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Vacinar pessoas com comorbidades pode travar o programa, dizem médicos

Especialistas afirmam que definição das doenças dada pelo Ministério da Saúde abre margem para interpretações e fraudes que não podem ser controladas

Por Matheus Deccache
Atualizado em 20 Maio 2021, 19h21 - Publicado em 20 Maio 2021, 13h46

No mês de maio, algumas cidades e estados do Brasil anunciaram em seu calendário vacinal o início da imunização de pessoas com deficiências e comorbidades. Com variações de idades entre as regiões de acordo com a disponibilidade das vacinas, o novo grupo engloba pessoas com diabetes, pneumonias crônicas graves, insuficiência cardíaca, hipertensão, entre outras definidas pelo Ministério da Saúde.  

A adição do grupo de pessoas com comorbidades a essa altura da campanha de vacinação pode significar, para alguns médicos e especialistas, um grande atraso no processo de imunização da população brasileira, além da possibilidade de causar uma demanda inflacionária durante o período. Apenas no estado de São Paulo, estima-se que 865 mil pessoas poderão receber as doses. Em um país com uma população que ultrapassa os 200 milhões de habitantes e com inúmeros problemas na aquisição de imunizantes, essa estratégia pode fazer toda a diferença.  

“Ainda na etapa anterior nós já vimos gente furando fila. Com a contemplação de pessoas com comorbidades as chances de isso acontecer são ainda maiores. Em um país com pouquíssimas doses disponíveis, isso pode ser um enorme problema”, diz Salmo Raskin, médico especializado em genética médica.  

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A alta possibilidade de pessoas furarem a fila para se vacinar é um dos problemas que envolvem a adição desse grupo ao calendário vacinal tão no começo. As recomendações das secretarias de saúde estaduais exigem documentos que comprovem as comorbidades definidas pelo Ministério da Saúde. De acordo com o governo do estado de São Paulo e da prefeitura da cidade do Rio de Janeiro, é necessário apresentar comprovante de condição de risco por meio de exames, receitas, relatório médico ou prescrição médica.  

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Em resumo, um simples atestado médico é o suficiente para a comprovação de uma dessas comorbidades. Sem ter a possibilidade de comprovar uma eventual falha no documento, os postos de vacinação não podem fazer nada além de vacinar aqueles que se apresentam. Segundo o Tijuca Tênis Clube, um dos lugares de aplicação na cidade do Rio de Janeiro, apenas um laudo é o suficiente para que o paciente receba a dose do imunizante. Para Paulo Lotufo, professor de medicina na Universidade de São Paulo, os critérios para detecção das comorbidades é frouxo.  

“O que eu mais tenho ouvido nos hospitais é que conhecidos de colegas médicos estão pedindo atestado para se vacinarem durante esse período. Colegas, vizinhos e familiares, muitos querem se vacinar antes. Isso acontece há muitos anos e com a Covid-19 não vai ser diferente. O problema é você abrir margem para que esse tipo de situação aconteça em um momento tão sério quanto esse”, afirma Lotufo.  

Ainda segundo Lotufo, todo o calendário vacinal brasileiro foi pensado de maneira equivocada. A hipertensão, por exemplo, atinge cerca de um terço da população adulta brasileira e não deveria ser prioridade nesse momento. Além disso, outros problemas de saúde mais grave como câncer e doenças imunossupressoras são mais fáceis de se ter um controle.  

“Essa história de comorbidade foi uma invenção e toda mal planejada. Uma lista sem nexo foi criada em cima disso. Só os hipertensos são em torno de 30% dos adultos no país. Ou seja, você atinge um contingente imenso de pessoas enquanto inúmeros em condição de risco ainda não foram vacinados. Os motoristas de ônibus, por exemplo, só começaram a se vacinar na semana passada, e são um dos grupos que mais apresentaram mortes durante a pandemia”, completa Lotufo.  

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Para Salmo Raskin, a forma de definir o que é ou não uma comorbidade realmente apresenta uma série de falhas e abre margem para muitas interpretações e possibilidades de “burlar” o sistema. O excesso de termos e subdivisões de problemas de saúde faz com que muitas pessoas que dependem mais da vacina sejam imunizadas depois daqueles que não estão em grupos de risco. Em um país com tantos problemas na aquisição de doses, essa inversão da ordem pode fazer toda a diferença.

“O Ministério da Saúde até tentou tomar cuidados para não deixar a situação muito vaga, mas isso acabou trazendo uma série de falhas. Existe uma comorbidade, por exemplo, chamada de valvopatia, que é um problema nas válvulas do coração. Acontece que uma dessas valvopatias acometem grande parte da população e raramente causa algum dano grave ao paciente, e ainda assim eles podem levar o atestado e se vacinar. E não estão fazendo nada legalmente errado. Com a escassez de doses, a postergação da vacinação pode ser a diferença entre a vida e a morte”, pontua Rakin.  

A campanha de vacinação no Brasil continua a caminhar a passos lentos. Até o dia 19 de maio, 37,38 milhões de doses foram aplicadas em todo o país, o equivalente a pouco mais de 17% da população nacional. São Paulo é o segundo estado que mais vacinou sua população até aqui, com 21,66% de sua população tendo recebido ao menos uma dose da vacina contra o novo coronavírus.  

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