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Viciados em telas

Cientistas atestam que a dependência de smartphones afeta a química do cérebro, levando ao desenvolvimento de transtornos como déficit de atenção

Por André Lopes Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 8 dez 2017, 06h00 - Publicado em 8 dez 2017, 06h00

Se você não estiver lendo esta reportagem no celular, uma pergunta: onde está ele agora? A questão fez com que o procurasse? Se respondeu “sim”, é provável que, nos próximos minutos, você não consiga se concentrar neste texto. Quando o aparelho fica fora de alcance, um sentimento de ansiedade costuma tomar conta do usuário, bastando porém tê-­lo em mãos para o alívio ressurgir. Se isso é comum no seu dia a dia, deve-se acender o sinal amarelo. De acordo com um estudo liderado por pesquisadores da Universidade de Seul, na Coreia do Sul, divulgado no último dia 30, a dependência de smartphones já pode ser, sim, chamada de vício. Isso porque seu uso excessivo produz alterações químicas no cérebro, com reações e síndrome de abstinência em moldes semelhantes ao que acontece com dependentes de drogas.

Rembrandt? – Estudantes parecem preferir a tecnologia à clássica pintura (Gijsbert van der Wal/Reprodução)

No trabalho sul-coreano, os cientistas usaram um tipo particular de ressonância magnética que analisa a composição química do cérebro para observar hábitos de dezenove adolescentes clinicamente diagnosticados como viciados em celular. Depois, compararam os resultados com os de grupos de jovens que usam o dispositivo mas não eram tidos como dependentes. No estudo também se levou em conta quanto o convívio com a tecnologia afetava o contato com familiares, a produtividade e a forma de lidar com emoções. Num resultado previsível, os adictos apresentaram maiores níveis de depressão, ansiedade, insônia e impulsividade. Mas novidade maior, mesmo, foi a descoberta de como a nomofobia — eis o termo que descreve a dependência de smartphones — afeta a química cerebral.

Os jovens dependentes apresentaram oscilações na presença dos ácidos gama-aminobutírico, glutamato e glutamina, todos ligados a dois neurotransmissores responsáveis pelo funcionamento da atividade cerebral. Quanto maior o nível de alteração deles, mais grave era o quadro de dependência. Pode-se ter uma sólida dimensão do problema quando se considera que, em países desenvolvidos, 92% dos adolescentes acessam a internet todos os dias, em geral por meio de telefones móveis. Um típico usuário costuma tocar mais de 2 600 vezes na tela do celular por dia.

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Esse dispositivo pode dominar a atenção de jovens e crianças mesmo diante das maiores maravilhas do mundo real — a exemplo de obr­as-primas como A Ronda Noturna, que o holandês Rembrandt (1606-1669) pintou em homenagem aos civis que fiscalizavam as ruas de Amsterdã. Entre 2015 e 2016, viralizou na internet um meme no qual um grupo de estudantes virou as costas para o quadro clássico e ficou fascinado com outra tela — a do próprio celular. Depois que a imagem se espalhou, descobriu-se que o grupo, na verdade, realizava pesquisas ligadas a um trabalho escolar. Mas a cena acabou ficando como o emblema de uma realidade: a capacidade quase infinita dos smartphones de atrair a atenção juvenil mesmo quando os adolescentes estão diante de outras maravilhas do engenho humano.

Está na mente – Jovem chinês, considerado viciado no dispositivo, tem o cérebro analisado em uma clínica de Pequim (Kim Kyung-Hoon/Reuters)

O uso constante do aparelho prejudica especialmente os jovens, membros de uma geração que nasceu conectada, cuja mente e hábitos ainda estão em formação — podendo influir nos processos de aprendizagem. Adolescentes que usam o aparelho em excesso apresentam tendências maiores a desenvolver déficit de atenção, fobia social, depressão e compulsão para acessar redes sociais. No ano passado, pesquisadores da Universidade de Kaohsiung, em Taiwan, publicaram um trabalho no qual relacionaram a dependência com transtornos mentais. Pela análise do comportamento de 2 300 adolescentes, concluiu-se que 10% deles possuíam algum tipo de alteração cognitiva ligada à nomofobia.

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Extremo – O inglês Danny Bowman: a selfie e a tentativa de suicídio (//Reprodução)

Estudos como esse procuram confirmar uma suspeita deste século: será que a ascensão das redes sociais e dos smartphones tem relação direta com o aumento dos casos de depressão e ansiedade entre jovens? Ao longo da última década, o número de crianças e adolescentes americanos internados em hospitais por suspeita de quadros depressivos mais do que dobrou. Em paralelo, a taxa de suicídio entre os indivíduos da mesma geração também cresceu com igual intensidade. Suspeita-se que o isolamento proporcionado pelas novas tecnologias tenha influência no aumento dos índices. Nos Estados Unidos, o tempo médio que os jovens dedicam diariamente ao celular passou de uma hora e meia, em 2012, para duas horas e meia, no ano passado. A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, órgão ligado à ONU, considera que a Inglaterra apresenta o cenário mais grave: um em cada três adolescentes já pode ser considerado viciado por ficar on-line mais de seis horas diariamente.

