Os mais ou menos
'Os Incríveis 2' tem ação, humor e comentário social, como o filme original, de 2004. Só que traz o sabor inconfundível das fórmulas repisadas
O primeiro Os Incríveis, de 2004, era um filme que se poderia chamar de revolucionário: ao tratar de uma família de super-heróis obrigada a viver na normalidade (o uso de superpoderes foi banido), a animação do diretor Brad Bird falava com contundência surpreendente da exaltação contemporânea da mediocridade, da dinâmica familiar da classe média americana, do ego frágil dos homens de meia-idade e da inoperância de um poder público tolhido pela burocracia e escravizado pela opinião popular — tudo isso em meio a tiradas humorísticas dignas da era de ouro de Hollywood, e com cenas de ação tão audaciosas quanto as de um 007. A ação, o humor e a crítica ainda estão lá, mas aquilo que antes era rasgo de criatividade ressurge agora, em Os Incríveis 2 (Incredibles 2, Estados Unidos, 2018), do mesmo Brad Bird, como a repetição de uma fórmula. É uma ironia que muito da tônica desta continuação recaia sobre a maneira como a cultura corporativa se apropria do que é único e original para seus próprios fins: nestes catorze anos, também a produtora Pixar passou por um processo de massificação corporativa, como atestam o recente Carros 3 e o filme que estreia nesta quinta-feira.
Beto Pêra, vulgo Sr. Incrível, agora sofre o que considera uma humilhação: a Mulher-Elástica é quem virou a estrela e também a provedora da família, graças ao patrocínio de uma dupla de irmãos milionários e muito marqueteiros. A Beto, cabe descobrir que bem mais desafiador do que ser súper é cuidar de uma menina transtornada pela adolescência, um menino energizado pela puberdade e um bebê que em dois segundos vai de anjinho a demônio (mesmo: este é um dos seus variados poderes). Empoderamento feminino e troca de tarefas no lar são tópicos do momento — mas a Pixar não costumava ser assim tão óbvia nas suas abordagens.
Publicado em VEJA de 27 de junho de 2018, edição nº 2588