da gigante do comércio on-line. O preço é determinado pelo autor, e o faturamento é dividido entre as duas partes.

Em pouco mais de um ano, os cincos títulos de My Blood Approves, somados a mais dois, venderam 1,5 milhão de cópias, com preços variando entre 99 centavos e 2,99 dólares. Amanda amealhou 2 milhões de dólares, o equivalente a 3,13 milhões de reais. Os números incluem vendas na Amazon e também na plataforma PubIt!, da rival Barnes & Noble. Depois que o sucesso ficou evidente, as editoras, enfim, vieram à sua procura. Pagaram caro. Amanda leiloou os direitos de sua próxima série à editora St. Martin’s Press por 2,2 milhões de dólares. Enfim, a escritora chegará ao papel. As obras também serão comercializadas em volumes em mais 17 países – entre eles o Brasil, onde a publicação ficará a cargo da Planeta. Além disso, Trylle Trilogy, sua série de maior sucesso, deve ir para o cinema.

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Locke, de 60 anos, um bem-sucedido empresário do setor imobiliário, é o primeiro autor independente, ou seja, não atrelado a uma editora, a vender mais de um milhão de cópias no serviço da Amazon. Ele jamais considerou a possibilidade de que suas histórias, que misturam suspense e detetives, fossem aceitas por editoras. Por isso, chegou a gastar 25.000 dólares para publicá-las em papel e divulgá-las, também de forma independente. No formato digital, lucrou cerca de 385.000 dólares apenas com as vendas realizadas na Amazon.

Mark Edwards
Mark Edwards (VEJA)

Finalmente, o britânico Edwards, de 40 anos, responsável pela comunicação digital de uma editora tradicional, é outro que sofreu anos em busca de um agente literário. Em vão. Agora, começa a saborear o sucesso com a decolagem das vendas de dois de seus títulos, Killing Cupid e Catch Your Death, thrillers com pitadas de romance escritos em parceria com Louise Voss. A dupla faturou 10.000 libras (cerca de 25.000 reais) só em junho. Foi o suficiente para atrair um um agente literário e um contrato com a renomada editora HarperCollins. Edwards é claro ao comentar o objetivo de sua produção: “Meus livros são obras para leitura rápida. Como aquelas obras que você compra no aeroporto para passar o tempo enquanto espera seu voo.”

O sucesso comercial desses autores não está totalmente explicado. Mas, uma vez que eles não contaram com a estrutura de uma editora de peso ou a bênção da crítica estabelecida, é razoável supor que a tática de guerrilha na internet ajudou. Amanda dedica horas diárias a contatos com leitores em perfis mantidos no FaceBook e Twitter. Um blog e uma conta de e-mail também ajudam. Ali, propagandeia suas criações. As respostas nem sempre são elogiosas – deve-se estar preparado para isso também. “Blogueiros, por exemplo, nem sempre fazem resenhas lisonjeiras”, diz. “Mas acredito que até as críticas negativas têm um impacto positivo na rede: a partir delas, o leitor ao menos fica sabendo que minha obra existe.”

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Locke divide-se entre Twitter e incontáveis e-mails, religiosamente respondidos. São entre duas e quatro horas diárias de propaganda e respostas. O objetivo é não só abrir o apetite da audiência, mas também colher subsídios, entre o público-alvo, para as próximas criações. “Trato meus livros como vendedores: se Saving Rachel está vendendo mais do que A Girl Like You, ganhará mais destaque em minha próxima obra, que terá mais elementos de Rachel“, diz o americano. Para ajudar a tática, Locke adotou o nome de seu protagonista, Donavan Creed, como perfil no Twitter (@DonavanCreed), e conversa com leitores como se fosse o personagem. “Os comentários dos leitores me ajudam a ser um escritor mais eficiente”, diz.

John Locke
John Locke (VEJA)

Edwards é um aficionado no uso do Facebook. Mas é ao Twitter que ele destina seu marketing literário. “Manter contato com interessados, responder dúvidas e ouvir elogios e críticas é emocionante, cortês e divertido”, diz. No microblog, ele cumpre uma tarefa digna dos profissionais que monitoram o que os tuiteiros falam a respeito de grandes empresas: digita os nomes de seus livros no campo de buscas e lê, um a um, comentários feitos por usuários da rede. “Todo dia encontro uma ou duas pessoas que contam que acabaram de ler alguma das minhas obras. Eu, então, puxo conversa e agradeço. Começamos a conversar a partir dali”, diz. “As redes sociais permitem um contato entre autores e leitores antes improvável.”

Os frutos no meio digital inspiraram Locke a escrever um guia que pretende ensinar outros aspirantes a escritor a aproveitar a onda eletrônica: How I Sold One Million Books in Five Months, disponível na Amazon. Não é certo, contudo, que os interessados poderão surfar nela. Só nos Estados Unidos, foram lançados no ano passado mais de 3 milhões de títulos, segundo estimativas de Albert Greco, especialista em publicação da Faculdade de Administração da Universidade de Fordham. “O mercado não consegue absorver tantas obras. Existe um número inacreditável de pessoas que acham que podem escrever o próximo grande livro de ficção. É possível se destacar, mas isso não acontece com frequência”, diz Greco. “Na verdade, as chances são semelhantes a ganhar na loteria.”

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É possível, então, que Amanda, Locke e Edwards sejam os três mais novos agraciados pelo bilhete premiado. De qualquer forma, eles se esforçaram para isso, trabalhando duro na escrita e, depois, na rede. O módico valor cobrado por suas obras é outro auxílio à espetacular ancensão. Tanto assim que, bem-humorado, Locke afirma: “Enquanto autores famosos são forçados a vender seus livros por 9,95 dólares, posso cobrar 99 centavos. Então, eles devem provar que seus livros são dez vezes melhor do que os meus.”

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