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Quatro anos depois da eclosão, Covid-19 ainda cobra respostas e cuidados

Os dias de trevas já se foram, felizmente. Não é o caso, contudo, de virar a página de modo definitivo

Por Diogo Sponchiato Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 2 fev 2024, 11h10 - Publicado em 2 fev 2024, 06h00

No princípio, era o desconhecido. Em questão de semanas, no início de 2020, desatou-se uma corrente de pânico, doença e morte que, da China, ramificou-se pelos quatro cantos do planeta dentro do corpo de milhares de viajantes. Célere, a nova peste teve a identidade revelada com os instrumentos da genética, mas seus tentáculos já haviam se espalhado. Em menos de um mês, de uma pneumonia obscura em uma cidade chinesa irrompeu a emergência de saúde global decretada pela Organização Mundial da Saúde (OMS). O leitor não só assistiu a esse filme: foi personagem e testemunha da história, a maior pandemia desde a Gripe Espanhola (1918-1920). E então o vírus enclausurou a humanidade, para depois ser domado pela ciência. Eis a Covid-19, capítulo vivo de uma saga antes só vista em livros de terror sobre o passado e ficções sombrias em torno do futuro. Quatro anos depois do alerta máximo da OMS, os dias de trevas, com hospitais lotados e boletins epidemiológicos alarmantes, já se foram, felizmente. Não é o caso, contudo, de virar a página de modo definitivo. O SARS-­CoV-2 ainda pede atenção — e tem muito a ensinar.

Os números ajudam a entender aonde chegamos. Se, em 2021, o pior ano da pandemia no Brasil, o governo chegou a registrar 21 000 mortes por Covid em uma semana, agora a situação é muito mais tranquila. No período de 21 a 27 de janeiro deste ano, o Ministério da Saúde elencou 38 456 notificações de novos casos da doença e confirmou 196 óbitos decorrentes dela. Sim, as cifras despencaram, mas — eis o ponto — ainda tem gente morrendo devido à infecção pelo coronavírus e suas complicações. O saldo, desde o início da crise no país, é de mais de 38 milhões de episódios e ao menos 709 mil vítimas fatais. Não resta dúvida que, fora o distanciamento social e as medidas de suporte médico nos primeiros meses pandêmicos, o divisor de águas no combate à transmissão e à mortalidade foi a vacina — a taxa de letalidade, hoje, não chega a 2%.

linha do tempo Covid

Graças ao conhecimento científico sobre o vírus e à imunização — que incluiu fórmulas inovadoras à base de RNA mensageiro, trunfo celebrado com o Prêmio Nobel —, agora é possível conviver com o patógeno sem máscara e tensão nas ruas. “Estamos numa situação significativamente mais controlada, resultado de uma combinação de estratégias como programas de vacinação em larga escala, desenvolvimento de tratamentos e uma maior compreensão e adaptação da nossa imunidade ao vírus”, diz o infectologista Leonardo Weissmann, do Instituto Emílio Ribas, em São Paulo.

Sim, podemos respirar mais aliviados, desde que não negligenciemos os cuidados ou sabotemos as ações comprovadamente eficazes ao cerco viral, sobretudo a imunização. A vacina contra Covid-19, cuja formulação da Pfizer está aprovada para um público amplo, de crianças a idosos, já faz parte do calendário oficial do Programa Nacional de Imunizações (PNI), sendo especialmente crítica a indivíduos com algum fator de risco para agravamento do quadro — pessoas acima dos 60 anos, com alguma doença crônica ou com o sistema imunológico debilitado, por exemplo. “A variante dominante do vírus em circulação passou por várias mutações e hoje tem uma agressividade menor, mas, justamente por sofrer essas alterações e aparecerem novas linhagens, o patógeno pode escapar da imunidade natural adquirida pela infecção ou induzida pela vacina”, diz o infectologista Stefan Cunha Ujvari, do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, na capital paulista. “Isso faz permanecer um estado de guerra contínua com o SARS-CoV-2, tendo de atualizar a vacina de tempos em tempos.”

VACINA PERIÓDICA - No calendário oficial: imunizantes contra a Covid deverão ser atualizados e aplicados anualmente
VACINA PERIÓDICA - No calendário oficial: imunizantes contra a Covid deverão ser atualizados e aplicados anualmente (Victor Moriyama/Bloomberg/Getty Images)

Talvez o cenário que melhor espelhe a atual conjuntura diante da Covid seja o da própria gripe. Mas não “gripezinha”, por favor. A ofensiva alusão feita pelo ex-presidente Jair Bolsonaro no auge da crise menosprezou não apenas a pandemia e suas vítimas como a própria infecção provocada pelo vírus influenza, que, sobretudo em grupos mais vulneráveis e não vacinados, é potencialmente fatal. Todo ano a OMS elenca as cepas predominantes do patógeno da gripe para desenvolver imunizantes atualizados a ser aplicados na temporada. Raciocínio semelhante deve se aplicar à Covid-19, que, por ser uma moléstia viral respiratória, tende a escalar picos nos meses mais frios. Não por acaso existem empresas tentando conceber uma vacina única, com uma picada.

