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Como funciona o transplante de fezes, que avança pelo SUS

Indicação para desequilíbrio grave da microbiota intestinal, causado principalmente pelo uso excessivo de antibióticos ao longo da vida

Por Diego Alejandro
22 nov 2023, 17h00

Pode parecer estranho, mas, sim, o transplante de fezes é uma área muito promissora da medicina. O tratamento, relativamente novo, é indicado quando pacientes têm algum desequilíbrio grave da microbiota intestinal, causado principalmente pelo uso excessivo de antibióticos ao longo da vida.

O primeiro relato desse procedimento foi feito em 1958, mas no Brasil, o transplante de fezes foi realizado pela primeira vez em 2013. De lá para cá, a técnica chegou ao SUS e tem alcançado resultados animadores, com eficácia que pode ser de 90% entre os pacientes transplantados.

Como Funciona?

Apesar do nome, não são literalmente fezes que são colocadas no paciente doente. O bolo fecal passa por um procedimento para separar as bactérias “boas” – microorganismos presentes no organismo humano que exercem papéis positivos, como ajudar na digestão, fortalecer o sistema imunológico, produzir vitaminas essenciais, competir com bactérias prejudiciais e manter o equilíbrio do microbioma.

Depois, o conteúdo pode ser injetado como pó, após passar por processo de desidratação, ou líquido, a forma mais utilizada, que precisa ser armazenada em um ultrafreezer (-80°C) para garantir sua validade por cerca de quatro meses.

Após tomar um medicamento contra a diarreia e ser sedado, o paciente recebe uma injeção do transplante de amostra fecal no cólon por meio de um tubo de colonoscopia. Ao acordar, “o remédio contra a diarreia segura as bactérias saudáveis no organismo, aumentando as chances de proliferação que auxiliam no tratamento”, explica o infectologista Felipe Tuon, responsável pelo projeto no Hospital Universitário Cajuru,  em Curitiba, no Paraná – um dos hospitais que atualmente pesquisam transplante de fezes no Brasil.

Quem pode Doar?

Um dos grandes desafios do transplante de microbiota fecal é encontrar um doador, já que a sociedade brasileira ainda não possui a cultura de doar fezes e enfrenta desconfiança, falta de informação e dificuldades de compatibilidade. Para facilitar o processo, foi implementado um banco de fezes na PUCPR, em parceria com o Hospital Universitário Cajuru. No Brasil, poucos centros contam com iniciativas semelhantes, e as doações são realizadas conforme a demanda.

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Para ser doador, o candidato passa por exames como hemograma, além de avaliações sobre estilo de vida, hábitos alimentares, prática de exercício físico, ausência de infecções gastrointestinais e a não utilização de antibióticos nos quatro meses que antecedem a coleta. “A triagem é extremamente rigorosa, mais exigente que um transplante de órgão. É feita uma entrevista e uma série de exames de sangue e de fezes para garantir que não ocorra nenhuma transmissão de infecções virais, bacterianas, fúngicas ou parasitárias”, detalha Tuon.

Frente Experimental

Para driblar a resistência aos medicamentos e, ao mesmo tempo, oferecer tratamento adequado, o Hospital Universitário Cajuru realiza transplantes de fezes em pacientes que sofrem de inflamação no intestino grosso, ou seja, colite por Clostridioides Difficile. Com atendimento 100% via SUS, o centro médico tem alcançado bons resultados, com melhora rápida dos pacientes e alta hospitalar. 

A prática, que teve início em 2018, também ganhou uma nova frente de pesquisa para desenvolvimento de um produto à base de microbiota fecal pelo Laboratório de Doenças Infecciosas da PUCPR. “Atualmente, no mercado internacional, temos apenas dois produtos semelhantes ao nosso, um nos Estados Unidos e outro na Suíça”, relata Felipe Tuon.

O tratamento também é um aliado contra as superbactérias, que, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), podem matar 10 milhões de pessoas por ano a partir de 2050. E as possibilidades de tratamento só aumentam com o avanço dos estudos. Uma pesquisa da Escola de Medicina de Harvard, nos Estados Unidos, mostrou que o transplante de fezes pode ser a chave para o tratamento de várias outras doenças, como a asma, esclerose múltipla e diabetes. 

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Isso ocorre porque as fezes humanas agem de forma semelhante a um alimento probiótico, com a presença de bactérias benéficas para o funcionamento do corpo humano. “A microbiota é parte importante do nosso corpo, representando até 90% de todas as células que possuímos, e é formada desde o nosso nascimento. Essa parceria entre o corpo humano e a microbiota é natural, pois ela forma a primeira linha de defesa do nosso intestino e nos auxilia a digerir melhor os alimentos que poderíamos ser incapazes de aproveitar”, explica o gastroenterologista do Hospital Universitário Cajuru, Jean Tafarel.

Falta de Regulamentação

Em 2022, locais como Reino Unido, Estados Unidos e Austrália receberam a aprovação dos órgãos reguladores de saúde locais para realizar o transplante fecal como opção oficial de tratamento contra infecções recorrentes por superbactérias. Inclusive, o Food and Drugs Administration (FDA) órgão regulador americano equivalente à Agência Nacional de Vigilância Sanitária no Brasil, a Anvisa, aprovou dois comprimidos diferentes que funcionam como transplante de microbiota via oral.

Por enquanto, a indicação do uso é para casos de bactéria Clostridium difficile. Mas há estudos em curso para avaliar se a técnica pode ser efetiva para doenças como Síndrome do Intestino Irritável e Doença de Crohn.

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Já no Brasil, a técnica ainda não foi aprovada e regulamentada pela Anvisa e, por isso, não pode ser amplamente oferecida em hospitais. As universidades que oferecem o procedimento estão dentro de um protocolo de pesquisa aprovado pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa — e devem seguir as regras estipuladas no projeto autorizado.

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