Carta ao Leitor: Bem perto do fim
As lições da Covid-19 não podem jamais ser postas de lado — e a principal delas é que só o conhecimento salva
O mundo como o conhecíamos até março de 2020, quando a Organização Mundial da Saúde (OMS) decretou a pandemia do novo coronavírus, já não existe mais. De lá para cá, ao longo de dois anos e meio, ocorreram 6,5 milhões de mortes — 685 500 apenas no Brasil. É, por larga margem, a mais dolorosa tragédia de nosso tempo, afeita a deixar marcas indeléveis e mudanças abissais de comportamento no cotidiano das relações pessoais e profissionais, com ecos profundos na economia. No auge do surto, avós e avôs tiveram de se afastar dos netos. As escolas fecharam. Empresas faliram e empregos foram dizimados. O home office, com o amparo nas tecnologias de vídeo, virou a norma. O planeta, de fato, se transformou para sempre.
A emoldurar essa revolução paira, ainda, mas talvez agora de modo difuso, uma sensação que sempre acompanhou o ser humano — o medo. O temor de que o ritmo de contaminações volte a se acelerar, de que os hospitais sejam forçados a reservar UTIs exclusivamente para a Covid-19, o receio, enfim, de uma marcha a ré. As recentes informações, contudo, permitem finalmente um respiro de alívio. A pandemia está, sim, perto de acabar. A taxa de transmissão do vírus no Brasil, em maio, a última vez que foi medida, era de 0,70, o que significa que cada 100 infectados transmitiam o vírus para setenta pessoas, dentro de um patamar de controle aceitável do ponto de vista epidemiológico. Em abril de 2020, chegou a absurdos 2,8. O número de mortes diárias está na casa de 42 — a título de comparação, em abril de 2021 o mesmo dado atingia o pico de 3 000. Evidentemente, uma única morte precisa ser lamentada, mas a estatística nos transporta a um ponto de tranquilidade, embora de permanente atenção e zelo, como deve ser com os problemas de saúde pública. Na semana passada, como corolário do que indicam as inflexões das curvas de transmissão e mortes, o cauteloso diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, afirmou que o planeta nunca esteve em “melhor posição para acabar com a pandemia”.
Chegamos aqui por força da ciência e do extraordinário avanço da aplicação de vacinas — na contramão do descaso de algumas autoridades que desdenharam da doença e do desenvolvimento científico, em tosco negacionismo, enfim derrotado. Não podemos esconder o luto, mas convém também não esquecer da rapidez com que foram desenvolvidos os imunizantes que salvaram milhões de vidas. Baseada nesse imenso esforço, a pandemia muito em breve será uma página virada da história, com o sorriso de volta a rostos antes cobertos por máscaras, como se viu recentemente nos espetáculos do Rock in Rio. As lições da Covid-19, insista-se, não podem jamais ser postas de lado — e a principal delas é que só o conhecimento salva.
Publicado em VEJA de 28 de setembro de 2022, edição nº 2808