Carta ao Leitor: A tragédia do nosso tempo
Infelizmente, os números da Covid-19 ainda crescerão. Há, contudo, um movimento positivo, de esperança: a vacinação começa a andar mais rápido
É difícil ter a dimensão histórica de fatos que se desenrolam diante de nossos olhos — muitas vezes, torna-se necessário algum distanciamento para compreender a extensão daquele acontecimento. No caso da pandemia do novo coronavírus, no entanto, não há dúvida: trata-se da maior tragédia do nosso tempo. Crianças em fase de alfabetização deixaram as escolas, pais perderam o emprego, economias em todo o planeta sofreram um baque descomunal. Mas nos lembraremos, de modo indelével, com pranto e emoção, das vidas que se foram: mais de 4 milhões em todo o mundo, até agora. Nos próximos dias, o Brasil alcançará a inaceitável, triste e terrível marca de 500 000 mortes. Não há precedentes. A aids, desde 1981, ao longo de quarenta anos, portanto, matou 350 000 brasileiros. Na Guerra do Paraguai, foram 50 000 perdas de soldados enviados ao combate por dom Pedro II entre 1864 e 1870.
Infelizmente, os números da Covid-19 ainda crescerão, talvez em ritmo menos veloz, porém preocupante. Uma reportagem desta edição de VEJA mostra que, na frieza estatística, a vítima preferencial do vírus, desde a primeira morte registrada no Brasil, há quinze meses, são homens brancos de 60 a 69 anos. Mas não só. Estudo demográfico da Escola de Saúde Pública de Harvard revela que, em 2020, a expectativa de vida recuou 1,94 ano em média no país. E a relação entre nascimentos e mortes, que era de 2,20 para 1 antes da crise, agora é de 1,26 para 1.
Há, contudo, apesar da dor, um movimento positivo, de esperança: a vacinação começa a andar mais rápido. Em alguns estados, foi anunciada a antecipação das vacinas para pessoas com menos de 60 anos. É fato louvável, a ser celebrado — e que, curiosamente, vem acompanhado de um outro efeito, de ordem política. Há uma competição entre governadores, e uma pressão de governadores sobre o governo federal, para saber quem oferecerá antes a imunização. Melhor assim. É briga boa, afeita a iluminar uma irresponsabilidade. Como revelou VEJA na entrevista exclusiva com o ex-secretário de Comunicação do Planalto Fabio Wajngarten, que o levaria a ser chamado a depor na CPI em Brasília, a equipe de Jair Bolsonaro desdenhou das negociações para a compra de doses da farmacêutica americana Pfizer. Se tivessem sido importadas antes, não estaríamos à beira da marca de meio milhão de famílias destroçadas. Muito possivelmente começaríamos a ensaiar uma volta à normalidade, como acontece atualmente nos Estados Unidos e na Europa. Mas o presidente não quis assim — e o tempo perdido foi o atalho para números catastróficos. Que os brasileiros aprendam com a lição de hoje para que tal tragédia nunca mais se repita.
Publicado em VEJA de 23 de junho de 2021, edição nº 2743