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Planos de saúde: onda de cancelamentos unilaterais impacta autistas

Problema afeta ainda beneficiários com doenças raras; empresas afirmam que rescisões se baseiam em critérios técnicos e financeiros

Por Paula Felix Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 22 Maio 2024, 19h42

Desde o fim de abril, beneficiários de planos de saúde têm sido surpreendidos com mensagens informando o cancelamento unilateral do serviço e com a orientação de que devem encontrar uma nova operadora até o próximo dia 31. A situação, que já seria preocupante para quem faz acompanhamentos de rotina e conta com rede referenciada conhecida, tem causado angústia em pessoas que necessitam de atendimento contínuo e terapias específicas, caso de pacientes com Transtorno do Espectro Autista (TEA) e doenças raras. Em nota, as operadoras informam que interrupção ocorre “dentro da legalidade” e tem como base critérios técnicos. Contratos que levam a impactos financeiros também são citados (leia mais abaixo).

A rescisão de contratos de planos de saúde está prevista por uma lei de 1998 e pelas regras da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), responsável pela regulação do setor. A portabilidade prevê que o novo plano não terá necessidade de cumprir novos prazos de carência.

No caso dos planos individuais e familiares, modalidade rara atualmente, o cancelamento pode ocorrer apenas em casos de inadimplência ou fraude.

Nos planos coletivos, tanto empresariais quanto por adesão, a história muda. Toda a carteira de beneficiários pode ser excluída se houve solicitação da pessoa jurídica que contratou o benefício e regras para suspensão devem estar previstas em contrato, contanto que haja comunicação com 60 dias de antecedência. Os termos do contrato têm regido as decisões de interromper a assistência à saúde e têm afetado usuários de planos de grande porte, como Amil e Unimed Nacional.

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“Na tentativa de encontrar a viabilidade financeira dos contratos, as operadoras excluem esses beneficiários, criando um espaço para discussão dessa prerrogativa prevista em lei, mas que vai de encontro com a concepção do que é o acesso à saúde formada pela sociedade”, diz Nycolle Araújo Soares, CEO do Lara Martins Advogados e especialista em Ética e Compliance na Saúde.

Reclamações por cancelamento

A partir do ano passado, houve um salto no número de queixas por cancelamento unilateral registradas na ANS. Segundo a agência, entre janeiro e abril deste ano, foram feitas 5.888 reclamações, um crescimento de 30,9% em relação ao mesmo período do ano passado. Em todo o ano de 2023, foram contabilizadas 15.279 reclamações. Em 2022, foram 11.096.

As queixas também têm se espalhado para a esfera política.  Dois pedidos para instauração de CPI contra planos de saúde foram protocolados após a onda de cancelamento e relatos de casos que chegaram a parlamentares na Câmara dos Deputados e na Assembleia Legislativa de São Paulo. Na Câmara, ao menos duas audiências públicas debateram o tema nas duas últimas semanas.

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Mães relatam desespero

A vendedora Cristiane Ferraz, de 46 anos, se juntou a um grupo de pais nesta quarta-feira, 22, para protestar na sede da Amil, em São Paulo. Mãe de Lorenzo, de 12 anos, ela conta que paga R$ 5.300 de plano de saúde e, em 30 de abril, recebeu a notificação de que a assistência seria cancelada.

A criança, diagnosticada com doença de Huntington (coreia de Huntington), uma condição rara que afeta células nervosas do cérebro, necessita de home care, dieta enteral e ventilação mecânica. Ela tem publicado vídeos nas redes sociais apresentando o problema. “Estou desesperada. É um constrangimento que estamos vivendo no mês das mães”, disse, em um deles.

Diante da situação, ela entrou na Justiça e conseguiu uma liminar garantindo a manutenção do suporte que é vital para seu filho. “A liminar saiu a nosso favor, mas a Amil não está cumprindo. Por isso, estou aqui protestando.”

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Dificuldades com tratamentos

Mesmo pacientes que não tiveram os planos cancelados estão enfrentando dificuldades para ter acesso a terapias e conseguir reembolsos. No caso de pessoas que vivem com autismo, esse quadro tem se tornado comum.

Desde 2021, a ANS tem implementado medidas para garantir assistência na rede suplementar para pacientes com transtornos globais de desenvolvimento, incluindo o TEA. Além de acesso ilimitado a sessões com psicólogos, terapeutas ocupacionais e fonoaudiólogos – liberados para todos os beneficiários a partir de 2022 -, métodos considerados padrão-ouro para o tratamento, como a terapia ABA, têm cobertura dos planos.

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A médica anestesiologista Fernanda Bourroul, de 36 anos, tem um filho de 5 anos diagnosticado com autismo e o tratamento com a terapia ABA sai por R$ 13 mil por mês. Até janeiro deste ano, ela recebia o reembolso após preencher a solicitação com a nota emitida pela clínica onde a criança é atendida. Agora, teve início a cobrança de comprovantes de pagamentos, relatórios de nota e laudos médicos, embora seja um diagnóstico que não vai se alterar com o tempo.

Com essa mudança, o processo se tornou lento, Fernanda não tem recebido o reembolso dentro do prazo de 30 dias e não consegue mais pagar a clínica. O resultado é que o filho precisou parar o tratamento. “Com um mês sem a terapia, ele começou a morder a própria mão quando contrariado chegando até a fazer lesão.”

Presidente da Comissão dos Direitos das Pessoas com Deficiência da Ordem dos Advogados do Brasil seccional São Paulo (OAB-SP), a advogada Camilla Varella diz que familiares têm conseguido liminares, que nem sempre são cumpridas, mas os problemas vão além das burocracias que atrasam o pagamento de reembolso.

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“O problema do reembolso atinge vários planos. Amil, Bradesco. Mas temos também as clínicas que são descredenciadas e o plano oferece clínicas da rede que não oferecem, de fato, o tratamento de acordo com o pedido médico, algumas delas têm pessoas sem especialização.”

No caso de um cancelamento, o maior temor das mães e pais é não conseguir uma nova operadora que aceite os pacientes. “Pela ANS, eles são obrigados a atender, mas os planos estão rejeitando. Eles não querem mais autistas, porque o tratamento é caro.”

Operadoras dizem que cancelamentos não têm caráter discriminatório

Em nota, a Amil informou que a suspensão dos planos coletivos por adesão ocorreu “dentro da mais absoluta legalidade” e que a medida atingiu 1% dos beneficiários, o que representaria cerca de 30 mil usuários.

“A decisão se deve ao fato de que tais contratos, negociados por administradoras de benefícios diretamente com entidades de classe, com intermediação de corretoras, apresentam há vários anos situação de desequilíbrio extremo entre receita e despesa, a ponto de não vermos a possibilidade de reajuste exequível para corrigir esse grave problema”, informou.

Ainda segundo a empresa, mais de 98% das pessoas afetadas pelo cancelamento não estão “internadas ou submetidas a tratamento médico garantidor de sua sobrevivência”.

A Unimed Nacional também destacou que os cancelamentos levaram em conta “estudos de aspectos técnicos e econômico-financeiros, que buscam o equilíbrio entre as relações cliente/operadora bem como garantir uma assistência de qualidade visando o coletivo.”

A Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde), entidade que representa 13 grupos de operadoras de planos, afirmou que as rescisões unilaterais “são comunicadas aos contratantes com antecedência e jamais são feitas de maneira discricionária, discriminatória ou com intuito de restringir acesso de pessoas a tratamentos”.

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