Apesar das críticas sobre o uso indiscriminado e sem embasamento científico de suplementos, o setor continua a crescer. Segundo o mais recente informe econômico da Associação Brasileira da Indústria de Alimentos para Fins Especiais e Congêneres (ABIAD), publicado em agosto de 2024, o mercado nacional segue uma trajetória ascendente, semelhante à observada em outros países.
Quanto aos dados globais do setor de suplementos alimentares, a empresa multinacional indiana de pesquisa de mercado e consultoria Future Market Insight publicou um relatório intitulado “Vitamin and Mineral Supplement Market Outlook from 2024 to 2034” apontando que o mercado de suplementos de vitaminas e minerais deverá atingir, até o final deste ano, um volume de cerca de US$ 58,8 bilhões, com projeção de crescimento para US$ 99,7 bilhões até 2034.
O mercado de vitaminas e minerais tem crescido de forma constante, impulsionado principalmente pelo aumento dos custos com saúde e pelas vendas online. Vale destacar também o impacto da pandemia de COVID-19: diversos agentes recomendaram esses produtos para prevenir ou mitigar os sintomas da doença, contribuindo significativamente para o aumento da demanda. Como resultado, em 2023, o segmento representou aproximadamente 32,6% de todo o mercado global de suplementos alimentares, avaliado em US$ 152,8 bilhões.
Ainda de acordo com o relatório, o crescimento previsto para o período de 2024 a 2034 será possivelmente impulsionado por fatores como: o aumento da popularidade de produtos que prometem reforçar a imunidade; a preferência crescente por produtos naturais e orgânicos; o interesse em cuidados preventivos de saúde; e, claro, o surgimento de tendências online relacionadas à “saúde” e bem-estar, que são replicadas na vida real. É interessante notar que já desmontamos grande parte dos discursos que se apoiam nesses motivos para justificar a utilização de suplementos. Para se aprofundar no tema, basta clicar no hiperlink correspondente de cada palavra.
O relatório aponta o uso de mídias sociais e da imagem de celebridades como estratégias para o aumento de vendas, e uma regulação mais dura do setor como possível ameaça.
A luta das agências reguladoras (FDA nos EUA, Anvisa no Brasil) para proteger o consumidor das promessas vazias e do marketing abusivo é heroica, mas insuficiente. Muitos influenciadores — e até profissionais da saúde — mantêm laços econômicos com empresas de suplementos, e frequentemente incentivam seus seguidores a adquirir produtos com base em alegações questionáveis.
No entanto, para evitar mal-entendidos, minha crítica não é direcionada àqueles profissionais de saúde que recomendam suplementos com base científica sólida e para desfechos reais.
Suplementos nas redes sociais
Não é novidade que as redes sociais se tornaram grandes ferramentas de promoção, tanto para indivíduos quanto para marcas, e, naturalmente, isso também se aplica ao mercado de suplementos dietéticos.
A plataforma de marketing de influenciadores CreatorIQ, em parceria com o grupo de pesquisa SAPIO, publicou uma pesquisa intitulada “The State of Creator Marketing: Trends and Trajectory 2024 – 2025”, na qual coletaram respostas de mais de 17 indústrias (variando do setor de saúde e bem-estar até telecomunicações) e 1.138 respondentes (incluindo marcas, agências e criadores) para entender como a economia dos criadores de conteúdo se transformou e para onde está indo.
Dos 1.138 respondentes, 445 eram agências de influenciadores de várias partes do mundo (incluindo o Brasil), 457 eram times de marcas e 231 eram influenciadores com mais de 1.000 seguidores, majoritariamente do sexo feminino (71%), com idades entre 25 e 34 anos (52%), residentes nos Estados Unidos (51%), com uma média de 1.000 a 5.000 seguidores (37%), trabalhando em período parcial como influenciadores (73%) e, dentre as áreas que mais criavam conteúdo, destacavam-se estilo de vida (45%), moda (43%), entretenimento, arte e mídia (37%), comida e bebidas (36%) e saúde e bem-estar (35%).
Dentre os resultados obtidos, observou-se que o investimento médio anual das organizações em marketing de influência era de US$ 360,8 mil. Contudo, em 2024, esse valor aumentou 143% entre as organizações como um todo, sendo ainda mais significativo entre grandes empresas, que relataram um investimento médio de US$ 1,7 milhão nesse tipo de marketing. Ademais, 78% das organizações entrevistadas esperam investir ainda mais no marketing de criadores nos próximos dois anos.
