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A autoestima sem filtros: o freio que vai mudar o Instagram

A decisão de barrar ferramentas feitas por usuários para retocar selfies é um passo de modo a aplacar a pressão da imagem idealizada

Por Luiz Paulo Souza Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 out 2024, 11h57 - Publicado em 4 out 2024, 06h00

Criado em 2010 pelo americano Kevin Systrom e pelo brasileiro Mike Krieger, o Instagram buscava surfar a onda dos aplicativos de compartilhamento de fotos. A interface simples e a ênfase no conteúdo só de retratos fizeram sucesso instantâneo, atalho para vasta distribuição de selfies com amigos, pets curiosos e pratos de comida. Em 2016, surgiram os Stories, vídeos curtos e verticais nos quais os donos dos perfis podiam compartilhar detalhes de suas rotinas diretamente com seus seguidores. Um ano depois, deu-se o pulo do gato: o aplicativo passou a permitir o uso — e a criação — de filtros com realidade aumentada. Logo surgiram as máscaras capazes de emular maquiagens e pequenos procedimentos estéticos, de modo a tornar bochechas mais magras, peles mais claras, poros mais uniformizados, narizes mais finos e lábios mais carnudos.

É assim ainda, mas talvez não mais por muito tempo. A Meta, dona do Instagram (e do Facebook, lembre-se), anunciou recentemente que, a partir de janeiro de 2025, os mais de 2 milhões de filtros criados pelos usuários serão desativados. Restarão apenas alguns poucos da própria marca. A novidade foi recebida com alívio por profissionais de saúde, especialmente psicólogos e especialistas em comportamento de adolescentes. “Depois de um tempo olhando a versão filtrada de si mesmo, pode ser difícil aceitar sua aparência sem filtros”, disse a VEJA Lauren Miller, doutoranda da Universidade Tecnológica Swinburne, na Austrália, que investiga o impacto dessas ferramentas na autopercepção e na autoimagem. É extensa, aliás, a literatura científica associando o uso de redes sociais a um aumento nos distúrbios alimentares e na insatisfação com o próprio corpo, em especial no caso de jovens negros — vítimas de cobranças racistas. Não por acaso, entre 2008 e 2012, mais que dobrou o número de cirurgias plásticas feitas por adolescentes de 14 a 18 anos. Em 2022, mais de 55 000 jovens de até 17 anos fizeram aplicação de Botox. Outros 33 000 recorreram à rinoplastia, processo cirúrgico de correção nasal que pode ser estético ou não. É prematuro estabelecer a conexão direta de uma coisa com a outra, mas há estudos seriíssimo que estabelecem a relação entre causa e consequência.

PRESSÃO VIRTUAL - Exposição crônica: efeito negativo sobre a autopercepção da beleza
PRESSÃO VIRTUAL – Exposição crônica: efeito negativo sobre a autopercepção da beleza (E+/Getty Images)

Os filtros, enfim, que soam como brincadeira, podem estar acelerando reações comportamentais de quem põe a si mesmo lá no chão. Mas será que a remoção das máscaras eletrônicas é suficiente para reverter o nó? Dificilmente, mas pode ser útil. “O Instagram mexe muito com a autoestima e com a percepção de fracasso, em especial entre os jovens”, diz Táki Cordás, coordenador do Programa de Transtornos Alimentares do Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo (USP). “Diante de uma insegurança e de uma crescente pressão social por beleza, os véus eletrônicos são vistos como um objetivo a ser alcançado no mundo real.”

arte filtro instagram

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A Meta, porém, ao menos até o momento, recusou-se a cumprir a ordem de barrar os filtros porque trabalhos acadêmicos indicariam os danos para a mente dos usuários. E, no entanto, desde 2020, segundo revelação do The Wall Street Journal, estudos internos da empresa deixavam claro o impacto negativo da plataforma na autoestima de jovens garotas, sem que isso tenha motivado um movimento para remediar esses efeitos. A alegação da empresa para deixar de lado os recursos criados pelos usuários é pôr em cena novíssimas ferramentas da chamada “realidade aumentada”, evidentemente alimentadas por inteligência artificial. É provável que entreguem resultados melhores e mais rápidos. É possível que bloqueiem exageros. Mas o bode ainda estará na sala: o risco de incentivar o que deveria ser aplacado, o jogo pueril de comparar uns aos outros e, no meio do caminho, apertar botões no smartphone de modo a “corrigir” o que a sociedade considera inadequado, o que é evidente bobagem — há quem ache graça, quem ria, mas por trás da leveza esconde-se um fosso perigoso.

arte filtro instagram

O caminho, como em tudo na vida, é a sensatez, o zelo e a calma, sem exagero. “Não há problema em usar filtros, mas postar apenas com eles ou criar uma versão de si mesmo que só pode ser mantida por meio de edição é um caminho rápido para criar ou amplificar inseguranças”, afirma Lauren Miller. Como intuiu Oscar Wilde em O Retrato de Dorian Gray, o romance filosófico em torno de um jovem que daria até sua alma para não envelhecer, permanecendo de rosto limpo e sem rugas: “Há coisas que são preciosas por não durarem”. Eis um bom conselho para a geração Z, de 20 e poucos anos, pendurada numa tela luminosa, ao curtir ou descurtir as faces dos outros. Para quê?

Publicado em VEJA de 4 de outubro de 2024, edição nº 2913

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