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Estudo desvenda como o vírus zika reduz resposta imune em gestantes obesas

Pesquisadores da USP mostraram, pela primeira vez, que associação entre obesidade e infecção diminui capacidade da placenta de proteger o feto

Por Maria Fernanda Ziegler, da Agência Fapesp
Atualizado em 4 jun 2024, 10h51 - Publicado em 27 abr 2023, 13h57

Pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) conseguiram mostrar, pela primeira vez, que a obesidade gestacional associada à infecção pelo vírus zika influencia a resposta antiviral da placenta, ocasionando uma diminuição da capacidade do órgão de atacar o patógeno e proteger o feto. Os resultados do estudo foram divulgados na revista Viruses e, segundo os autores, servem de alerta para a importância do acompanhamento pré-natal adequado de gestantes.

“Normalmente, associamos obesidade na gravidez a problemas como diabetes gestacional ou bebês com alto peso ao nascer, mas é importante ressaltar que as consequências podem ir além disso. Neste estudo, provamos que a resposta imune da placenta, ou seja, que ocorre na interface materno-fetal, fica muito comprometida nesses casos”, afirma Maria Notomi Sato, professora da Faculdade de Medicina da USP e autora correspondente do artigo.

Sato explica que, em casos de infecção pelo zika em gestantes obesas, ocorre uma diminuição tanto na transcrição de genes quanto na produção de proteínas envolvidas na resposta imune. “Ocorre, sobretudo, uma diminuição da via de interferon, proteína extremamente importante na resposta contra qualquer doença viral”, explica.

Vale ressaltar que o vírus zika, assim como o dengue e o SARS-CoV-2, consegue ultrapassar a barreira placentária e infectar também o bebê.

Ação na placenta

Com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), o grupo analisou amostras de placenta de grávidas obesas e não obesas infectadas pelo zika.

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As 30 amostras de gestantes que contraíram a doença foram fornecidas pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Já as de grávidas saudáveis – 38 no total – foram obtidas com a pesquisadora Patrícia Rondó, que coordena um estudo populacional com essa população de mulheres na cidade de Araraquara (SP).

As análises mostraram que, em gestantes obesas, o zika é capaz de alterar morfologicamente a placenta e agravar a insuficiência da via de interferons do tipo 1 na placenta. Isso porque o vírus tem como estratégia de ação inibir a ativação de receptores intracelulares, entre eles RIG-I, IRF-3 e MAVS, prejudicando os níveis de interferon do tipo 1 no organismo infectado. Os interferons são as principais citocinas responsáveis pela mediação da resposta antiviral, pois ativam genes que atuam na diminuição da replicação dos patógenos.

Outro mecanismo de ação do zika é a inibição da proteína STAT2, que funciona como um sinalizador. De acordo com os resultados do estudo, essas estratégias de ação promovem a persistência do vírus na placenta, facilitando sua replicação e transmissão para o feto.

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“As análises placentárias mostraram que, nas gestantes com obesidade não infectadas, não ocorre alteração na expressão transcricional de fatores antivirais ou de expressão do interferon tipos 1 e 3. Já nas amostras de gestantes com obesidade que contraíram o zika observamos uma diminuição da expressão transcricional de RIG-I e IFIH1 [gene precursor da proteína MDA-5]. Essa diminuição resulta em uma resposta antiviral enfraquecida”, explica Anna Cláudia Castelo Branco, doutoranda no Departamento de Imunologia do Instituto de Ciências Biomédicas da USP e primeira autora do artigo.

Microcefalia

O estudo não encontrou uma associação entre obesidade gestacional e microcefalia nos bebês. “Não foi possível mostrar essa relação, pois o estudo foi realizado com um número pequeno de amostras. Trabalhos anteriores concluíram que é no primeiro e no segundo trimestres de gestação que a infecção pelo zika se torna mais crítica para a ocorrência de microcefalia, por questões relacionadas ao desenvolvimento neural do feto. No entanto, tínhamos um número maior de amostras de gestantes obesas que se infectaram no terceiro trimestre”, conta Castelo Branco.

A pesquisadora explica que fatores de risco, como o momento da infecção na gravidez, a ordem da infecção – se primária, reinfecção ou crônica –, o tempo de ruptura da membrana e o tipo de parto podem influenciar na incidência da transmissão para o feto.

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Castelo Branco explica que a obesidade é caracterizada como uma síndrome metabólica de inflamação crônica. “É como se todos os componentes da obesidade – hiperplasia de adipócitos, aumento de gorduras, alteração na microbiota intestinal – deixassem o organismo constantemente inflamado. Porém, trata-se de uma inflamação crônica de baixo grau, o que, por si só, deixa o sistema imune em alerta o tempo todo, numa sucessão de alarmes falsos”, explica.

A pesquisadora afirma ainda que respostas diminuídas a infecções e vacina já foram associadas à obesidade (não no contexto gestacional), sendo esta um fator de risco para doenças de forma geral.

“No contexto da gestação, ainda são poucos os estudos que relacionam obesidade com maior risco de infecções. Nosso estudo é o primeiro a comprovar que há uma diminuição da resposta imune na placenta em gestantes com obesidade infectadas pelo zika”, afirma.

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