A presidente Dilma Rousseff resistiu à pressão dos segmentos religiosos e sancionou, sem vetos, a lei que trata do atendimento no Sistema Único de Saúde (SUS) para vítimas de violência sexual. A lei dá respaldo a norma técnica do Ministério da Saúde em vigor há dez anos, que, por não ser cogente, era com frequência ignorada por enfermeiros e médicos. O anúncio foi feito nesta quinta-feira pelo ministro da Saúde, Alexandre Padilha.
A lei prevê que a rede pública de saúde terá de prestar todo o atendimento “emergencial, integral e multidisciplinar” à vítima de estupro, o que compreende o fornecimento de orientação jurídica e psicológica.
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Dois dispositivos fizeram com que entidades religiosas pressionassem o governo a vetar partes da lei. O primeiro torna obrigatória a oferta de serviços de “profilaxia da gravidez” para vítimas de estupro. Religiosos interpretaram o termo como sinônimo de “aborto precoce”. Na verdade, trata-se de oferecer às vítimas de violência contraceptivos como a pílula do dia seguinte, e manter estoques do medicamento para aquelas que desejarem usá-lo.
Outro ponto contestado é o que impõe o “fornecimento de informações à vítima sobre direitos legais e todos os serviços sanitários disponíveis”. Os opositores à lei argumentavam que a medida sugere que o aborto previsto no Código Penal – em casos de gravidez decorrente do estupro – é um direito.
Alterações – Para evitar ambiguidades, o governo decidiu enviar ao Congresso um projeto complementar à lei. O texto troca o termo “profilaxia da gravidez” para “medicação com eficiência precoce para prevenir gravidez resultante de estupro”. O ministro Gilberto Carvalho, da Secretaria-Geral da Presidência, diz que a correção atende às demandas das entidades religiosas. “Não vejo como alguma pessoa possa vir contra esse projeto. Sei que existe uma discussão do caráter abortivo da pílula do dia seguinte. A maneira como a portaria e a regulamentação determinam, com o tipo de medicamento e o prazo de 72 horas, faz com que tiremos da nossa cabeça qualquer dúvida sobre o caráter não abortivo desse medicamento”, alegou.
O projeto enviado ao Congresso prevê, ainda, uma mudança no conceito de violência sexual. O texto substitui o artigo 2º, que diz que “Considera-se violência sexual qualquer forma de atividade sexual não consentida” para “Considera-se violência sexual toda forma de estupro, sem prejuízo de outras condutas previstas em legislação específica”. De acordo com Padilha, a alteração se deu porque, no formato anterior, crianças e pessoas com deficiência mental poderiam ser excluídas da lei, já que poderiam consentir no ato, apesar de não terem discernimento para isso.
Nesta semana, os ministros Gilberto Carvalho (secretaria-geral da Presidência) e Gleisi Hoffmann (Casa Civil), acompanhados pela ministra Eleonora Menicucci (Secretaria de Políticas para Mulheres), receberam, separadamente, representantes das entidades religiosas e da bancada feminina para colher os últimos posicionamentos sobre o projeto. As informações foram repassadas à presidente Dilma, que tinha esta quinta-feira como prazo final para sancionar ou vetar a lei.