Assine VEJA por R$2,00/semana
Continua após publicidade

Carta ao Leitor: Os males do Brasil

Mal saído da pandemia respiratória, que a rigor não terminou, o país não pode mergulhar em nova crise sanitária — soa inadmissível o triste passo atrás

Por Da Redação Atualizado em 9 fev 2024, 11h24 - Publicado em 8 fev 2024, 20h00

No século XIX, ao viajar pelo Brasil, o botânico francês Auguste de Saint-Hilaire (1779-1853) cunhou uma frase provocativa: “Ou o Brasil acaba com as saúvas ou as saúvas acabam com o Brasil”. Em 1928, ao beber da máxima original, o escritor Mário de Andrade (1893-1945) pôs na boca de Macunaíma, o herói sem nenhum caráter, um dístico irônico, retrato de uma postura atávica do país: “Pouca saúde e muita saúva, os males do Brasil são”. Passados dois séculos da percepção de Saint-Hilaire, quase 100 anos da ironia de Mário, é triste perceber que pouca coisa mudou no zelo para com o bem-estar da população. É o que se extrai do surto de dengue que se alastra por diversos estados, em um Carnaval que tem tudo para ser dominado pelo Aedes aegypti, o mosquito vetor da contaminação. A prefeitura do Rio de Janeiro decretou estado de emergência depois de salto inaceitável de casos da doença — mais de 10 000 apenas em janeiro, o maior índice desde 1974, quando a contagem começou a ser feita. No Distrito Federal são mais de 46 000 registros, estatística epidêmica que forçou o governo a instalar um hospital de campanha, como os que foram vistos no período mais crítico da pandemia de Covid-19, apto a receber 600 pessoas por dia. Em São Paulo, a multiplicação acelerada de episódios da doença também preocupa.

O constrangedor — e inaceitável — é saber que em 1958 a Organização Pan-Americana de Saúde chegou a anunciar a erradicação do Aedes. Ele voltaria, contudo, nos anos 1970 e 1980 — em 1986, Rio de Janeiro, Ceará e Alagoas foram severamente afetados, assunto de reportagens de VEJA. Sucessivas campanhas de conscientização e o cuidado com a água parada em buracos e pneus, resultado de urbanização descontrolada e miséria, ajudaram a reduzir, nas últimas décadas, a toada de internações. Agora, porém, deu-se incômodo avanço. E o que parecia resolvido, página virada da história, reapareceu com vigor. A taxa de letalidade da dengue costuma ser baixa, no entanto, mais de quarenta pessoas já morreram nesta estação. Os sintomas mais comuns são perda de peso, náusea, vômitos e dores abdominais, que, muitas vezes, exigem internação. Há riscos severos que não podem ser desdenhados.

PARALISIA - Reportagem de VEJA em maio de 1986 chama atenção para o 'Aedes': quase quarenta anos depois, vive-se mais do mesmo
PARALISIA - Reportagem de VEJA em maio de 1986 chama atenção para o ‘Aedes’: quase quarenta anos depois, vive-se mais do mesmo (./.)

O dado positivo, no avesso da postura da gestão de Jair Bolsonaro durante a Covid-19, transformada em “gripezinha”, é que existe uma boa resposta das autoridades. O prefeito do Rio, Eduardo Paes, agiu com rapidez e antes da folia lançou o alerta. Os serviços de orientação têm crescido, e eles são cruciais para um pedaço do mundo de clima quente e cidadãos empobrecidos. O Aedes aegypti, aliás, foi pauta da conversa do presidente Lula e da ministra da Saúde, Nísia Trindade, com o diretor-geral da Organização Mundial da Saúde, Tedros Adhanom. Mal saído da pandemia respiratória, que a rigor não terminou (e convém cautela na festa), o Brasil não pode mergulhar em nova crise sanitária, por vários motivos — pelas famílias, pelo Erário e porque soa inadmissível o triste passo atrás.

Publicado em VEJA de 9 de fevereiro de 2024, edição nº 2879

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Domine o fato. Confie na fonte.

10 grandes marcas em uma única assinatura digital

MELHOR
OFERTA

Digital Completo
Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 2,00/semana*

ou
Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba Veja impressa e tenha acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 39,90/mês

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$96, equivalente a R$2 por semana.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.