■ “SUJE-SE GORDO” é um conto pouco comentado de Machado de Assis. Nele, o narrador recorda um caso enigmático, que lhe ocorreu ao participar de um júri. Conheceu então Lopes, “um dos jurados do Conselho”. Jurado inclemente com um réu “acusado de haver furtado certa quantia, não grande, antes pequena”. O veredicto de Lopes vale por um estilo de vida: “Tudo por uma miséria, duzentos mil-réis! Suje-se gordo! Quer sujar-se? Suje-se gordo!”.
■ O advogado de Aécio Neves esclareceu ao Supremo Tribunal Federal que o senador “não pode para fins processuais penais ser tratado como um funcionário público qualquer”.
■ Lopes tinha uma filosofia peculiar: “A ninguém cabia sujar-se por quatro patacas. Quer sujar-se? Suje-se gordo!”. Máxima dos que se julgam acima da lei. Reformulo o provérbio: o que faz o ladrão não é a ocasião, mas a soma desviada. Digamos: aquém de 2 milhões, sem dúvida culpado; além dessa quantia, por certo inimputável.
■ No romance de Manuel Antônio de Almeida, Memórias de um Sargento de Milícias, as palavras empenho e favor são sinônimos inquietantes, antecipando o jeitinho e o pistolão, no vocabulário nosso de cada dia. Dois personagens se destacam: pai e filho, ambos Leonardo; o progenitor, mais conhecido pela alcunha de Pataca, isto é, a pratinha que recebia para cumprir seu encargo de meirinho. Ou, pelo contrário, as patacas que recebia para se esquecer de notificar futuros réus… Personagem-sintoma! O ofício e o vício como duas faces da mesma moeda — literalmente.
■ O Senado da República acabou de derrubar decisão do Supremo Tribunal Federal que afastou Aécio Neves do exercício de seu mandato. Partidário laborioso da “Lei de Lopes”, o senador mereceu dos pares os maiores elogios, inclusive pela proverbial prudência mineira. Na hora de escolher a pessoa que receberia a desinteressada ajuda do empresário reconhecido pelo invejável domínio do vernáculo, o senador foi solidário consigo próprio: “Tem que ser um que a gente mata ele antes de fazer delação. Vai ser o Fred com um cara seu”.
■ Num instante de transe, quando as travessuras do Leonardo ameaçaram o destino do adorável malandro, sua comadre buscou o temível Major Vidigal, personagem do tempo de dom João VI. Ela intercedeu a favor do afilhado, mas, para vender caro seu peixe, o major indagou com malícia: “Bem sei, mas a lei?”. Rápida no gatilho, a mulher venceu o duelo com desassossego: “Ora a lei… o que é a lei, se o Sr. major quiser?”.
■ Ora, a lei… Afinal, se o Supremo Tribunal Federal deixa de ser a última palavra, a jurisprudência da comadre tornar-se-á cláusula pétrea. Pois é: tornar-se-á. Ou: já se tornou?
■ Em tempo: Fred se chama Frederico Pacheco de Medeiros. Ele é primo do senador Aécio Neves.
■ Ainda: o querido Lopes também foi levado ao tribunal, suspeito de “um desvio de cento e dez contos de réis”. Foi absolvido — naturalmente.
■ Em poucas palavras, todo um universo (atual): “Quer sujar-se? Suje-se gordo!”.
Publicado em VEJA de 25 de outubro de 2017, edição nº 2553