O que a microbiota intestinal tem a ver com distúrbios neurológicos?
Revisão feita por pesquisadores da Unifesp inclui doenças como Alzheimer e Parkinson e transtornos psiquiátricos como depressão e ansiedade
Há trilhões de microrganismos, incluindo bactérias, fungos e vírus, no interior do trato gastrointestinal – conjunto que leva o nome de microbiota. É quase o mesmo número de células em um corpo humano. Mas somente de 10% a 20% das bactérias do intestino são iguais às de outros indivíduos.
Os microbiomas diferem imensamente de pessoa para pessoa, já que dependem da dieta, estilo de vida e outros fatores. E influenciam em tudo: saúde, apetite, peso e humor. Isso porque a interação entre a microbiota e o cérebro, seja de forma direta ou indireta, é tamanha, que para alguns pesquisadores é como um “segundo cérebro”, e assim sendo, pode interferir na nossa saúde cognitiva.
Uma revisão recente de pesquisadores da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), publicada em agosto na revista Arquivos de Neuro-Psiquiatria, da Academia Brasileira de Neurologia (ABN), agrupa diversos estudos que mostram a importância da microbiota intestinal na prevenção e tratamento de distúrbios neurológicos e psiquiátricos.
“Compreender a importância de diagnosticar, prevenir e tratar a disbiose é fundamental já que o desequilíbrio microbiano intestinal é um fator de risco significativo para esses distúrbios”, explica Maria Fernanda Naufel, uma das autoras do artigo e pós-doutoranda em Nutrição pela Unifesp.
Doenças degenerativas, epilepsia, distúrbios do sono e de humor são apontados na análise como influenciáveis. A infecção da microbiota intestinal pelo protozoário Toxoplasma gondii, por exemplo, parece causar alterações importantes na composição intestinal, que estão associadas a um fator de risco para o aparecimento de esquizofrenia e transtorno bipolar.
Já o Alzheimer, doença degenerativa, é associada ao mau funcionamento de vários neurotransmissores, como acetilcolina, dopamina, GABA, serotonina, glutamato e norepinefrina, neurotransmissores que dependem de bactérias como E. coli, Bacteroides, Eubacterium e Bifidobacterium, todas encontradas no intestino. Por isso, vários estudos relatam disbiose em pacientes com Alzheimer.
Os sintomas de ansiedade também são frequentes em pacientes com distúrbios gastrointestinais. Mais de 50% dos pacientes diagnosticados com síndrome do intestino irritável têm ansiedade ou depressão como comorbidade. Há indícios que até o Parkinson, doença que provoca tremores, começaria no abdômen. Especialistas da Universidade College London, na Inglaterra, constataram, após analisar milhares de pessoas, que a constipação é uma das primeiras manifestações do distúrbio.
Tratamento
“A primeira orientação que os profissionais de saúde devem compreender e divulgar é a importância de manter um delicado equilíbrio da microbiota intestinal como objetivo prioritário da prevenção da disbiose”, escreveram os autores. Mas é possível prevenir, ou até reverter, desequilíbrios na microbiota intestinal? A resposta é sim.
A flora pode ser modulada para que as bactérias do bem vivam em paz ou voltem a reinar. Uma das dicas do estudo é limitar ao máximo alimentos processados e investir em probióticos, lácteos enriquecidos com microorganismos benéficos à saúde como kefir, iogurte com culturas ativas vivas, vegetais em conserva, chá de kombuchá, kimchi e missô (opções deliciosas, aliás).
Além disso, as dietas devem incorporar alimentos ricos em fibras como frutas frescas, alimentos integrais, grãos, vegetais, legumes e feijões, além de especiarias e alimentos ricos em polifenóis, ácidos oleicos e ácidos graxos ômega-3, todos componentes que nutrem essas bactérias. E elas, por sua vez, agradecem devolvendo vantagens ao nosso corpo. “Os pacientes devem evitar o consumo de ácidos graxos saturados, carboidratos refinados e ingestão elevada de proteínas e/ou açúcar”, escreveram.