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Um toque na inclusão

A era dos smartphones popularizou o uso de aplicativos que melhoram radicalmente a qualidade de vida de pessoas com necessidades especiais

Por André Lopes Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 3 set 2019, 17h14 - Publicado em 19 out 2018, 07h00

O físico inglês Stephen Hawking (1942-2018) ganhou fama como um dos mais extraordinários astrofísicos da história, tanto por descobertas que elucidaram o funcionamento dos buracos negros quanto por livros best-sellers que explicaram a ciência a leigos, como o já clássico Uma Breve História do Tempo (1988). Mas nenhum de seus feitos seria possível se não fosse a existência de tecnologias que o auxiliavam a interagir com o mundo. Hawking sofria de uma doença degenerativa devastadora, a esclerose lateral amiotrófica, que o confinou a uma cadeira de rodas desde a juventude. Suas limitações se estendiam também à fala. Considerado um dos maiores gênios do século XX, o cientista só era capaz de realizar um leve movimento com a bochecha. Mas o auxílio de tecnologias de captação de movimentos, interligadas à sua cadeira de rodas, permitia que ele se comunicasse com assistentes e, desse modo, escrevesse obras e formulasse teorias.

“A voz do software se tornou a de Emanuel. Só com esse recurso ele consegue exibir com clareza o que está sentindo e o que deseja”, diz Marina


A solução tecnológica
O Livox, programa brasileiro de inteligência artificial cuja instalação sai por cerca de 5 000 reais, permite que deficientes intelectuais e com dificuldade de fala se comuniquem por meio de figuras com expressões humanas e que reproduzem frases como “Eu quero almoçar”


Há pouco mais de uma década, equipamentos como os utilizados por Hawking eram caríssimos — e, por isso, de acesso limitado. Hoje, em plena era dos smartphones e dos aplicativos, soluções tecnológicas que contribuem decisivamente para o processo de inclusão social de pessoas com necessidades especiais estão, por assim dizer, ao alcance dos dedos. É o caso, por exemplo, do Livox, aplicativo lançado em 2011 pelo analista de sistemas pernambucano Carlos Pereira, que pode ser personalizado de acordo com as demandas de cada cliente. Por 5 000 reais, em média, o programa permite que pessoas com deficiências motora, cognitiva e visual se comuniquem, em um método similar ao que era usado por Hawking. No software, é possível inserir atalhos, como símbolos, fichários e outras imagens, que auxiliam o processo. Emanuel criou o produto por motivação pessoal, para se comunicar com a filha, Clara, que sofre de paralisia cerebral. Desde então, o aplicativo ganhou reconhecimento no setor, sendo usado individualmente e em escolas públicas e privadas voltadas para deficientes. Em 2015, o Livox recebeu da ONU o prêmio World Summit Award Mobile, concedido a inovações na área de dispositivos móveis que tenham fins solidários. Um ano depois, ganhou também o Desafio de Impacto Social, promovido pelo Google, que lhe garantiu um aporte de investimento de 2,2 milhões de reais.

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O mercado global de tecnologia para pessoas com deficiências físicas e intelectuais movimenta em torno de 14 bilhões de dólares anualmente. Até 2024, segundo estimativa da consultoria americana Coherent Market Insights, chegará a 26 bilhões de dólares. O crescimento se dará por dois fatores. Primeiro, devido ao barateamento das inovações. Segundo, pelo aumento da demanda, em consequência do envelhecimento da população. Calcula-se que, até 2050, 2 bilhões de pessoas, na maioria idosos, necessitarão do auxílio de ao menos um dispositivo do gênero.

MAIA SCOTT – Artista plástica californiana de 47 anos, deficiente visual (Luiz Maximiano/.)

“As inovações, à medida que avançam, me dão mais autonomia e acesso às mesmas informações que todas as pessoas ao meu redor possuem”, diz ela

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A solução tecnológica
O Soundscape, sistema gratuito de GPS da Microsoft, indica caminhos, distâncias e localizações a cegos


