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‘O suicídio deveria ser tratado como problema de saúde pública’

É o que defende a psicóloga e suicidologista Karina Fukumitsu, que acaba de lançar um livro focado em luto e acolhimento após um suicídio

Por Diogo Sponchiato Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 20 set 2023, 06h32 - Publicado em 20 set 2023, 06h22

Problemas complexos não raro exigem que profissionais se especializem neles. Tema cercado de tabus e doloroso por natureza, o suicídio é daquelas pautas que, com frequência, preferimos não encarar diante da violência e do sofrimento humano que ela evidencia e escancara. Mas, para evitar que um desfecho desses aconteça, é crucial se antecipar a ele, discutindo, com responsabilidade, as estratégias capazes de acolher e resguardar quem não vê mais sentido na vida.

A psicóloga Karina Okajima Fukumitsu dedica anos de sua atuação e pesquisa ao entendimento e à prevenção do suicídio, tendo se tornado uma especialista no assunto. Ela é uma suicidologista – e suicidologia é a área de pós-graduação que ela coordena numa faculdade paulistana. 

Doutora e pós-doutora em psicologia pela USP, Karina tem se aprofundado nos últimos tempos a criar e aprimorar programas não só para evitar a morte por suicídio, mas também para dar suporte àqueles que ficam e são intensamente abalados por um episódio na família ou no círculo de amigos.

E é nessa direção que ela acaba de publicar o livro Luto por Suicídio e Posvenção – A Outra Margem (Summus Editorial).

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Em meio à campanha do Setembro Amarelo, a professora explica a VEJA o que precisa melhorar na abordagem do suicídio no país – algo mais crítico para alguns grupos sociais – e por que é preciso se mobilizar para amparar adequadamente aqueles enlutados por um suicídio.

Luto por Suicídio e Posvenção

suicidio

Vivenciamos nos últimos anos um aumento na sensibilização sobre o suicídio na sociedade brasileira. Mas, quando examina o cenário atual, o que ainda precisa mudar?

O suicídio deveria ser tratado como um problema de saúde pública. Sendo assim, as várias ações que realizo hoje relacionadas à conscientização e ao acolhimento do sofrimento existencial têm buscado despertar a atenção para políticas públicas. Além disso, precisamos melhorar a assistência e o tratamento dos transtornos mentais por meio de um trabalho de informação e psicoeducação que favoreça a própria prevenção do suicídio. Ainda temos muito a caminhar nesse sentido, agregando esforços que realmente resultem na maior possibilidade de oferecer e receber acolhimento às pessoas em sofrimento.

Sabemos que o suicídio atinge diversas faixas de renda e idade, mas existe algum grupo social que mais preocupa a senhora em relação à maior vulnerabilidade hoje?

As duas fases do desenvolvimento humano que requerem atenção especial são a adolescência e a velhice. São momentos que provocam várias reflexões pelo fato de o ser humano migrar do conhecido para o desconhecido.

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O adolescente inicia sua travessia do conhecido de uma infância que depende do suporte de pais ou responsáveis para o desconhecimento, inclusive corpóreo, até o desenvolvimento de autonomia e autossuporte. Já a velhice traz consigo lutos tanto em relação a pessoas próximas que morrem quanto a morte daquilo que é conhecido para o indivíduo, inclusive com a perda da produtividade, com o adoecimento e as dores da idade. Assim, minha preocupação circunda essas fases de vulnerabilidade.

Vulnerabilidade significa o lugar do ferimento, aquela sensação de desproteção que emerge com maior expressividade em alguns grupos. É o caso de pessoas LGBTQ+, pretas, indígenas, migrantes, aquelas que sofreram violência, estupro ou bullying, prisioneiros, profissionais de segurança pública, indivíduos em situação de rua, aqueles que usam álcool ou outras drogas, pacientes com transtorno mental ou algumas doenças crônicas e mesmo quem passa pelo luto por suicídio. Por esse motivo, na prevenção ao suicídio precisamos enaltecer os fatores de proteção e incentivar aquilo que faz sentido para as pessoas ao buscar seu desenvolvimento e sua saúde existencial.

suicidologista
Suicidologista: Karina Fukumitsu desbrava área de estudos que ajuda a entender e a prevenir o suicídio e acolher famílias enlutadas (Foto: Summus/Reprodução)

Quais seriam as particularidades do luto quando ele decorre de um suicídio? 

As principais especificidades do luto por suicídio são a presença de alguns sentimentos que ficam mais arraigados e mais salientes, caso da vergonha, por se tratar de uma morte violenta, que escancara que havia um sofrimento, e da culpa, quando quem fica tem a sensação de que poderia ter modificado aquele desfecho. Então sempre existe a sensação de que “eu poderia ter feito alguma coisa” para que o suicídio não ocorresse. É quase como a pessoa em luto se tornasse refém dessa crença.

Com frequência vemos entidades atualizando orientações para a prevenção do suicídio. Se pudesse destacar um ponto fundamental nessa atuação preventiva, qual seria?

Felizmente, a gente tem algumas recomendações para a prevenção ao suicídio, mas o importante seria se a gente realmente pudesse aperfeiçoar os lugares de encaminhamento para essas demandas, tanto para ideações suicidas quanto para tentativas de suicídio. Precisamos, aqui no Brasil, ampliar os locais de encaminhamento para essa necessidade específica, porque, muitas vezes, as pessoas que tentam o suicídio são internadas com outros indivíduos com transtornos mentais. E nem sempre o suicídio tem esse entrelaçamento com um adoecimento mental.

O que ele tem é um componente de sofrimento, com um problema que a pessoa não consegue entender nem ressignificar. Então é preciso melhorar os serviços de saúde e ter esses lugares para acolher pessoas com ideação suicida, as que tiveram tentativas de suicídio e mesmo quem sofre o luto por suicídio, um espaço como temos na Associação Se Tem Vida, Tem Jeito.

Pode nos explicar o que abrange o conceito de posvenção e como ele é trabalhado na prática?

Posvenção foi um termo cunhado por Schneidman [Edwin Schneidman, psicólogo americano (1918-2009)], que abrange um acolhimento com todas as ações que realizamos em relação à prevenção ao suicídio, mas direcionado às pessoas que ficam e são impactadas pelo suicídio. Isso envolve medidas no sentido de acolher, cuidar e encaminhar aquela pessoa para que possamos resgatar sua saúde existencial. Esse é um tema que tenho ampliado e aprofundado em meu pós-doutorado. Toda vez que acontece um suicídio, é preciso ter um plano de ações. Por isso eu criei o programa RAISE. A palavra “raise” em inglês significa “elevar”. Então eu a uso como um acrônimo para um programa de acolhimento e ressignificação do sofrimento existencial.

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