Como saber se um filho ultrapassou os limites? Uma das diferenças entre o uso saudável e a dependência está no nível de inquietação quando o dispositivo não está por perto. “Para os viciados, as manifestações emocionais decorrentes de não poder acessar o aparelho, como quando acaba a bateria, são semelhantes às apresentadas durante casos de abstinência de drogas como álcool. O indivíduo costuma exibir alterações como sudorese, ansiedade, irritabilidade e comportamento agressivo”, explica a psicóloga Sylvia van Enck, pesquisadora do Grupo de Dependências Tecnológicas da Universidade de São Paulo.

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Um caso extremo, e hoje referência para estudos, ocorreu em 2012. O inglês Danny Bowman, então com 16 anos, tentou se matar, segundo ele próprio, por não ter conseguido tirar uma “selfie perfeita”. O rapaz dedicava, à época, dez horas de seu dia em busca das melhores fotos de seu rosto. Durante esse período, ele abandonou a escola, perdeu peso e desfez amizades. A cura só veio com a abstinência forçada: Bowman passou por um duro tratamento que consistia em de­ixá-lo longe do smartphone.

No Brasil, existem clínicas, como o Instituto Delete, no Rio de Janeiro, que promovem esse tipo de tratamento. A iniciativa segue os passos de países como Estados Unidos, Inglaterra, Japão e China, as principais referências nesse campo de trabalho e onde a nomofobia é tratada como um problema de saúde pública. Na Califórnia, as clínicas especializadas no tratamento contra a nomofobia são cada vez mais populares. No Japão, o Ministério da Educação lançou um projeto nas escolas para oferecer psicoterapia a jovens que se sentem dependentes do celular. Um aviso, contudo, deve ser feito para todas as idades: é difícil ter noção, sozinho, de quando se está dependente dessas novas tecnologias. Os especialistas indicam uma forma de acender o alerta: note se o uso demasiado do smartphone está interferindo em sua produtividade no trabalho ou no tempo dedicado à família e aos amigos. Se isso estiver acontecendo, é um sinal de que, talvez, as coisas não estejam indo de modo satisfatório. Como em tudo na vida, também para o celular vale o conselho de ouro: use com moderação.

Com reportagem de Carla Monteiro

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O celular é posto à prova

Liberado – Em São Paulo, uso autorizado: celular na sala de aula (Rivaldo Gomes/Folhapress)

Em 2016, a Universidade de Singapura realizou um estudo para avaliar se a inclusão de aparelhos tecnológicos na sala de aula ajudaria ou prejudicaria o desempenho dos estudantes. Os pesquisadores monitoraram o comportamento de cerca de 100 alunos, com idade entre 18 e 29 anos, quando estavam com e sem o smartphone dentro da classe. Aqueles que tiveram o celular removido apresentaram, em testes acadêmicos, notas 17% menores do que os que foram autorizados a portar o dispositivo.

A conclusão dos especialistas: os jovens, hoje, estão tão conectados que forçar um hábito diferente, como ficar off-line, deixa-os demasiadamente ansiosos, a ponto de afetar sua capacidade cognitiva. Como Singapura costuma figurar entre os líderes mundiais em educação, o que só aumenta a credibilidade do trabalho realizado no ano passado, talvez seja realmente positiva a decisão do Estado de São Paulo de liberar o uso de celulares nas salas das escolas públicas.

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Os aparelhos estavam proibidos nos colégios paulistas desde 2007. Segundo o governo, decidiu-se reverter a ordem porque a aprendizagem “deve acompanhar o uso de novas tecnologias”. A medida adapta o ensino ao século XXI, tempo em que 95% dos adolescentes levam seus smartphones para a escola e 92% admitem trocar mensagens mesmo durante as aulas.

Apenas dar aval às “novas tecnologias”, no entanto, pode ser uma má escolha. Uma pesquisa da London School of Economics, realizada com 130 000 estudantes, descobriu que o uso de celular sem monitoramento faz com que a nota dos jovens que recorrem ao gadget seja até 14% mais baixa. Outro estudo, desta vez da Universidade Stanford, nos Estados Unidos, mostrou que a solução para modernizar o ensino, sem fazer com que professores disputem a atenção com os smartphones, pode ser o m­­eio-termo: permiti-los, mas com fiscalização. Uma sugestão é a criação de aplicativos que possibilitem o acesso só para estudar o conteúdo apresentado em classe, e nada mais. Assim, os jovens poderão usar o celular, tal como desejam, mas com objetivo apenas pedagógico.

 

Publicado em VEJA de 13 de dezembro de 2017, edição nº 2560

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