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Os medos nossos de cada dia

A pandemia afeta adultos e crianças. Sentir-se abalado no momento de incerteza que estamos vivendo não só é comum, mas profundamente humano

Por Ilana Pinsky
Atualizado em 8 set 2020, 17h39 - Publicado em 30 ago 2020, 12h22

Meu filho mais velho ainda era criança, e foi andar de bicicleta pelo Parque Villa Lobos em São Paulo. Era a primeira vez que ele fazia isso sozinho. Ao ficar sem notícias dele depois de um tempo (que me pareceu interminável), meu cérebro foi invadido por medo, ou, dito de outra forma, pelo processo de ansiedade antecipatória. Senti que tinha que agir imediatamente. Em uma fração de segundos, afastei os pensamentos terríveis que passaram pela minha mente e avaliei as possíveis maneiras de lidar com a situação: Gritar em desespero? Correr sem direção? Concluí por procurar os vigilantes responsáveis pelo parque (muito eficientes, por sinal), que localizaram o menino em questão de minutos. O motivo do sumiço, soube então, foi simples decorrência de um pneu furado.

Eu me lembro disso até hoje por conta da maneira como me senti e me comportei durante a situação: taquicardia, foco e raciocínio claro, no começo, seguido de alívio ao encontrá-lo bem. Depois da crise, aí sim, senti-me exaurida, e esse vazio de energia durou um dia inteiro. Certamente eu não suportaria viver assim constantemente.

Mas, o que aconteceria se eu, diariamente, pensasse que algo muito ruim iria acontecer? Como meu corpo se comportaria se eu frequentemente avaliasse que não tenho formas/habilidade/apoio para lidar com ocorrências negativas?

No livro Why Zebras don’t get ulcers, o professor de neuroendocrinologia da Universidade de Stanford Robert Sapolsky discute, de maneira bem-humorada, mas cientificamente rigorosa, algumas características não adaptativas (exageradas) da expressão do estresse nos seres humanos. Segundo ele, de maneira geral, os animais apresentam resposta de estresse (o que significa a saída de um balanço homeostático e a liberação pelo cérebro dos elementos químicos necessários para que o corpo aja rapidamente) em situações em que uma resposta imediata é realmente imprescindível (no exemplo dele, quando a zebra está para ser comida por um leão!).

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Já nós, humanos, expandimos essa resposta para quando PENSAMOS que algo ruim vai acontecer (por exemplo: quando achamos que vamos tirar nota ruim na prova – mas não tiramos, quando pensamos que vamos ser despedidos – mas não somos). Algo semelhante ocorre quando algo negativo realmente acontece, e ACHAMOS que não temos maneira alguma para lidar com isso (por exemplo: doenças crônicas na família, pandemia). Nossa evolução, nossa inteligência faz com que tenhamos propensão a frequentes respostas de estresse quando essa não é necessária. Acontece que as consequências da inquietação crônica são prejudiciais em muitos níveis, incluindo maiores chances no desenvolvimento de ansiedade e depressão.

Sentir-se abalado no momento de incerteza que estamos vivendo não só é comum, mas profundamente humano. A pandemia afeta adultos e crianças. Uma paciente conta que seu filho de 7 anos regrediu seu comportamento e voltou a ter enurese noturna (vulgo fazer xixi na cama). Outra relata que a filha de 3 anos desenvolveu alta ansiedade: acorda 3 vezes por noite chorando e fica aterrorizada em ocasiões em que a mãe se afasta. O filho adolescente de um amigo parou de ter interesse em sair de casa e relata dor de barriga quando precisa fazê-lo.

Esses sinais agudos de sofrimento são comuns em jovens em momentos de calamidade. Grande parte não se traduzirá em sintomas crônicos, no entanto, sendo amenizados ou ultrapassados em algumas semanas ou meses.

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Isso é bom. Mas será que é possível proteger um pouco mais nossas crianças e adolescentes de desenvolver problemas de saúde mental? Muito além do senso comum, a ciência vem dando respostas para isso. Grande parte dos adultos deprimidos tiveram ansiedade quando eram pequenos. Há uma ligação comprovadíssima entre mães deprimidas e filhos deprimidos. Filhos de mães deprimidas apresentam com mais frequência não só depressão, mas também sintomas consistentes com ansiedade como medo (frequente, profundo), retraimento social (mais do que uma simples timidez), sintomas somáticos (dores de barriga, de cabeça). Em alguns casos os sintomas incluem o que chamamos de “problemas externalizantes” como comportamento agressivo, vandalismo.

Questões genéticas aumentam o risco do desenvolvimento de depressão, mas um fator que pode contrabalançar esse risco é um ambiente maternal fecundo. Melhoras na depressão materna têm efeitos extremamente positivos nos sintomas dos filhos, mesmo quando os jovens não são tratados (apenas suas mães). Basicamente, a qualidade de nosso comportamento parental se restabelece. Nós, mães, ficamos mais pacientes, mais capazes de ouvir e de falar com nossos filhos. A conexão com nossos filhos melhora e com isso, eles melhoram.

Ilana Pinsky, psicóloga clínica e terapeuta familiar, pesquisadora visitante na City University of New York (CUNY)

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