Dos líderes do setor (empresas que investiram US$ 1 milhão ou mais anualmente em marketing de criadores), 98% acreditam que o conteúdo gerado por influenciadores gera mais retorno sobre o investimento (ROI) do que a publicidade tradicional. Essas empresas alocaram a maior parte de seu orçamento de marketing (57%) para o marketing de criadores, gastando uma média de US$ 3,5 milhões por ano — 299% a mais do que as organizações médias.
As marcas estão estrategicamente aproveitando influenciadores de médio porte (100 mil a 300 mil seguidores), que oferecem o maior ROI por meio de “conexões autênticas” com seus seguidores, e estabelecidos (300 mil a 1 milhão de seguidores).
O Instagram continua sendo a rede que oferece o maior ROI para as organizações e foi selecionado por 29% delas como a plataforma mais essencial. Mas em 2023, o Instagram havia sido escolhido como a plataforma mais essencial por 62%. Em contrapartida, o TikTok, que em 2020 não havia sido selecionado por nenhum profissional de marketing, agora aparece com 27%.
A pesquisa também traz expectativas para 2025. Por exemplo, 91% das marcas afirmaram ter utilizado IA para o marketing de influenciadores, com mais de 40% relatando uso para a criação de legendas para conteúdos de curta duração (como os shorts do YouTube). Outra tendência esperada é a continuidade da utilização de vídeos como estratégia de marketing. Quase metade das marcas pequenas e médias considera essa abordagem como muito eficaz nas redes sociais. Contudo, o cenário se altera para as marcas maiores, com apenas 35% dos respondentes desse segmento considerando o vídeo uma estratégia eficaz.
Ser “influenciador” não é, necessariamente, mérito – ou demérito. Mas, em muitos momentos, o vínculo econômico criado entre a marca e o influenciador desafia a ética e as próprias evidências. Infelizmente, essa é a realidade das redes sociais, onde a opinião de um “doutor” – geralmente patrocinado, ou com sua própria loja virtual de pseudoterapias –, dependendo da quantidade de seguidores, engajamento, etc., tem mais peso do que uma postagem sóbria que esclarece mitos.
Na verdade, isso que aponto não é algo novo. Em 2023, o jornal The Washington Post publicou uma matéria intitulada “The Food Industry Pays ‘Influencer Dietitians to Shape Your Eating Habits” revelando que a indústria alimentícia pagou dezenas de nutricionistas – que também atuam como influenciadores – para publicar vídeos no Instagram e TikTok promovendo o consumo de refrigerantes diet, açúcar, suplementos e defendendo o aspartame após a classificação da IARC como possivelmente carcinogênico (Grupo 2B). Como de praxe, sugiro que leiam a matéria na íntegra, pois ela traz algumas informações interessantíssimas que podem acabar ficando de fora da minha síntese.
Basicamente, com a OMS suscitando dúvidas sobre os possíveis riscos do aspartame, a hashtag #SafetyofAspartame se espalhou nas redes sociais de diversos profissionais da área da saúde. Por exemplo, a nutricionista registrada em Oakton, Virgínia, Steph Grasso usou a hashtag e informou aos seus 2,2 milhões de seguidores no TikTok que os alertas da OMS sobre adoçantes artificiais eram “sensacionalismo” baseado “em ciência de baixa qualidade” – com o que, aliás, concordo plenamente. Até escrevi a respeito (e, antes que me perguntem, sem ganhar nada dos fabricantes).
Além de Grasso, outras nutricionistas destacaram para suas audiências que o aspartame era seguro e criticaram as matérias sensacionalistas. O que esqueceram de deixar claro é que as postagens foram pagas pela American Beverage, um grupo de comércio e lobby que representa empresas como Coca-Cola, PepsiCo e outras.
Ao todo, pelo menos 35 postagens de uma dúzia de profissionais de saúde fizeram parte de uma campanha coordenada pela American Beverage. O grupo comercial pagou um valor não revelado a 10 nutricionistas registrados, além de um médico e um influenciador fitness, para usar suas contas nas redes sociais e ajudar a minimizar as alegações da OMS sobre o aspartame.
