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Repúdio a todos

Protestos que varreram o Irã na última semana começaram como tentativa de manipular as massas, mas saíram do controle e expuseram as fragilidades do regime

Por Diogo Schelp Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 31 jan 2018, 15h23 - Publicado em 5 jan 2018, 06h00

Durante uma semana, as cidades do Irã, em especial as do interior, foram tomadas por protestos populares. As manifestações se iniciaram na quinta-feira, 28 de dezembro, em Mashhad, a segunda maior cidade do país, incitadas por um clérigo local, contra o alto custo de vida e, especificamente, contra um recente aumento no preço do ovo. O alvo principal das palavras de ordem era o presidente Hassan Rouhani. Nos dias que se seguiram, as pessoas foram às ruas em dezenas de outras localidades, inclusive na capital, Teerã, para demonstrar uma insatisfação mais ampla com a classe política do país, a corrupção, o desemprego, as guerras por procuração que estão sendo travadas em países vizinhos e os privilégios da elite religiosa. Ao lado de “Morte a Rouhani”, ouviram-se os gritos de “Fora da Síria, olhem para nós”, “O povo é indigente, enquanto os mulás vivem como deuses”, “Abaixo a República Islâmica”, “Não aos conservadores e também aos reformistas” e “Morte à Guarda Revolucionária”, em referência à milícia que dá sustentação à ala conservadora do regime e que é responsável por seu aparato repressivo.

Protestos no Irã
Manifestante iraniano morto a tiros pela polícia, em Dorud, no oeste do país (SalamPix/Abaca/Sipa USA/Newscom)

Houve até slogans favoráveis à corrupta monarquia deposta pela Revolução Islâmica em 1979. Em uma teocracia brutal como a iraniana, em que a defesa do fim do regime dos aiatolás pode ser punida com pena de morte, é preciso estar muito desesperado para expor as frustrações em público de forma tão contundente e ousada. Nem o Movimento Verde, como ficaram conhecidos os protestos que reuniram centenas de milhares de pessoas em Teerã, em 2009, foi tão longe. Na ocasião, a multidão, formada majoritariamente pela classe média do país, protestou contra a eleição fraudulenta do radical Mahmoud Ahma­dine­jad em detrimento do candidato reformista. Agora, foi a parcela mais pobre da população que tomou as ruas — em menor número, é verdade, mas de forma mais violenta e desordenada. Não foi um movimento contra o preço do ovo. Foi contra a própria essência do regime e seus desmandos. Mais de vinte pessoas foram mortas e centenas foram presas na repressão aos protestos. A Guarda Revolucionária decretou que os distúrbios haviam sido controlados na quarta-feira 3. Mas os problemas dos aiatolás podem estar só começando.

Estrangulado por anos de sanções internacionais, cujo objetivo era dissuadir o país de seguir com seu projeto de ter uma bomba atômica, o Irã apresenta uma taxa de desemprego de 40% entre os jovens e dificuldade para pagar em dia os salários da sua inchada máquina pública. Em 2016, o presidente Barack Obama aliviou as sanções como parte de um acordo que congelou o programa nuclear iraniano. “O Irã agora pode exportar petróleo e comprar aviões, por exemplo. Mas ainda há restrições que impedem o crescimento de outros setores não petroleiros”, diz Siavush Randjbar-­Daemi, professor de história do Irã na Universidade de Manchester, no Reino Unido. “As mudanças não foram suficientes para melhorar significativamente a economia, mas o governo não tem mais como pôr a culpa nas sanções”, diz o cientista político Emanuele Ottolenghi, especialista em temas iranianos da Fundação de Defesa das Democracias, com sede em Wa­shington, nos Estados Unidos. A população prefere atribuir a situação ruim em que se encontra à negligência, à incompetência e à corrupção da elite política e religiosa.

Hassan Rouhani
Disputa interna - O presidente Hassan Rouhani em encontro no dia 1º com parlamentares: em pauta, os protestos (Iranian Presidency/AFP)

As forças políticas que comandam a República Islâmica do Irã, porém, estão longe de ser um bloco monolítico. A disputa entre moderados (ênfase em “República”) e conservadores (foco em “Islâmica”) existe desde a sua fundação, em 1979. O presidente Rouha­ni, considerado um moderado para os padrões iranianos, foi eleito pelo povo, mas seu poder é limitado pelo Conselho dos Guardiães, que zela pela pureza ideológica do regime e aconselha o líder supremo do Irã, o aiatolá Ali Khamenei. Como parte de um plano para sanear as contas do Estado, que incluiu o corte de subsídios que beneficiavam os mais pobres, Rouhani tentou aumentar a tributação de grandes conglomerados religiosos e instituições ligadas à Guarda Revolucionária, mas fracassou.

É possível que os protestos da última semana tenham nascido justamente desse embate. No mês passado, aliados do presidente vazaram a proposta orçamentária do governo, expondo detalhes que sempre ficaram longe do conhecimento público, como os bilhões de dólares gastos com a elite clerical e as aventuras militares em outros países. O documento foi assunto de debates indignados entre os iranianos nas redes sociais. Suspeita-se que o clérigo conservador que organizou o protesto do dia 28 em Mashhad pretendia constranger Rouhani, em revide à divulgação dos segredos orçamentários. A iniciativa teve o efeito reverso e a “revolta do ovo” tornou-se uma “revolta contra todos”.

Com reportagem de Leonardo Coutinho, de Washington

Publicado em VEJA de 10 de janeiro de 2018, edição nº 2564

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