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Por que mulheres negras tem maior perda dentária?

Estudo mostra que no segmento feminino, as negras perdem 26% mais dentes que as brancas

Por José Tadeu Arantes | Agência FAPESP
Atualizado em 22 nov 2022, 11h02 - Publicado em 22 nov 2022, 11h00

A perda dentária em mulheres negras é 19% maior do que em homens brancos. Se for considerado apenas o segmento feminino, as negras apresentam perda 26% maior do que as brancas. E, se for considerado apenas o segmento negro, autodefinido com base na cor da pele, as mulheres apresentam perda 14% maior do que os homens. Sob qualquer critério, as mulheres negras são as mais afetadas pela perda dentária.

Os dados, obtidos em um inquérito realizado no município de Campinas, foram publicados na revista PLOS ONE. E fazem parte da tese de doutorado de Lívia Helena Terra e Souza, intitulada “A boca travada no racismo: desigualdades raciais nas condições de saúde bucal”, que já foi contemplada com duas premiações: Menção Honrosa no Prêmio Capes de Tese (2022), conferida pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), e Prêmio de Reconhecimento Acadêmico em Direitos Humanos (2021), conferido pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e pelo Instituto Vladimir Herzog (IVH).

“Entrevistadores treinados, usando um questionário pré-codificado, aplicado por meio de tablets, colheram os dados de 3.021 pessoas, com idade mínima de 10 anos. As perguntas foram: ‘Você já perdeu um dente [superior ou inferior]? Se sim, perdeu um, mais de um ou todos os dentes?’. Foram desconsiderados os dentes de leite, os sisos e os extraídos para colocação de aparelho”, conta Terra e Souza.

A pesquisadora diz que 52% das pessoas entrevistadas já haviam perdido pelo menos um dente. Mas que foi detectada, no conjunto, uma forte disparidade em relação às perdas, principalmente quando eram cruzadas as variáveis “raça” e “sexo”, fazendo das mulheres negras o segmento mais afetado.

O artigo procura interpretar esse resultado, afirmando que “a raça pode ser considerada como um conceito socialmente construído por dinâmicas históricas e relações de poder”. E destaca que “o status socioeconômico é fortemente impactado pelas desigualdades raciais” e que a população negra apresenta “menor renda, menor nível educacional e tende a viver em locais de alta vulnerabilidade social”.

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Além dos determinantes econômicos, o texto aponta que é preciso levar em conta outras desvantagens, que tendem a permanecer em várias dimensões da vida, mesmo após a abolição da escravidão negra: “As minorias raciais, neste caso os negros, podem incorporar biologicamente os efeitos do racismo, com exposições discriminatórias cotidianas. Adversidades ao longo da vida, como pobreza, estresse psicossocial, estereótipos e contexto de moradia, podem afetar a saúde física e mental, alterando as funções cardiocirculatórias, metabólicas e imunológicas. Na saúde bucal, é possível que as iniquidades se devam a pobreza, níveis de educação ou discriminação nos cuidados de saúde”.

Quanto ao impacto das desigualdades de sexo na saúde, o artigo lembra “os aspectos históricos da opressão das mulheres, que persistem até hoje, principalmente no que se refere à situação de renda, trabalho, dupla jornada e violência”. Diz que “essas questões parecem ter efeitos na saúde, especialmente no aspecto emocional”. E pondera que, nas variáveis “comportamentos de risco” e “mortalidade precoce”, o cenário é desfavorável para os homens. Enquanto as mulheres parecem ser mais vulneráveis a condições de saúde limitantes e crônicas.

Cuidado metodológico

Uma larga porção do artigo, de livre acesso, é dedicada à descrição dos cuidados metodológicos adotados pelos pesquisadores para evitar ou corrigir eventuais vieses no levantamento e na seleção dos dados e no relacionamento das variáveis. “Identificar o papel de determinantes distais, como raça e sexo, com os quais a pessoa nasce, na ocorrência de uma doença que vai se manifestar décadas depois impõe grandes desafios metodológicos. Fizemos todo o esforço para mitigar os possíveis erros”, diz o médico Fredi Alexander Diaz-Quijano, professor da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (FSP-USP) e coautor do estudo.

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A professora Margareth Guimarães Lima, coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (FCM-Unicamp) e orientadora da pesquisa de doutorado de Terra e Souza, ressalva que os dados foram coletados nos anos 2014 e 2015 e não puderam ser atualizados devido às limitações impostas pela pandemia.

“Esse tipo de pesquisa é feito a cada cinco anos. Não pôde ocorrer em 2020 e 2021. Mas já estamos em campo novamente até meados de 2023”, conta.

A orientadora acredita que, apesar da defasagem cronológica dos dados, os resultados do estudo continuam a espelhar a situação real. E, aqui, é preciso acrescentar que o quadro de desigualdades pode até mesmo ter-se agravado, nos últimos quatro anos, com o deslocamento do padrão econômico de milhões de brasileiros abaixo da linha de pobreza e a ressurgência do fenômeno da fome. O estudo recebeu financiamento da FAPESP.

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