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Para a história

Coluna publicada em VEJA de 4 de outubro de 2017, edição nº 2550

Por Roberto Pompeu de Toledo
Atualizado em 29 set 2017, 06h01 - Publicado em 29 set 2017, 06h00

Nenhuma futura história da Operação Lava-Jato será completa se não incluir a festa do sexagésimo aniversário do advogado Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay. Nenhuma futura história do Partido dos Trabalhadores será honesta se não reservar lugar de honra à carta de desfiliação do ex-ministro Antonio Palocci. Não é sempre que isso ocorre: em poucos dias, dois eventos para a história.

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Antônio Carlos de Almeida Castro, além de competente, é um advogado pop. Obrigatório é, em seguida a seu nome, pespegar uma vírgula e esclarecer: o Kakay. A barba e os longos e despenteados cabelos acusam um espírito de Rock in Rio. Para comemorar o aniversário, ele reuniu 220 convidados num programa em Lisboa cujos pontos altos foram um jantar, no dia 22, no Palácio de Xabregas, edificação com quase dez vezes a idade do aniversariante, e um almoço no dia seguinte nas vinícolas de Torres Vedras. Os convidados já estavam reunidos antes na capital portuguesa. Na véspera do início das comemorações, Kakay deixou-os por 24 horas para, no STJ, em Brasília, defender seu mais novo cliente, Joesley Batista. Voltou como foi, num jatinho, numa demonstração de poder, riqueza, consciência profissional e saúde para emendar travessia oceânica, trabalho, outra travessia oceânica e prolongada festa. O jantar no Palácio de Xabregas teve show de Carminho, a mais requisitada cantora portuguesa do momento.

Não é intenção do colunista meter sua mal-humorada colher no chantili da festa para a qual não foi convidado. Cada um festeja como quer e pode. A festa entra nestas linhas — e na história — porque desvenda um efeito pouco enfatizado da Lava-Jato, o da bonança que trouxe para a elite da advocacia criminalista no país. A Lava-Jato vem proporcionando ao Brasil uma coleção de recordes. Por múltiplos critérios — extensão, duração, número de participantes, valores envolvidos —, é o maior caso de corrupção desvendado no mundo. Os 51 milhões de reais no apartamento administrado pelo ex-ministro Geddel configuram possivelmente outro recorde. A festa de Kakay, à qual se fizeram presentes vários colegas com atuação na Lava-Jato, celebrava em paralelo o caso criminal que detém, se não a maior, uma das maiores concentrações de réus milionários do mundo, com a consequente transferência de bocados dessas fortunas aos advogados. Se esse dinheiro tem origem em fontes ilícitas, é outra história. Kakay, além de simpático, é interessante a ponto de incluir no discurso aos convidados a frase: “Bem-­vindos ao meu delírio”.

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Entre os muitos trechos capitais da carta de Palocci, fiquemos com dois. O primeiro é a seguinte frase: “Um dia Dilma e Gabrielli dirão a perplexidade que tomou conta de nós após a fatídica reunião na biblioteca do Alvorada, onde Lula encomendou as sondas e as propinas, no mesmo tom sem-cerimônia, na cena mais chocante que presenciei do desmonte moral da mais expressiva liderança popular que o país construiu em toda a nossa história”. As palavras arrasadoras — perplexidade, fatídica, chocante, desmonte moral — reconstroem uma cena de filme. Era a biblioteca do Alvorada, mas podia ser o interior esfumaçado de um bar clandestino, garrafas espalhadas pela mesa, nos Estados Unidos da Lei Seca. O chefão reúne os lugares­-tenentes e determina: mandem comprar os navios, e desde logo avisem qual vai ser a nossa parte. Ao deixarem o bar, os lugares-tenentes entreolham-se, assustados: — Vocês viram a frieza com que ele fala essas coisas? Como chegamos a esse ponto?

O outro trecho é uma pergunta: “Somos um partido político sob a liderança de pessoas de carne e osso ou somos uma seita guiada por uma pretensa divindade?”. A questão nos leva a uma entrevista do historiador italiano Loris Zanatta a Sylvia Colombo, do jornal Folha de S.Paulo. Especializado em América Latina, Zanatta identifica um conteúdo religioso em movimentos como o peronismo, o castrismo e o chavismo, que chama de populistas. “No liberalismo e na tradição ilustrada o povo soberano é o povo da Constituição. Este povo é dotado de direitos e se concebe um pacto racional e plural entre os atores”, afirma. Nos movimentos populistas “se pensa o povo como algo acima do pacto político racional”; vigora a ideia de que “existe um povo mítico acima da Constituição”, “um povo bíblico a caminho da redenção”. Zanatta não fala no PT, mas a identificação dos petistas com os movimentos citados indica que a resposta correta à pergunta de Palocci é: “O PT é uma seita”.

Publicado em VEJA de 4 de outubro de 2017, edição nº 2550

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