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Brasil ganha política de cuidados paliativos, um marco para a finitude

Especialista diz a VEJA que nova estratégia traz dignidade e qualidade de vida ao paciente; investimento anual será de R$ 887 milhões

Por Ligia Moraes 23 Maio 2024, 20h11

Demanda de pacientes e familiares, a implementação da Política Nacional de Cuidados Paliativos (PNCP) no Sistema Único de Saúde (SUS) agora é realidade e foi anunciada em evento do Ministério da Saúde nesta quinta-feira, 23. A política tem como objetivo de proporcionar alívio da dor e do sofrimento em pessoas com doenças graves ameaçadoras ou limitadoras da vida, bem como estender esse cuidado a seus parentes e cuidadores. É um conjunto de ações que visa a valorização da vida e tratar a morte como um processo natural, respeitando os valores culturais e a autonomia dos pacientes.

Em discussão desde o final do ano passado, a estratégia prevê um investimento de R$ 887 milhões por ano e a habilitação de 1.321 mil equipes de profissionais para oferecer suporte e acolhimento aos cerca de 625 mil pacientes que necessitam de cuidados paliativos. Segundo o Ministério da Saúde, as equipes vão exercer atividades nas redes de saúde e também realizarão atendimento domiciliar.

Para Tom Almeida, ativista pelo bem morrer e criador do movimento inFINITO, destinado a ampliar e fomentar as discussões acerca da morte e da finitude, a política é um marco significativo e representa um importante reconhecimento por parte do ministério de que os cuidados paliativos são importantes para a saúde e cuidado da população. E não só estão relacionados com a qualidade de morte, mas também com a qualidade de vida. 

“A lei orienta e articula investimentos nos cuidados paliativos e em formação de profissionais. Com isso, estimula o crescimento desses serviços em todas as instâncias no país”, comemora Almeida. 

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Cuidados paliativos não são sentença de morte

Almeida prevê que as políticas não tenham impactos imediatos na população, devido a processos robustos e mais lentos como formação de profissionais e articulação de investimentos. Porém, a visibilidade que a política trouxe aos cuidados paliativos já pode ser considerada uma grande vitória, pois serve para fortalecer e estimular os profissionais que já atuam nesse serviço, além de fomentar o debate com a sociedade.

“Temos de preparar a população e os pacientes para que nós também possamos reivindicar os cuidados paliativos”, argumenta o ativista. “Hoje existem casos de pacientes que rejeitam os cuidados, pois os entendem como um abandono do tratamento, uma sentença de morte, sendo que, na verdade, é o oposto”, conclui. 

Nesse processo de diálogo, desconstruir alguns tabus é necessário. Assim, é fundamental que os cuidados paliativos sejam desassociados da terminalidade. “Por existir uma quantidade ainda insuficiente desse serviço no país, a equipe de cuidados paliativos, quando implementada no hospital, vai se dedicar ao paciente que está em maior sofrimento” , afirma o ativista. “Assim, por uma questão de logística e disponibilidade, os cuidados acabam se fazendo presentes apenas no final de vida. O que não é ideal e reforça essa associação errônea “, explica.

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A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda que esses cuidados sejam implementados no momento do diagnóstico de uma doença grave que ameaça a vida. Além disso, a oferta antecipada desse cuidado reduz internações hospitalares desnecessárias. No entanto, os serviços ainda são pouco representativos no Brasil e no mundo. Em todo o globo, estima-se que apenas 14% das pessoas que precisam de cuidados paliativos atualmente são assistidos. 

Número que é alarmante visto que, ainda segundo a OMS, a necessidade global de cuidados paliativos continuará a crescer como resultado do envelhecimento das populações e do aumento da carga de doenças não transmissíveis e algumas doenças transmissíveis. As estimativas são que, a cada ano, 56,8 milhões de pessoas, incluindo 25,7 milhões no último ano de vida, necessitam desses cuidados.

Consequências da incompreensão 

Um dos desafios para aumentar o conhecimento sobre esse tipo de atendimento é a resistência é dos próprios profissionais de saúde, tendo em vista que alguns acham já praticam os cuidados paliativos e acreditam que o gerenciamento de dor e de efeitos colaterais é realizado de maneira satisfatória. Por isso, comumente, eles convocam os especialistas em cuidados paliativos só quando não “há mais nada a fazer”.  Outras questões  amplas e complexas surgem nesse debate, como hospitais e instituições de saúde que consideram os cuidados paliativos um investimento desnecessário. 

