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Médico americano faz sucesso com revista que satiriza a medicina

O criador da revista, Douglas Farrago, investe também em um reality show

Por The New York Times
28 set 2010, 10h46

A revista tem dez mil assinantes que, segundo seu fundador, pagam US$28 por ano

A maioria dos fãs da série Dr. House provavelmente nem percebeu, mas houve duas breves cenas em que os médicos estavam lendo ou carregando uma pequena revista. Para o Dr. Douglas Farrago, porém, aquilo tinha um significado.

Durante 10 anos, Farrago, que é clínico geral, tem sido o supervisor da tal publicação: uma revista médica irreverente, intencionalmente pueril e por vezes escatológica, chamada Placebo Journal. E embora ele não seja um fã de “House”, o merchandising foi apenas um exemplo da veia empreendedora de Farrago.

A medicina é “um emprego algorítmico”, disse Farrago, de 45 anos. “Você não pode simplesmente inventar coisas: ‘Vamos tentar usar geleia’. Então eu quis fazer algo criativo”.

Teve a vez em que, numa conferência médica, ele divulgou um anúncio de “Oxycotton Candy”, trocadilho que, em inglês, parodia o algodão-doce (cotton-candy) ao medicamento Oxycontin, usado com exagero nos Estados Unidos. Os organizadores da conferência “ficaram tão bravos”, lembra ele, “que a segurança disse, ‘Você tem que retirar isso'”.

E houve os slogans para adesivos de pára-choques publicados no Placebo Journal: “Meu outro carro foi perdido numa ação por negligência médica” e “Talvez Hipócrates estivesse errado”. Para não citar a seleção de cartões sobre doenças sexualmente transmissíveis da revista: “Talvez nós namoremos mais um tempo, nos casemos e tenhamos bebês, mas por enquanto você precisa saber que eu tenho um caso grave de sarna”.

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“Eu me orgulho de grande parte desse humor rasteiro”, afirmou Farrago.

Reality show – Dez mil assinantes, segundo ele, pagam US$28 por ano pelo Placebo Journal, que é publicado bimestralmente e cutuca os lapsos do sistema de saúde, ataca médicos, pacientes, seguradoras e empresas farmacêuticas – ou simplesmente apela ao grosseiro.

“Meu público é formado por médicos”, disse Farrago. “Eles veem todas essas coisas. Eles não querem fazer diagnósticos diferenciais e analisar casos complexos. Eles querem simplesmente levar isso ao banheiro e dar boas risadas”.

Mas se Farrago e dois produtores televisivos tiverem êxito em seu mais novo projeto, as pessoas poderão ver um novo lado dele. Os produtores estão planejando um reality show em que Farrago chegaria de pára-quedas a comunidades e ajudaria médicos familiares sobrecarregados a cuidar de pacientes por diversos dias: um tipo de Supernanny da medicina.

“O objetivo é mostrar ao espectador as duas vidas de Doug: o diligente clínico geral que faz todo o possível para ajudar seus pacientes a melhorar e seguir bem, e o autoproclamado ‘Rei da Medicina’, que usa suas habilidades satíricas para se submeter a um sistema de saúde”, segundo Bruce Halford, co-produtor com Jeff Mackler.

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Garrafadas – Farrago sonhava em ser um boxeador profissional como seu irmão Matt, até que, segundo ele mesmo, “eu percebi que não era bom”.

Ele se tornou um treinador de medicina do esporte trabalhando com boxe, mas depois que um de seus boxeadores foi alvejado com garrafas cheias de urina durante uma luta no México, “Eu percebi que aquilo não era pra mim”, disse ele – embora tenha mantido uma forte amizade com o boxeador, Lou Savarese.

Então, antes da escola de medicina, Farrago agachou-se para mexer numa tomada e, para suavizar a dor de seu joelho estourado, “Coloquei algumas toalhas atrás da minha perna”, contou ele. Ali nascia uma engenhoca: o Salvador de Joelhos, um acolchoamento de espuma para amortecer um agachamento.

Imaginando que seu produto ajudaria os receptores no beisebol, Farrago o divulgou nos treinos de primavera e aos treinadores, muitos dos quais “foram muito, mas muito rudes”, disse ele. (Um deles disse que o usaria para defecar na floresta.) Então ele leu sobre a cirurgia no joelho do receptor do Cleveland Indians, Sandy Alomar Jr. Farrago enviou um Salvador de Joelhos ao cirurgião ortopédico de Alomar, e depois de ouvir “ele não gosta disso”, ele percebeu que Alomar o usava durante um jogo da série das divisões. O produto pegou e foi aceito, em 2001, pelo Hall da Fama do Beisebol.

25 macacos – Farrago participou de uma breve iniciativa, em 2000, aproveitando o boom da internet, de oferecer conversas médicas universitárias a médicos por streaming. O site Medlecture.com chegou a valer milhões, mas virou história quando a bolha da internet explodiu. Então, há 10 anos, ele fundou o Placebo Journal.

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“Eu imagino que estava me acabando nesse trabalho”, disse ele. “Todos possuem um macaco nas costas, e querem passar esse macaco para você. Eles iam embora se sentindo bem, mas eu voltava para casa com 25 macacos”.

