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Simplicidade premiada

Os melhores professores do mundo, destacados no prestigiado Global Teacher Prize, mostram que a excelência não depende de muito dinheiro

Por Maria Clara Vieira, de Dubai
Atualizado em 23 mar 2018, 06h00 - Publicado em 23 mar 2018, 06h00

No coração do luxo e da opulência, chefes de Estado enrolados em túnicas bordadas de ouro, sentados ao lado de notáveis vindos do mundo todo, participaram no domingo 18 de uma cerimônia suntuosa em Dubai, a cidade das mil e uma extravagâncias. Seu propósito: homenagear professores. No ponto alto da noite, a inglesa de origem grega Andria Zafirakou, de 39 anos, foi anunciada ganhadora do Global Teacher Prize, o mais prestigiado prêmio na área de educação. O que ela e os outros grandes mestres indicados ao troféu (incluindo um brasileiro) fizeram para chegar ao panteão do ensino? Todos provaram que o caminho para a excelência, mesmo neste século de tantas chacoalhadas no modo de produzir e absorver conhecimento, passa por ideias simples e bem executadas, que não demandam invencionices nem muitos recursos, como tanto se apregoa.

(./VEJA)

A escola em que Andria dá aulas de arte localiza-se na rica e desenvolvida Londres, só que longe dos recantos turísticos. A Alperton Community School fica em Brent, subúrbio de imigrantes na periferia da capital onde se ouvem cerca de 150 idiomas e dialetos. Em Brent, um terço de suas crianças vive na pobreza. O bairro tem a segunda maior taxa de homicídios do país, com alta incidência de gangues e tráfico de drogas nos arredores da escola. Andria entendeu que não iria a lugar nenhum se não se aproximasse para valer de alunos e pais. Por isso, aprendeu termos básicos de 35 línguas, entre elas híndi, árabe e, sim, português. “Ouvir um bom-dia em seu idioma faz com que os estudantes se sintam acolhidos e percebam que o professor está disposto a entendê-los. Fez toda a diferença”, explica ela, que mobilizou os colegas para garantir segurança no trajeto dos alunos, horários mais flexíveis e um currículo que leva em conta a diversidade étnica.

Praticando tolerância e incentivando a resiliência, duas das celebradas habilidades socioemocionais que a escola moderna se empenha em desenvolver, Andria instalou a Alperton School entre as melhores da Inglaterra. No domingo à noite, sentindo-se uma artista no Oscar, ela viu o piloto Lewis Hamilton levar ao palco o prêmio que lhe foi entregue pelo xeique Mohammed bin Rashid Al Maktoum, de Dubai. Dirigido a professores que apresentem algum trabalho transformador no âmbito da chamada educação globalizada, o Global Teacher Prize funciona como um indicador do que dá certo na sala de aula. Há ali bons exemplos de atividades fora das quatro paredes da classe, de proveitosa aproximação da escola com a família e de como aplicar a tecnologia para atrair alunos que nasceram imersos nela — tema que desafia os educadores.

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Um dos integrantes da prestigiosa lista composta de dez finalistas foi Diego Mahfouz, de 30 anos, diretor da escola Darcy Ribeiro, em São José do Rio Preto. Em 2014, quando Mahfouz assumiu o cargo, a taxa de evasão era de 200 alunos por ano, as salas de aula estavam depredadas e traficantes agiam à vontade nas redondezas. “No meu primeiro dia de trabalho, puseram fogo no banheiro e viraram tambores de lixo na minha direção. Minha reação foi dizer aos alunos que queria ouvi-los. Aquilo os pegou de surpresa”, conta ele. Mahfouz ouviu revolta e desinteresse e entrou em ação. Pôs os vinte funcionários para limpar e pintar o prédio, introduziu aulas de música e de esportes, organizou um show de talentos aberto ao público nas sextas-feiras (quando quase ninguém aparecia na escola) e passou a ir pessoalmente à casa dos alunos com alto número de faltas. Tornou-se especialista em mediar conflitos. “Às vezes, os pais chegam estressados e ele os acalma. Tem um dom inigualável para escutar”, elogia a coordenadora pedagógica Gileusa Cartanezi.

OUVIU E FEZ – Mahfouz, o finalista brasileiro: recuperação de escola depredada (Ivan Feitosa/SMC/.)

Outro finalista, o professor Jesus Insilada, de 40 anos, que dá aula a crianças abaixo da linha da pobreza em um vilarejo nas Filipinas, teve a ideia de usar os pontos de um tricô típico da região para ensinar matemática. Cativou seus alunos e abriu-lhes a mente com um método simples e que pode ser replicado em qualquer cultura — um dos requisitos para concorrer ao prêmio. O colombiano Luis Miguel Gutierrez, de 36 anos, por sua vez, contribuiu para a redução dos índices de gravidez na adolescência e bullying em sua escola ao inserir aulas sobre sexualidade e gênero no currículo. “Os melhores professores entendem que a realidade fora da escola impacta o aluno e tentam influenciar nesse sentido também”, diz o indiano Vikas Pota, presidente da Fundação Varkey, entidade sediada em Dubai, um dos sete emirados dos Emirados Árabes Unidos, que criou o prêmio em 2015.

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A turca Nurten Akkus, de 33 anos, instalou na sua pré-escola um projeto no qual os responsáveis pelos alunos sentam na sala de aula para ler para as crianças toda semana. “Elas ficam maravilhadas ao ver o pai ou a mãe tendo contato com os coleguinhas”, diz Nurten, que conhece e visita cada família. Presente na entrega do prêmio em Dubai, a especialista Claudia Costin, ex-secretária de Educação do Rio de Janeiro, enfatiza uma característica que une os bons professores: “No lugar de se expressarem de forma empolada, em ‘pedagoguês’, eles falam na língua dos alunos, inclusive por meio de WhatsApp e Facebook”. Outro elo entre os educadores candidatos ao prêmio é tratar os estudantes individualmente, inclusive na hora da avaliação. “Sinto que meus alunos precisam mais de feed­back do que de notas”, diz Barbara Zielonka, professora do ensino médio na Noruega que usa e abusa de smart­phones e tablets na sala de aula e faz questão de que sua turma seja fluente em linguagens digitais.

CHINA – Aula digital: tecnologia para ensinar quem já nasceu dentro dela (VCG/Getty Images)

Por trás do prêmio da Fundação Varkey está o discretíssimo bilionário Sunny Varkey, filho caçula de um casal de indianos que emigrou para os Emirados Árabes Unidos em 1959 e lá fundou a primeira escola da família, voltada para estrangeiros. Era o embrião do Global Education Management Systems, ou Gems, o maior grupo de escolas particulares do mundo, com mais de setenta colégios na Ásia, Europa e Estados Unidos. Ganhar o Global Teacher Prize é uma façanha, e a empolgação de Andria ao ouvir seu nome — acompanhado de música e chuva de papel picado — mostrou isso. Sem falar no milhão de dólares que ela vai receber ao longo de dez anos — desde que continue dando aula pelos próximos cinco. Mas estar entre os dez finalistas também não é pouca coisa: neste ano o processo teve mais de 30 000 inscritos de 173 países. “Levamos em conta as diferenças de origem, mas frisamos para os avaliadores que, embora o contexto seja importante, a prioridade é a capacidade de ensinar”, explica Vikas Pota. Professores, mobilizem-se: o Global Teacher Prize 2019 vem aí.

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Publicado em VEJA de 28 de março de 2018, edição nº 2575

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