Covid-19: os bastidores e detalhes da vacinação inédita em Botucatu
Projeto, que busca vacinar cerca de 75.000 pessoas em um único dia, foi chancelado pela OMS e pela Fundação Bill e Melinda Gates
No domingo, 16, terá início um projeto único no mundo até o momento. Na ocasião, toda a população com idade entre 18 a 60 anos da cidade de Botucatu, no interior de São Paulo, será vacinada contra a Covid-19. A estrutura montada para a façanha será semelhante à das eleições e vai contar, inclusive, com o apoio do Tribunal Regional Eleitoral.
A iniciativa faz parte de um estudo para avaliar a eficiência da vacina de Oxford-AstraZeneca. Ou seja, como ela funciona na prática. Mas é mais ambiciosa e ampla do que a realizada na cidade de Serrana, também no interior de São Paulo, que busca avaliar a eficiência da CoronaVac, imunizante contra Covid-19 produzido pelo Instituto Butantan.
O novo estudo é resultado de uma parceria entre a Astrazeneca, a Universidade de Oxford, a Fiocruz, a prefeitura de Botucatu, o Ministério da Saúde, o governo federal, a Unesp, o Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Botucatu, e a Fundação Gates, além de avaliar o impacto da vacinação, mas do imunizante de Oxford-AstraZeneca, na transmissão viral, também irá analisar o efeito na transmissibilidade das diferentes cepas. A iniciativa também contou com o apoio da Justiça Eleitoral, da OAB Botucatu, do Ministério Público e da Embaixada do Reino Unido.
Como funciona o estudo
No domingo, 16, toda a população adulta de Botucatu, com idade entre 18 e 60 anos, que ainda não foi vacinada contra a Covid-19, deverá comparecer aos pontos de vacinação que foram organizados em esquema logístico semelhante ao de eleição. Serão 49 pontos de vacinação, em colégios eleitorais e ginásios. Para evitar aglomeração, foram definidos horários por faixa etária, dos mais velhos para os mais jovens: pessoas de 51 a 60 anos devem se dirigir à sua sessão eleitoral das 8h às 10h30; moradores de 41 a 50 anos de idade, das 10h30 às 13 horas; pessoas de 31 a 40 anos, das 13h às 15h30 e moradores de 18 a 30 anos, das 15h30 às 18h. Acompanhantes não são permitidos.
Ao chegar na sessão, um voluntário da Justiça Eleitoral irá checar a documentação. “O título em si não é obrigatório, mas o RG confirma se a seção da pessoa está correta. Também é necessário enviar um comprovante de endereço”, explica o secretário de Saúde de Botucatu, André Sparado, que idealizou este esquema de vacinação. Após a identificação, o morador será encaminhado para outro setor dentro da escola, onde estarão as equipes da Saúde para aplicar o imunizante.
Quem mora na cidade, mas vota em outro município também poderá ser vacinado. Para isso, é necessário ir a um dos quatro pontos de apoio espalhados pela cidade com documento original com foto e comprovante de endereço em seu nome, datado entre outubro de 2020 e março de 2021. Segundo Spadaro, a triagem é necessária para evitar o turismo da vacina. “Teve muita que quis transferir contrato de aluguel e título de eleitor para cá após o anúncio do estudo”, explica o secretário.
No domingo, o objetivo é atingir 80 a 90% do público, o que corresponde a cerca de 75.000 pessoas. Ao longo da semana, a vacinação irá continuar para quem não pôde comparecer no dia 16.
Maior sequenciamento genético do Brasil
De acordo com a coordenadora do estudo, a pesquisadora Sue Ann Clemens, que também liderou o teste clínico fase 3 da vacina de Oxford no Brasil, a pesquisa começa a partir do momento que as pessoas que foram vacinadas apresentarem sintomas da doença e receberem um diagnóstico positivo.
“A partir do momento que a pessoa que tomou a vacina tem algum sintoma, ela vai procurar o sistema de saúde. Quando isso acontece, essa pessoa entra no estudo de efetividade. Vamos realizar o exame RT-PCR e pedir a autorização para que os seus contatos sejam abordados para a realização do teste PCR. Essas pessoas serão acompanhadas até o desfecho da doença ou não.”, explica Sue.
O grande diferencial do estudo, além do rastreio dos contactantes, que ajudará a avaliar a transmissão da doença, já que poderá diagnosticar casos assintomáticos, é que todas as amostras dos exames RT-PCR que resultarem em diagnóstico positivo serão sequenciadas. “É o maior sequenciamento já realizado no Brasil”, afirma Sue.
É justamente esse sequenciamento em massa que vai permitir não só identificar as cepas circulantes, como entender o comportamento de transmissibilidade e a severidade destas cepas e a efetividade da vacina em relação a elas. “Não existe nenhum outro estudo no mundo com essas desse porte, com essas características. Então esse realmente é um estudo único, que estamos muito felizes de poder realizar”, diz a pesquisadora.
Em todo estudo científico é importante ter um grupo controle. Neste não seria diferente. O interessante é que este grupo será composto pelos habitantes das cerca de 20 cidades vizinhas, que buscam o sistema de saúde de Botucatu para a realização de testes diagnóstico de coronavírus.
A previsão é que o estudo dure cerca de 8 meses. Os participantes serão acompanhados por seis meses e são necessários dois meses a mais para análise dos dados. Mas a expectativa é resultados preliminares já possam ser divulgados daqui a dois meses. “A gente quer realmente ter uma análise interina porque isso é importante para a comunidade internacional, a nível de saúde pública, para, por exemplo, ajudar a embasar decisões sobre regras para a entrada em outros países de viajantes brasileiros que estejam vacinados”, explica Sue.
Bastidores
A pesquisadora conta que a ideia inicial surgiu em abril, quando ela foi procurada pelo prefeito de Botucatu, Mário Eduardo Pardini, e pelo secretário de Saúde, o cardiologista intervencionista André Spadaro. Eles já haviam procurado outros fabricantes de vacina, mas a proposta não havia seguido em frente. Com a Universidade de Oxford, o projeto finalmente saiu do papel.
Além da iniciativa da prefeitura, algumas características ajudaram Botucatu a se tornar a candidata ideal para a realização de um estudo deste porte, o que facilitou a captação de financiamento e de grandes parceiros. A cidade já tem um sistema de saúde e de farmacovigilância de qualidade em funcionamento. Eles também já realizavam rastreamento de contatos e testes PCR em todos os casos suspeitos. Além de ter capacidade de fazer o sequenciamento genético tempo real.