Apelidando a si mesmo de revista Mad do mundo da medicina, o Placebo Journal traz “Histórias Reais da Medicina” e estranhas chapas de raios-X enviadas por médicos, além de seções como “Meu Munchausen Favorito”, sobre pacientes que inventam ou exageram problemas médicos. A revista adora golpear a indústria farmacêutica e as seguradoras; em 2005, a Cigna HealthCare reclamou ao então empregador de Farrago, um sistema de saúde, quando ele publicou uma pesquisa médica da empresa fictícia “SickNa HealthCare”, com um logotipo similar a arvore da Cigna, mas repleto de folhas mortas.

Médicos e pacientes também dão um bom jogo. Um anúncio de filme em página inteira diz: “Ele fuma. Ele bebe demais. Ele nunca para de comer. Ele raramente sai do sofá. Ele é o Paciente Americano”.

Um anúncio de procura-se médico busca “um farmacologista corrupto” capaz de “criar e produzir tabletes de compostos inúteis e inofensivos, e disposto a vendê-los sob rótulos de narcóticos e/ou tratamento para fibromialgia”.

E numa paródia de oponentes do Gardasil, uma vacina dada a meninas para prevenir o vírus do papiloma humano sexualmente transmitido, o Placebo Journal anunciou “Godasil – a primeira e única vacina baseada na fé”, que “usa um poder maior para gerar imunidade em sua filhinha”.

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“É pueril, é negro, é sombrio”, disse o Dr. Marc Grobman, um médico de Wilmington, Delaware, que exibe os anúncios falsos em seu armário de amostras de medicamentos.

Um favorito: um anúncio para Sexapro, que elimina a libido sexual. Ele enviou diversas anedotas de “coisas tolas que os pacientes dizem”, incluindo a mulher “que pensou ter contraído diverticulite após ser picada pelas folhas de uma árvore de natal”.

A Dra. Theresa Langdon, médica clínica geral em Portland, Oregon, coleciona todas as edições, chamando a revista de “gibi adulto de medicina” (seu marido garimpou a edição de estreia para seu aniversário). “Eu contrabalanceio lendo compulsivamente o New England Journal of Medicine [importante publicação médica]”, disse ela.

Mas nem todo médico ama a publicação, afirmou ela, acrescentando, “Não é difícil ver onde alguém poderia se sentir ofendido”. Ela também considera “um pouco aterrorizante” que seu filho adolescente também leia a revista. “Ele acha que é engraçado e um pouco proibido”, explicou ela. Ainda assim, “é melhor do que a Hustler [revista pornográfica americana]”.

Placebo Television – Farrago também faz a Placebo Television, um falso-noticiário pela web onde ele atua em papéis muitas vezes ridículos, usando perucas e barbas postiças.

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Quando os produtores sugeriram o reality show, após verem Farrago no YouTube, ele definiu regras básicas. Sua vida em casa, incluindo esposa e três filhos, era zona proibida. “Por maior que seja meu ego”, disse ele, “não quero colocar minha família em risco”.

Ansioso por dar destaque aos médicos de família, ele resistiu a sugestões onde ele “entraria como o sabe-tudo e consertaria algo em três minutos” – porque “isso não é a verdadeira medicina familiar”, e um médico não deve “inferiorizar outro médico”.

E quando o executivo de outro show de sucesso disse, “‘E se ele dirigir pelas ruas e tratar pessoas em sua van?’, nós dissemos não”, disse Farrago. “Quem faz isso? O que eu faria, aplicaria uma insulina intravenosa e seguiria meu caminho?”

No piloto, gravado no inverno passado em Milo, uma velha cidade de moinho no Maine, Farrago examinou pacientes do único médico de lá, a Dra. Kathleen Thibault. Ele visitou Danielle Pilon, criando quatro filhos, incluindo um com problemas respiratórios, e informou Thibault que Pilon estava fumando e que sua casa possuía alguns perigos de segurança.

Ele viajou por duas horas até a cidade de Mexico, no Maine, para visitar Bill Johnston, um bombeiro ferido quando um teto caiu sobre ele e que passava por problemas residuais. Subsequentemente, os produtores o gravaram examinando Johnston no consultório de Thibault e pediram que Farrago fingisse não conhecer o paciente, para que a visita em sua casa parecesse ter ocorrido depois. “Isso seria como atuar, e não fico inteiramente confortável com isso”, respondeu Farrago. Mas tentou obedecer.

‘Medicina dura’ – Com pacientes, ele não demonstra absolutamente nada do tom impertinente do Placebo Journal. Ele age de forma simples e direta.

“Como é possível que você esteja sobrevivendo financeiramente?”, perguntou ele a um de seus pacientes, Mark Verrill, um aprendiz de eletricista desempregado sendo examinado depois da morte de sua mãe. “Sem trabalho, a morte de sua mãe. Honestamente, passando por tudo isso, há mais alguma coisa, depressão?”

Depois que Verrill saiu, Farrago disse estar preocupado e que iria ficar de olho nele. “O macaco dele agora está nas minhas costas”.

O reality show foi inicialmente chamado de Doc Holiday, mas após a primeira rodada de gravações foi revisado e renomeado para “Tough Medicine” (medicina dura, em tradução livre). É um programa filosófico.

“Não sou tão cego para deixar meu trabalho para fazer reuniões em Hollywood”, disse ele. “Se o programa de TV funcionar, ótimo. Se não, vou sobreviver. Eu pensarei em alguma outra coisa”.

https://youtube.com/watch?v=-ecjUCkP0Dg

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