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Nascer de novo: Sergio Bermudes e o drama dos casos gravíssimos de Covid

O advogado de poderosos passou seis meses hospitalizado e ainda luta contra sequelas. Depois do susto, ele redescobre a vida

Por Jana Sampaio, Sofia Cerqueira Atualizado em 28 Maio 2021, 11h18 - Publicado em 28 Maio 2021, 06h00

“Acordei quatro meses depois de ser intubado. O caso era tão grave que soube por um frei que cheguei a receber a extrema-unção. Felizmente, saí do hospital (ao lado) e, mesmo com sequelas, ainda cito Dostoiévski, voltei a trabalhar e quero viajar o mundo.”
Sergio Bermudes, 74 anos, advogado

Com a presença de pesos-­pesados da área jurídica, da política e do empresariado, o advogado Sergio Bermudes comemorou os cinquenta anos de seu escritório, em dezembro de 2019, em grande estilo. A festança para 4 000 convidados, regada a champanhe Veuve Clicquot, lotou os salões do Copacabana Palace, no Rio de Janeiro, e teve como ponto alto um show de Ivete Sangalo. Quatro meses depois, o mundo ao redor do dono de uma das bancas mais prestigiadas do país silenciou. Bermudes, 74 anos, foi uma das primeiras pessoas conhecidas no Brasil a ter um caso gravíssimo de Covid-19, quando tudo em torno da doença respiratória ainda era um grande enigma. Internado na primeira semana de abril do ano passado, foi intubado três dias depois e só recobrou a consciência em agosto. Juntando as intercorrências de sucessivas infecções, passou seis meses hospitalizado. Já em casa, ele recebeu VEJA para um relato exclusivo de sua luta pela sobrevivência, ao celebrar a vitória contra o vírus e planos luminosos para o futuro. “Uma das grandes lições disso tudo é que a vida é efêmera mesmo. Não consigo ficar sem trabalhar, mas assim que estiver tudo liberado vou viajar muito mais”, diz o advogado, que tem um apartamento na Trump Tower da Quinta Avenida, em Nova York.

Bermudes conta que, depois de ter tido alta, seguiu travando uma vigorosa batalha para se recuperar da extensa lista de sequelas, entre elas a surdez parcial, que permanece até hoje. A situação, infelizmente, não é rara: o Brasil contabiliza milhares de diagnósticos da chamada síndrome pós-Covid, que acomete cerca de 15% dos pacientes graves e provoca complicações duradouras. Para lidar com as suas, Bermudes montou uma espécie de clínica de recuperação em seu apartamento, no Rio. Chegou a ter oito enfermeiros (hoje são três), instalou uma academia de ginástica para reaprender a caminhar (ainda precisa do auxílio de um andador) e tem sessões de fonoaudiologia e fisioterapia seis vezes por semana, para recuperar a perfeita articulação das palavras e a massa muscular — deixou o Hospital Copa Star, na Zona Sul, com 11 quilos a menos e sem forças para mexer as pernas, nem sequer levar as mãos à boca. Seu sistema renal também ficou comprometido e ainda faz três sessões de diálise por semana.

Ex-fumante e hipertenso, o advogado teve momentos de tamanha gravidade durante a internação que os familiares foram aconselhados a se preparar para o pior. “A doença o atropelou rapidamente”, diz o pneumologista João Pantoja, diretor do Copa Star. “Devido às condições preexistentes e à agressividade do vírus, em vários momentos a falência respiratória era iminente.” Católico praticante, do tipo que manda rezar missa em seu escritório a cada quinze dias, chegou ao ponto de receber a extrema-unção no hospital. “Todos achavam que eu morreria. Posso dizer que vivi um milagre”, afirma Bermudes, que, tirando a questão auditiva, não sofreu maiores danos neurológicos — o impressionante hábito de citar ipsis litteris trechos inteiros de obras de Dostoiévski, Camões e Machado de Assis se mantém inalterado.