E não para por aí. De acordo com a investigação realizada pelos repórteres, a análise de milhares de postagens revelou que empresas e grupos industriais (alimentos, bebidas e suplementos alimentares) pagaram nutricionistas para produzir conteúdo que incentivava o consumo de doces e sorvetes, minimizava os riscos à saúde dos alimentos ultraprocessados e promovia suplementos sem comprovação científica. A revisão identificou que, entre 68 nutricionistas com 10 mil ou mais seguidores no TikTok ou Instagram, cerca de metade promoveu alimentos, bebidas ou suplementos para seus 11 milhões de seguidores combinados no último ano.
Embora alguns nutricionistas tenham mencionado em suas postagens que se tratavam de parcerias pagas, a análise descobriu que, em muitos casos, essa relação com a indústria alimentícia não ficava explícita para os espectadores. Dos 35 vídeos analisados, apenas 11 mencionaram especificamente a associação ou a “AmeriBev” como parceira no momento da publicação.
Por fim, a análise feita pelo The Washington Post e The Examination também revelou que nutricionistas foram pagos para promover os “benefícios” de suplementos alimentares que carecem de consenso científico, como o colágeno, comumente indicado para a saúde da pele, unhas e articulações; chás detox, que supostamente auxiliariam o corpo a expelir toxinas; e cápsulas comercializadas para a saúde mitocondrial.
Em artigo recente, intitulado “Diet pills and deception: A content analysis of weight-loss, muscle building, and cleanse and detox supplements videos on TikTok”, Raffoul, A. e colegas realizaram uma análise de conteúdo de vídeos no TikTok relacionados a produtos de dieta, incluindo suplementos para perda de peso, ganho muscular e limpeza/desintoxicação. Mais especificamente, o estudo explorou alegações associadas à modificação do peso e da aparência.
Para conduzir essa pesquisa, os autores selecionaram as três hashtags publicamente disponíveis no TikTok com maior número de visualizações no dia 15 de junho de 2022: #dietpills, referente a suplementos de perda de peso (9,3 milhões de visualizações); #preworkout, para suplementos de ganho muscular (2,1 bilhões de visualizações); e #detox, para suplementos de limpeza e desintoxicação (3,4 bilhões de visualizações).
A partir disso, os pesquisadores analisaram os 100 vídeos mais visualizados de cada hashtag.
Os dois pesquisadores assistiram aos 10 primeiros vídeos de cada hashtag e identificaram diversos parâmetros para extração de dados, o que resultou na criação de um livro de códigos. Esse livro capturou detalhes importantes dos vídeos, como número de curtidas e hashtags, informações sobre as pessoas e influenciadores apresentados (idade presumida, raça, credenciais, divulgação de protocolos), alegações feitas e características do produto (se foram apresentadas evidências científicas para sustentar as alegações, ingredientes descritos, locais de compra dos produtos) e outros elementos dos vídeos, como sons de fundo e tom geral.
Como resultado, foram considerados elegíveis 233 vídeos distribuídos entre as três hashtags (#dietpills: 78; #preworkout: 86; #detox: 69).
Entre as características observadas, destaca-se que todos os vídeos das hashtags #dietpills e #preworkout incluíram pelo menos uma pessoa, enquanto 91% dos vídeos da #detox apresentaram um indivíduo. A maioria das pessoas nos vídeos de #dietpills e #detox era do sexo feminino (70,5% e 71%, respectivamente), enquanto os vídeos de #preworkout tiveram predominância de indivíduos do sexo masculino (73,3%).
Ao analisar a faixa etária, verificou-se que 38,6% dos indivíduos nos vídeos estavam presumidamente entre 18 e 24 anos (jovens adultos). Aproximadamente 7% eram crianças ou adolescentes, mas este grupo apareceu em 14% dos vídeos da hashtag #preworkout. Curiosamente, indivíduos de 25 a 59 anos (adultos) apareceram em 42% dos vídeos de #detox e em 62,8% dos vídeos de #dietpills.
Em relação à raça/etnia, mais da metade dos indivíduos foi presumidamente classificada como branca não latina. No entanto, 43,5% das pessoas nos vídeos de #detox foram identificadas como latinas.
Quanto à presença de credenciais e patrocínios, apenas 6,4% dos indivíduos mencionaram suas credenciais, e somente 4,3% informaram se a publicidade era patrocinada.
Vale destacar que as hashtags #preworkout e #detox foram as que mais apresentaram testemunhos de pessoas afirmando terem usado o produto, com 63,9% e 73,9%, respectivamente.
