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Opinião: O Brasil pode perder com a saída dos cubanos do Mais Médicos

Enquanto se espera que os governos invistam no atendimento de profissionais de cidades com população carente, morre-se por falta de socorro médico

Por Adriana Dias Lopes Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 14 nov 2018, 20h53 - Publicado em 14 nov 2018, 20h30
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  • Oito mil médicos. Esse é o número de profissionais cubanos que deixarão o Mais Médicos depois que o presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL) questionou a preparação dos especialistas, condicionou sua permanência no programa à revalidação do diploma. Disse Bolsonaro no Twitter: “Condicionamos à continuidade do programa Mais Médicos a aplicação de teste de capacidade, salário integral aos profissionais cubanos, hoje maior parte destinados à ditadura, e a liberdade para trazerem suas famílias. Cuba fica com a maior parte do salário dos médicos cubanos e restringe a liberdade desses profissionais e de seus familiares”.

    O governo de Havana não aceitou e, em nota, disse que vai se retirar do programa devido ao fato de o presidente eleito do Brasil “questionar a preparação dos nossos médicos”, e pelo fato de Bolsonaro ter dito que modificaria os termos do programa em condições que Cuba considera “inaceitáveis” e que “descumprem as garantias acordadas desde o início do programa”. “Por isso, diante dessa lamentável realidade, o Ministério de Saúde Pública de Cuba tomou a decisão de não continuar participando do programa, o que foi comunicado à diretoria da Organização Panamericana de Saúde e aos líderes brasileiros que fundaram e defenderam essa iniciativa”.

    No início de 2017, passei uma semana na Bahia, o estado com maior número de médicos do país, depois de São Paulo. Acompanhei o dia a dia de cinco profissionais – dois brasileiros, um suíço e duas cubanas. Egly Exposito Segui, de 42 anos, e Yunia Rodrigues Diaz, de 34, eram de Cuba. As duas atendiam em Xique-Xique, no sertão baiano, cidade de 48.000 habitantes, a 600 quilômetros de Salvador, uma das localidades cujo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) está entre os mais baixos do Brasil.

    Os cubanos são os únicos no programa obrigados a aceitar a indicação do local em que trabalham – não lhes são dadas alternativas, e para onde vão precisam aprender a se virar. Egly e Yunia tinham como instrumentos de trabalho um estetoscópio e um aparelho de pressão. Não era incomum, no fim do dia, terminar a água, os remédios e as vacinas nos postos de saúde em que trabalhavam. Vi uma paciente de Yunia sair de uma consulta com a receita de ingestão de uma infusão de berinjela para aplacar o colesterol, na falta de estatinas. Egly recomendou a uma criança que sofria de dermatite uma pomada e compressas feitas com água de folha de goiabeira.

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    A falta de estrutura e o hábito de tratar a saúde com medidas caseiras sempre foram dois grandes argumentos contrários à presença dos cubanos no programa. Explica-se: a presença cubana mascararia a necessidade de melhorar o cotidiano médico desses locais, impossibilitando, portanto, que os brasileiros ocupassem os postos. Ocorre que a diferença entre as medidas comezinhas e o nada é brutal: salva vidas. Enquanto se espera que os governos invistam no atendimento médico de cidades de difícil acesso e com população extremamente carente, morre-se por falta de socorro médico. Muitos moradores, até a chegada de Egly e Yunia, não haviam jamais sido atendidos por médicos.

    Na época do lançamento do programa, em 2013, no governo Dilma, 80% dos médicos eram cubanos. Em setembro de 2016, Temer anunciou a renovação por mais três anos, estimulando a entrada de brasileiros, com reajuste de 9% na remuneração e a oferta de vagas nas capitais e cidades com mais de 250.000 habitantes. Ainda assim, os cubanos atualmente ocupavam a maior parte dos postos, ocupando 50% das vagas – a maioria em lugares inóspitos.

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    Os cubanos ganham cerca de 3.000 reais mensais, quase um quarto a menos do salário dos integrantes do programa de outras nacionalidades. O valor era conhecido pelos médicos cubanos antes de virem para o país.

    Desde a criação do programa, cerca de 480 médicos foram aprovados no Revalida, colocando o país no segundo lugar no ranking de aprovação entre os estrangeiros – atrás da Bolívia. Nesse mesmo período, 2.100 brasileiros foram aprovados.

    A obrigatoriedade da prova para todos e a exigência do salário integral aos médicos cubanos é um posicionamento compreensível e correto do Brasil no cenário da política internacional – mas desconsidera totalmente a realidade, muito ruim, da saúde do país.

    O Mais Médicos exige reformas, mas seu objetivo primordial vinha sendo cumprido — e com a participação primordial dos 8 mil profissionais cubanos: oferecer acesso a cuidados básicos de saúde onde antes não havia nada.

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