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“Basicamente, tudo isso vem do não entendimento exato do que são cuidados paliativos, quando na verdade eles são uma boa notícia no meio de uma notícia ruim, que é o diagnóstico de uma doença grave” , esclarece Almeida. 

Para ele, esses cuidados não são só importantes para amenizar a dor física do paciente, mas também para mitigar outras dores como as emocionais e sociais que, geralmente, se manifestam por meio de ansiedade e insegurança em relação ao bem-estar da família, à empregabilidade e à situação financeira do próprio paciente. 

Pacientes em cuidados paliativos vivem mais

Um estudo publicado no jornal acadêmico The New England Journal of Medicine investigou o impacto de introduzir cuidados paliativos após o diagnóstico em pacientes com câncer de pulmão metastático, comparando com aqueles que receberam apenas os cuidados oncológicos padrão. 

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Os cientistas constaram que os pacientes que receberam cuidados paliativos viveram, em média, cerca de 2,7 meses a mais do que aqueles que receberam apenas o cuidado oncológico padrão. Especificamente, a sobrevida média foi de 11,6 meses no grupo que recebeu cuidados paliativos precoces comparado com 8,9 meses no grupo de cuidados padrão.

“Cuidados paliativos trazem dignidade, ou seja, controle e validação da dor. Isso implica um sono de maior qualidade, mais apetite, melhor vida sexual e mais disposição”, afirma o ativista. “Cuidados paliativos é viver mais e viver melhor”, finaliza. 

Entenda a Política Nacional de Cuidados Paliativos

Estrutura e equipes multidisciplinares

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  • Serão formadas 1.321 equipes multidisciplinares compostas por médicos, enfermeiros, psicólogos, assistentes sociais e outros profissionais da saúde
  • Investimento anual de R$ 887 milhões para sustentar essas equipes e promover a educação permanente dos profissionais

Amplo escopo de atuação

  • Cobertura integral do ciclo de vida dos pacientes, oferecendo cuidados paliativos desde o diagnóstico até a fase terminal, independentemente do tipo de doença ameaçadora
  • Inclusão de serviços de telessaúde para ampliar o alcance e a eficácia dos cuidados paliativos
  •  Apoio pelo Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do SUS (Proadi-SUS)

Educação e capacitação

  • Investimento na formação contínua dos profissionais de saúde para garantir que estejam sempre preparados para oferecer cuidados paliativos de qualidade
  • A política visa a criar uma cultura de cuidados paliativos entre profissionais e na sociedade, destacando a importância desses cuidados como um direito essencial de todos os cidadãos

Diversidade de atendimento

  • Os cuidados paliativos serão oferecidos em hospitais gerais, Centros de Atenção Oncológica (CACONs), hospitais especializados em câncer e por equipes do programa Melhor em Casa.
  • Atendimento físico (alívio da dor e outros sintomas), psicoemocional (suporte psicológico), espiritual (de acordo com as crenças do paciente) e social (manutenção do convívio social e acesso a recursos). 

Credenciamento e mapeamento

  • Implementação de um sistema de credenciamento específico para facilitar o acesso aos serviços de cuidados paliativos e obter um panorama preciso da oferta disponível
  • A Academia Nacional de Cuidados Paliativos (ANCP) e a Frente PaliATIVISTAS estão mapeando locais que já oferecem esses cuidados para melhorar a integração e a coordenação dos serviços

Participação e apoio

  • A política foi construída com a participação da sociedade civil, destacando a importância do apoio comunitário e da colaboração entre diferentes setores
  • Extensão dos cuidados também aos familiares e cuidadores, proporcionando suporte emocional e prático durante todo o processo de tratamento

Enfoque humanizado e individualizado:

  • Respeito às preferências, valores e crenças culturais e religiosas dos pacientes, garantindo que suas decisões sejam consideradas e respeitadas
  • Atenção especial na tomada de decisão substituta no caso de crianças e pessoas curateladas ou tuteladas
  • O objetivo central é melhorar a qualidade de vida dos pacientes e seus familiares, proporcionando cuidados que aliviem o sofrimento e promovam o bem-estar

De forma geral, as medidas implicam uma abordagem mais holística e integrada dos cuidados de saúde no SUS, focando não apenas no tratamento da doença, mas também no bem-estar geral do paciente. A implementação da política visa a garantir que os cuidados paliativos sejam acessíveis, eficazes e humanizados, melhorando significativamente a qualidade de vida das pessoas em situação de doença grave no Brasil.

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