Ao analisar as alegações relacionadas aos produtos, verificou-se que metade dos vídeos sob a hashtag #dietpills tinham um tom negativo (56,4%), desencorajando o uso e/ou alertando sobre os perigos das pílulas para dieta. Esses vídeos também apresentavam uma abordagem informativa (50%). Por exemplo, em um vídeo, uma pessoa detalhou a história de uma mulher que estava usando pílulas para dieta contendo ovos de tênia, como uma história de alerta sobre produtos de dieta promovidos por meio de postagens desinformadas nas redes sociais. Outros vídeos de #dietpills também desencorajam o uso desses produtos, enfatizando, em vez disso, o valor de uma “dieta saudável e exercícios” para a perda de peso.
A maioria dos vídeos sob #preworkout (70,9%) se baseava em alegações relacionadas à saúde e bem-estar geral (por exemplo, aumento de energia), aumento de massa muscular e maior status social. Em termos de tom, os vídeos dessa categoria foram majoritariamente positivos (43%) ou neutros (43%).
Mais de dois terços dos vídeos de #detox apresentavam uma descrição positiva dos produtos e incentivavam seu uso, adotando um tom promocional com expressões como “você precisa experimentar isso!”.
Entre todas as hashtags, quase todos os vídeos (97%) não faziam alegações embasadas em evidências científicas.
Como conclusão, os autores afirmam que a pesquisa realizada identificou fatores-chave nos vídeos analisados, os quais podem servir como pontos de alavancagem para a regulamentação de políticas em mídias sociais. Entre eles, destacam-se: a necessidade de políticas para abordar a promoção direcionada de produtos com base no gênero e identidade étnica dos usuários; a ausência de divulgação de patrocínios da indústria; e as alegações enganosas sobre suplementos sub-regulados nas categorias investigadas.
Uso racional
Não estou sugerindo a abolição dos suplementos. Em situações específicas, são extremamente úteis.
O que critico é a ideia equivocada, incutida na mente de muitos consumidores, de que é necessário suplementar algum nutriente ou substância para melhorar ou potencializar seus efeitos no organismo, resultando em promessas de efeitos irreais. Há poucas exceções para o princípio de que, se consumidos acima do nível necessário para manter a saúde – e que, em geral, pode ser obtido com uma dieta regular –, nutrientes não trazem benefícios e podem causar problemas de saúde.
Na maioria dos casos, e dependendo da substância, o consumo exagerado não resulta em efeitos colaterais significativos. Na pior das hipóteses, afeta o bolso do consumidor e cria uma falsa sensação de proteção — algo similar ao que observamos durante a pandemia, com o uso da hidroxicloroquina como uma suposta defesa contra o vírus –, o que, por sua vez, pode levar as pessoas a negligenciarem práticas realmente eficazes.
Entretanto, há casos em que a suplementação, seja por contaminação, presença de substâncias não autorizadas ou consumo excessivo, pode levar a consequências de saúde graves. Nesse contexto, Assis, M. et al. conduziram uma revisão intitulada “Liver injury induced by herbal and dietary supplements: a pooled analysis of case reports” com o objetivo de analisar relatos de casos de lesão hepática induzida por suplementos alimentares (DSILI) e por ervas medicinais (HILI).
Os artigos incluídos nesta pesquisa foram estudos de caso, publicados em português, inglês ou espanhol, sem restrições quanto à idade dos pacientes ou ao período de publicação dos trabalhos.
A análise final incluiu 189 estudos, relatando 428 casos de lesão hepática induzida por suplementos alimentares, ervas medicinais e esteroides. Destes casos, 209 estavam associados a produtos contendo ervas medicinais, 202 a suplementos alimentares, e 17 a esteroides. A maioria dos relatos foi publicada entre 2003 e 2021 (89,9%).
As principais ervas associadas à lesão hepática foram: Polygunum multiflorum, uma planta amplamente utilizada na medicina chinesa por suas supostas propriedades antienvelhecimento e de longevidade (25 casos); chá verde (19 casos); Kava, uma erva utilizada como ansiolítico (17 casos); chaparral, uma planta utilizada para diarreia, infecções do trato urinário e resfriados (16 casos); e Aloe vera (14 casos); entre outras.
Os autores especulam que o aumento no número de casos registrados nas últimas duas décadas pode refletir tanto o crescimento no uso desses produtos quanto o maior interesse dos profissionais de saúde no tema, o que tem levado a investigações mais detalhadas.