Mayra Borges, 44 anos, médica -
Mayra Borges, 44 anos, médica – (Cristiano Mariz/VEJA)

“Aos seis meses de gravidez, veio a notícia de que estava com Covid-19. Fui atendida com metade do pulmão comprometida e disseram que minhas chances eram pequenas. Cogitaram até fazer uma cesárea para salvar meu bebê. Renasci com ele.”
Mayra Borges, 44 anos, médica

No começo da pandemia, quando o advogado foi internado, a mortalidade entre pacientes intubados por Covid-19 chegava a 90% — hoje, o porcentual é três vezes menor. Quem sobrevive carrega por um bom tempo as consequências da doença. Um estudo da Universidade de Leicester, no Reino Unido, mostra que, meses depois da alta, sete em cada dez pacientes ainda não se recuperaram totalmente. A taxa, no entanto, vem caindo conforme a medicina aprende a lidar com a Covid-19. O protocolo de internação, por exemplo, mudou: enquanto no começo o doente com insuficiência respiratória acentuada era imediatamente intubado, agora recorre-se primeiro a suportes respiratórios menos invasivos. “Observamos que as sequelas não são necessariamente causadas pela ação do vírus, mas sim resultado de fatores como tempo de internação, complicações da ventilação mecânica e uso intenso de antibióticos”, explica Alexandre Naime, chefe do Departamento de Infectologia da Unesp.

Graças aos novos conhecimentos, a taxa de recuperação dos doentes em estado crítico passou de 10%, entre março e junho do ano passado, para 50%, atualmente. Primeira brasileira a ser intubada por Covid-19, a advogada potiguar Cláudia Costa, 53 anos, contraiu o vírus em uma viagem a trabalho à Inglaterra. Passou 105 dias no hospital e quando despertou da sedação não conseguia mexer nenhuma parte do corpo além dos olhos. Ainda faz fisioterapia para recuperar os movimentos e a capacidade respiratória e sente bastante fadiga. “Estou tendo de reaprender tudo”, diz Cláudia, que pretende lançar um livro sobre sua saga. Ela voltou a trabalhar em esquema de home office há seis meses e está redescobrindo a vida em família. “Ao sair do hospital, não via a hora de reencontrar minhas filhas e passar o máximo de tempo possível ao lado delas e do meu marido.” Também tem um novo hobby: aprendeu a fazer tricô, para ajudar na regeneração motora.

Cláudia Costa, 53 anos, advogada -
Cláudia Costa, 53 anos, advogada – (Cristiano Mariz/VEJA)

“Fui a primeira pessoa intubada no país, quando ainda não se sabia quase nada sobre o vírus. Passei 105 dias hospitalizada e ainda faço sessões diárias de fisioterapia. A experiência foi tão forte que estou escrevendo um livro sobre ela.”
Cláudia Costa, 53 anos, advogada

A fadiga de que Cláudia se queixa é um dos sintomas remanescentes mais comuns entre as vítimas graves da Covid-19, junto com batimentos cardíacos acelerados, falta de ar, dor nas articulações e confusão mental. Contrariando as estatísticas, a médica Mayra Borges, 44 anos, estava grávida de seis meses de seu quarto filho e atendendo remotamente quando contraiu a doença do marido, intensivista como ela, em junho passado. Mayra chegou ao Hospital Brasília, na capital, com metade dos pulmões comprometida, foi intubada no dia seguinte e logo o vírus tomou conta de mais de 90% do sistema respiratório. “Os médicos chegaram a cogitar fazer uma cesariana para salvar o bebê. Mas renascemos, eu e meu filho”, diz ela, que apresentou melhoras em menos de dez dias e, dois meses depois, deu à luz ao saudabilíssimo Benjamim. “Tive medo de não conseguir cuidar dele nem amamentar como fiz com meus outros filhos, mas, milagrosamente, voltei a ser quem eu era antes da Covid-19”, alegra-se.

A recuperação de Bermudes também foi vista como um prodígio amplamente celebrado. No comando de um escritório com 35 000 causas ativas, que defende nomes poderosos como os bancos Bradesco e Citibank e a mineradora Vale, o advogado recebeu centenas de mensagens de figuras nacionais, como os ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso, José Sarney e Michel Temer e todos os ministros do Supremo Tribunal Federal. Em maio, ele voltou a bater ponto quatro vezes por semana no antigo prédio da Bolsa de Valores do Rio, onde fica a sede de sua banca. “Não há como abrir mão de uma opinião do Sergio em decisão importante. Ele é a personificação da palavra advogado”, enfatiza o sócio Marcelo Fontes. Cotado para uma das três cadeiras vagas na Academia Brasileira de Letras, Bermudes planeja escrever sua 17ª obra — um livro de memórias. “Como dizia meu pai, não tenho medo da morte, só pena de morrer”, brinca. Nada como nascer de novo.

Publicado em VEJA de 02 de junho de 2021, edição nº 2740

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