A americana Maia Scott, parcialmente cega de nascença, tem se beneficiado das novidades digitais. Moradora de São Francisco, na Califórnia, ela recorre no dia a dia ao aplicativo ­Sound­scape para se localizar. Gratuito, o programa, lançado pela Microsoft em fevereiro passado, depois de três anos de desenvolvimento, apoia-se em estímulos sonoros para orientar deficientes visuais pelas ruas e pode ser usado em complemento a outros recursos, como os cães-guia. Funciona como um GPS, porém faz uso apenas do som (quando, por exemplo, Maia se aproxima de seu destino, um apito começa a soar de forma mais intensa; ao se distanciar dele, ocorre o contrário). Uma inovação chamada de “áudio 3D” também simula o espaço ao redor do usuário. Se o Soundscape adverte, por exemplo, que é preciso virar à direita em uma avenida, o aviso é emitido como se viesse da direita, em relação à posição do deficiente visual. Além disso, o GPS dispõe de endereços de lojas, entre outros estabelecimentos. “Sinto, com isso, que tenho na minha mão um guia que fornece as mesmas informações que outros aplicativos de mapeamento disponibilizam a amigos que não são cegos”, relata Maia. “Hoje, consigo ir sozinha, sem dificuldades, a um restaurante que não tinha visitado antes”, completa.

 

BRUNO MAHFUZ – Engenheiro paulistano de 34 anos, paraplégico (Luiz Maximiano/.)

“Saber antecipadamente que um lugar é acessível faz toda a diferença no meu planejamento diário de locomoção”, diz ele


A solução tecnológica
O Guiaderodas, GPS gratuito criado por Mahfuz, destaca estabelecimentos como restaurantes, estádios e hotéis adaptados para cadeirantes

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Há atualmente uma vasta gama de ferramentas inclusivas sem custo que podem ser baixadas em qualquer loja de aplicativos de celular e tablet. Um exemplo é o brasileiro Guiaderodas, criado em 2016 pelo engenheiro paulistano Bruno Mahfuz, que ficou paraplégico aos 17 anos, em 2001, depois da colisão de um ônibus com o carro em que era passageiro. Por meio do programa, cadeirantes podem se informar sobre estabelecimentos adaptados para recebê-los. “Um dos maiores desafios de ser cadeirante é obter informação sobre quais obstáculos terão de ser enfrentados ao sair de casa. Foi isso que eu quis solucionar”, diz Mahfuz. Como o Guiaderodas não lhe traz ganho direto, ele o mantém com a remuneração que recebe de suas consultorias para empresas interessadas em se tornar mais inclusivas, adaptando seus escritórios para deficientes físicos.

JOÃO MIGUEL – Paulistano de 3 anos, deficiente auditivo, filho de Fábio da Rosa, estudante de educação física, de 47 anos (Luiz Maximiano/.)

“A alfabetização em libras do João e a minha estão acontecendo simultaneamente, por meio do aplicativo”, conta Fábio

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A solução tecnológica
O Hand Talk, aplicativo nacional gratuito que ensina e traduz do português ou do inglês para a língua brasileira de sinais


“Essas inovações ajudam meu filho a expandir fronteiras”, afirma o universitário paulistano Fábio da Rosa, pai de João Miguel, surdo de 3 anos. O garoto usa o Hand Talk, aplicativo lançado em 2013 por uma empresa homônima de Maceió. Com ele, surdos-mudos se expressam por meio de um intérprete virtual que traduz da língua brasileira de sinais (libras) para português e inglês, e vice-versa. Mais de 200 000 pessoas já utilizam o Hand Talk. “A família de uma criança surda-muda se esforça para se adaptar às condições do filho; o mundo, no entanto, não faz isso. É a tecnologia que rompe essa barreira”, comenta o universitário.

Apesar do avanço e do barateamento dos aplicativos para pessoas com necessidades especiais, ainda existem, atualmente, equipamentos sofisticados que continuam a custar caro. Entretanto, espera-se que já na próxima década eles se tornem populares. Tome-se o caso do exoesqueleto Hybrid Assistive Limb, da empresa japonesa Cyberdyne, no mercado desde fevereiro. Trata-se de uma roupa robótica que auxilia seu usuário a fazer certos movimentos. A roupa é comandada por mínimas ações que a pessoa possa fazer, mesmo que seja com os músculos do rosto. Preço da invenção: 14 000 dólares, no mínimo. Diz o engenheiro carioca Rico Malvar, cientista-chefe global da Microsoft: “O que é caro hoje certamente vai baratear com o tempo. E, dessa forma, levará à redução do custo de vida de pessoas com deficiência. No fim das contas, está aí um dos objetivos mais nobres da tecnologia: permitir que qualquer indivíduo possa se expressar sem limitações”.

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Publicado em VEJA de 24 de outubro de 2018, edição nº 2605

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