Outro trabalho, intitulado “Liver injury from Herbals and Dietary Supplements in the US Drug Induced Liver Injury Network” analisou casos de hepatotoxicidade relatados em centros de referência nos EUA e apontou um aumento significativo, de 7% para 20%, nos casos de lesão hepática induzida por medicamentos (DILI) associados a suplementos dietéticos e ervas entre 2004 e 2013.
Indo na mesma direção, foi publicado na JAMA Network Open um artigo intitulado “Estimated Exposure to 6 Potentially Hepatotoxic Botanicals in US Adults” que buscou avaliar a prevalência e as características clínicas dos consumidores adultos de seis produtos botânicos (ervas medicinais ou fitoterápicos) potencialmente hepatotóxicos.
O estudo focou nos níveis nacionais de exposição aos seis botânicos mais frequentemente associados a casos de lesão hepática induzida por suplementos alimentares baseados em ervas: cúrcuma ou curcumina, chá verde, garcinia cambogia, black cohosh (uma planta utilizada para o alívio dos sintomas pré e pós-menopausa), arroz vermelho fermentado e ashwagandha (uma planta utilizada para aumentar a energia e diminuir o estresse e a ansiedade).
A pesquisa utilizou os dados do NHANES, um estudo transversal e representativo em nível nacional, projetado para monitorar a saúde e a nutrição da população civil residente não institucionalizada dos EUA.
O estudo incluiu 9.685 adultos, dos quais 5.271 relataram o uso de pelo menos um suplemento dietético ou à base de ervas (HDS). A idade média dos participantes foi de 51,9 anos, sendo 57,7% do sexo feminino e 67,6% majoritariamente brancos.
Entre os consumidores de HDS, 350 participantes (4,7% da amostra) relataram o uso de pelo menos um dos seis botânicos potencialmente hepatotóxicos. O mais utilizado foi a cúrcuma ou curcumina (236 participantes), seguido pelo chá verde (92), ashwagandha (28), garcinia cambogia (20), arroz vermelho fermentado (20) e black cohosh (19).
A análise revelou que a maioria dos usuários consumia esses produtos por iniciativa própria, com o intuito de melhorar ou manter a saúde, prevenir doenças ou fortalecer o sistema imune.
No entanto, observa-se que, em contrapartida a esses objetivos, uma variedade de eventos adversos relacionados ao uso de HDS tem sido relatada nos EUA. Em 2014, estimou-se que tais eventos resultaram em aproximadamente 23.000 visitas anuais a prontos-socorros e 2.154 internações hospitalares. Além disso, a incidência de lesão hepática induzida por suplementos dietéticos está aumentando, já representando mais de 20% dos casos de lesão hepática registrados no DILIN, rede de pesquisa multicêntrica que coleta e analisa casos de lesão hepática grave causada por medicamentos prescritos, de venda livre e alternativos, como produtos à base de ervas e suplementos.
Ressalta-se que os ingredientes ativos e os componentes dos produtos botânicos são ainda mais difíceis de padronizar.
Igualmente grave é o fato de que a maioria dos usuários consumiu esses produtos sem recomendação clínica e, provavelmente, fez essa escolha devido aos benefícios prometidos na publicidade. Em 1993, havia cerca de 4 mil produtos no mercado, número que aumentou para aproximadamente 80 mil em 2022. Obviamente, não podemos extrapolar os dados encontrados neste estudo para explicar a situação no Brasil. Mas acredito piamente que estamos em um patamar um pouco mais seguro, mas ainda assim não confortável, em comparação com outros países. Diferentemente da FDA americana, que trata os suplementos alimentares genericamente como “alimentos” – categoria com nível de exigência de provas de segurança mais frouxo do que medicamentos –, a Anvisa é mais rigorosa e atua na prevenção de danos.
É claro que o trabalho não é perfeito e deve ser criticado para melhorar, como no caso da baixa celeridade para retirar alegações inverídicas do mercado e aplicar as penalizações necessárias. Contudo, devemos reconhecer que, se não fosse o papel da nossa agência regulatória, provavelmente estaríamos vendo mais casos, como o da enfermeira Edmara Silva Abreu, que, em 2022, faleceu após consumir cápsulas de um chá emagrecedor.
* Mauro Proença é nutricionista e colaborador da Revista Questão de Ciência, onde este artigo foi originalmente publicado