Lifting de bumbum brasileiro: o procedimento que virou preocupação nos EUA
Médicos americanos emitem alerta sobre intervenção estética associada a complicações graves como embolia pulmonar
Conhecida como Brazilian Butt Lift (BBL), a cirurgia para enxertar gordura nas nádegas e levantar o bumbum é uma das mais famosas no exterior. Apesar do nome controverso e até um pouco pejorativo, o procedimento não é tão famoso por aqui. Lá fora, porém, atrai mulheres que querem ficar com o corpo mais próximo do biotipo das brasileiras.
A técnica virou motivo de preocupação entre especialistas americanos, a ponto de ser considerada uma das cirurgias plásticas mais mortais.
De fato, o procedimento está ligado a riscos à saúde, e dados recentes, vindos especialmente do sul da Flórida, sugerem que o número de vítimas e de problemas está aumentando nos Estados Unidos.
“Há pessoas de todo o país vindo para a Flórida, e elas têm tido complicações por causa disso. Infelizmente, precisam receber atendimento hospitalar ou morrerão”, disse o cirurgião plástico Pat Pazmiño, diretor da Miami Aesthetic, ao portal médico MedPage. “É um problema que está afetando todos os Estados Unidos.”
O “lifting de bumbum” se tornou popular nas últimas duas décadas: o número de sessões subiu mais de 800% somente na última década, de 7.382 em 2011 para 61.387 em 2021, segundo a American Society for Aesthetic Plastic Surgery.
A intervenção começa através da coleta da gordura por meio de uma lipoaspiração na paciente. Essa gordura passa por um tratamento e, após ser preparada, é injetada nos glúteos.
Só que essa região tem muitos vasos sanguíneos. Se aplicada no lugar errado ou de forma inadequada, parte da gordura pode passar para dentro das veias e artérias. Isso aumenta o risco de ocorrer uma embolia, a obstrução de um vaso importante por moléculas gordurosas, em áreas nobres como os pulmões. Aí a pessoa pode morrer sufocada, se nada for feito a tempo.
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Flórida mortal
Pazmiño e colegas publicaram recentemente uma análise dos fatores que tornam o sul da Flórida um lugar particularmente perigoso para o BBL. Eles analisaram 25 mortes resultantes de embolia gordurosa pulmonar e descobriram que a maioria das mortes ocorreu após a Fundação de Educação e Pesquisa em Cirurgia Estética (ASERF) dos EUA tentar tornar o procedimento mais seguro.
Mas, segundo pesquisas recentes, estima-se que a taxa de mortalidade para BBLs no local é de 1 em 2.351. Em comparação, a cirurgia plástica de mama tem uma taxa de mortalidade estimada de 1 em 72 mil.
Em 2018, a associação montou uma força-tarefa e emitiu um alerta aos membros para injetar o enxerto de gordura fora do músculo, na região onde já existe gordura, que é menos vascularizada e ofereceria risco baixíssimo de embolia. Os médicos também foram orientados a usar uma cânula rígida – um tubo utilizado em procedimentos das liberações das vias aéreas e outros tipos em procedimentos estéticos – em vez de uma que possa dobrar e injetar incorretamente o enxerto.
Uma pesquisa subsequente com cirurgiões plásticos em 2019 revelou que o aviso e uma campanha de educação pública mais ampla funcionaram: a taxa de mortalidade do BBL teria caído para 1 em 14.952. O Conselho de Medicina da Flórida também introduziu novas regras e punições para os profissionais que desrespeitassem as novas recomendações. Mas o problema não acabou.
Efeito contrário
“Infelizmente, no sul da Flórida, aconteceu o contrário”, escreveram Pazmiño e os coautores em seu estudo recente. De 2019 a 2022, houve pelo menos 12 mortes de embolia pulmonar após BBL na região. Pazmiño bota a culpa nas chamadas “clínicas econômicas de alta movimentação” (“high-volume budget clinics”).
Com a popularização desses espaços, foram expandidos os limites de segurança da cirurgia e profissionais não habilitados a executar o procedimento começaram a colocar mais volume de gordura, analisa Pazmiño. Uma investigação de 2021 da National Geographic descobriu que os cirurgiões de uma clínica estavam executando vários BBLs ao mesmo tempo, alternando entre as salas.
Um cirurgião, John Sampson, que foi proibido de realizar BBLs pelo conselho médico, confessou que a morte de seu paciente aconteceu após sua sétima cirurgia do dia, às 20h31. Outro cirurgião, Sergio Alvarez, disse que mal se lembrava do paciente que matou, de acordo com a transcrição de sua audiência disciplinar.
Alarmado, o conselho médico da Flórida aprovou uma segunda regra de emergência temporária em 2022. Os cirurgiões só têm permissão para realizar três BBLs por dia e precisam ser orientados por ultrassom para ajudar a limitar a colocação de enxertos apenas no espaço subcutâneo.
Pazmiño, que ensina o procedimento, insistiu que é seguro manter os enxertos dentro da gordura subcutânea. Inicialmente, o professor de cirurgia plástica na Universidade da Califórnia, Mark Mofid, concordou, mas ele não tem mais tanta certeza. “Após conversar com colegas do ramo, é difícil para mim afirmar com 100% de confiança que a operação é completamente segura”, disse ao MedPage .
Ele acha que a promulgação de uma lei que proíba cirurgiões plásticos não certificados de conduzir práticas do gênero é a melhor solução. Para Mofid, só assim seria possível zerar a mortalidade pelo procedimento na Flórida.
Por que BBL?
O nome faz referência ao corpo da mulher brasileira. “É chamado de ‘levantamento de bumbum brasileiro’, não porque foi necessariamente inventado no Brasil, mas você pensa em mulheres brasileiras com bundas empinadas e maiores”, explicou Michael Salzhauer, mais popularmente conhecido como Dr. Miami, ao jornal The New York Times.
Em 2018, a Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica se posicionou contra a nomenclatura, “por perigosa banalização de uma cirurgia complexa”. Na nota, a entidade ressaltou que entendia a ligação do procedimento com o Brasil, “já que a mulher brasileira tem a estética mundialmente conhecida pelas suas curvas”. No entanto, era necessário “ter o cuidado de não fazer uma alusão alegórica a um procedimento cirúrgico complexo”.
E que, quando malfeito, pode ser fatal.