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Enquanto essa solução não chega, a recomendação é tomar as duas formulações separadamente, de acordo com o calendário do ministério, e, no caso da Covid-19, ficar atento aos reforços. Isso porque os estudos de acompanhamento mostram que a imunidade despertada pelo imunizante cai com o passar do tempo.

Vacina no braço anualmente é o jeito de blindar a si, a família e a sociedade. Com a cobertura atingindo as metas — e isso se aplica a qualquer infecção —, há menos espaço para o micróbio atacar, difundir-se e transformar-se. “A principal preocupação permanece em torno da capacidade de o vírus sofrer mutações que resultem em variantes mais hábeis para escapar da imunidade”, diz Weissmann, que também é consultor da Sociedade Brasileira de Infectologia. É uma questão de saúde pública — e também de acesso. “A desigualdade no fornecimento de vacinas e tratamentos médicos em diferentes regiões do mundo ainda é um desafio”. Ora, se pandemia é uma epidemia globalizada, dificilmente nos livraremos dessa sombra sem uma abordagem equitativa em nível planetário — missão complicada, mas crucial.

VIGILÂNCIA - Teste rápido: exame ajuda a amplificar medidas de resguardo, mas falta
VIGILÂNCIA – Teste rápido: exame ajuda a amplificar medidas de resguardo, mas falta (Cris Cantón/Getty Images)

No dia 5 de maio de 2023, a OMS anunciou o fim do estado de emergência sanitária instaurado em 31 de janeiro de 2020. Os especialistas correram para esclarecer que não significava o encerramento da pandemia. O conceito, mais fluido e com caráter menos oficial no meio das autoridades, é alvo de debates entre os cientistas, mas lega a certeza de que não podemos nos desmobilizar diante do vírus. “O relaxamento das medidas de prevenção e a hesitação em relação à vacinação representam os grandes riscos, podendo comprometer o trabalho feito até aqui”, afirma Weissmann. “É preocupante ver mensagens contrárias às vacinas sendo propagadas pelas redes sociais”, diz Cunha.

O trabalho dos pesquisadores para conhecer melhor as nuances do patógeno e criar vacinas e medicamentos ainda mais efetivos continua.

Um dos campos de estudo mais efervescentes — e fascinante, afeito a olhar para o futuro — é o que investiga a relação do SARS-CoV-2 com o nosso sistema imune. Uma análise realizada por pesquisadores sul-coreanos publicada na revista Science indica que, cada vez que nos vacinamos ou temos contato espontâneo com o vírus, nossas células de defesa realmente se tornam mais preparadas para combatê-lo — o que evitaria complicações caso se contraia a doença. Isso se dá especialmente pela atuação dos linfócitos T, as células imunológicas que, ao lado dos anticorpos, participam da reação à infecção, buscando neutralizá-la. Outra questão discutida pelos experts é a das consequências ainda vigentes do isolamento social que se fez necessário nos meses mais caóticos para limitar ao máximo a Covid-19 quando não existiam vacinas disponíveis. Especula-se que, principalmente entre crianças, a falta de estímulo imunológico no contato com o mundo as tenha tornado mais suscetíveis a viroses respiratórias — o que reforça a necessidade de se imunizar contra gripe e pneumonia, por exemplo.

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Quatro longos anos depois, o mundo mudou. Em matéria de Covid-19, para melhor. Os aprendizados ficam, enquanto algumas perguntas permanecem em aberto, aguardando uma resposta conclusiva da ciência. A sociedade que vivenciou esses intensos capítulos em tempo real — boa parcela dela travando contato com o vírus — tem o dever de fazer sua parte para que a história não se repita como tragédia.

O mapa da covid longa

Uma pesquisa da Fundação Os­waldo Cruz (Fiocruz), com base nos dados de 1 230 pacientes, calcula que seis em cada dez pessoas infectadas pelo coronavírus desenvolvem manifestações da Covid longa. Também conhecida como síndrome pós-Covid, ela inclui uma porção de sintomas que se mantêm por ao menos três meses após a fase aguda.

É como se a balbúrdia desencadeada pelo micróbio deixasse sequelas. Os principais sintomas, numa lista que chega a cinquenta, são fadiga, perda de memória, alterações no olfato e paladar, nevoeiro mental e queda de cabelo. Segundo a Fiocruz, eles tendem a ser mais comuns e acentuados em pessoas que não se vacinaram.

Dezenas de grupos de cientistas se debruçam sobre o que está por trás dessa extensão da doença que abala a qualidade de vida. Um time da Unicamp descobriu, por exemplo, que, não bastasse atacar diversos tecidos do corpo (não apenas as vias respiratórias), o vírus pode prejudicar a mitocôndria das células, a usina de energia dessas unidades do organismo. Enquanto isso, estudiosos da Universidade da Pensilvânia, nos Estados Unidos, observaram que fragmentos do patógeno podem desencadear uma resposta inflamatória no intestino que comprometeria a liberação de serotonina ali. Isso teria repercussões sistêmicas, inclusive pela conexão do aparelho digestivo com o cérebro, e explicaria por que surgem sintomas como ansiedade e cansaço crônico.

Publicado em VEJA de 2 de fevereiro de 2024, edição nº 2878

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