Um novo estudo do Instituto de Conservação e Desenvolvimento Sustentável da Amazônia (Idesam) revela que o desmatamento ilegal continua sendo uma persistente realidade na maior floresta do planeta, e traz uma novidade brutal: a destruição da floresta teve crescimento exponencial com o retrocesso na fiscalização. A região analisada abrange sete terras indígenas nos estados de Rondônia e Mato Grosso, com um total de 3,5 milhões de hectares — uma área maior que a da Bélgica. Dentro desse espaço, destaca-se a terra indígena Sete de Setembro, local onde o fenômeno criminoso se mostrou mais acentuado. Desde 2015, a devastação aumentou 77%.
O Idesam identificou os motivos para a derrubada das árvores na área: exploração madeireira, invasão e atividades ligadas ao garimpo. A Sete de Setembro serve como um retrato sombrio das ameaças à natureza, mas o desmatamento acelerou-se em toda a Amazônia nos últimos três anos. De 2012, o menor registro da devastação, a 2017, o desmatamento sofreu um aumento da ordem de 52%. Com o afrouxamento da vigilância pelos órgãos responsáveis, decorrente do corte de recursos, acontece o óbvio: fazendeiros, madeireiros e mineradores sentem-se livres para derrubar a mata. O Ibama, o instituto que cuida do meio ambiente, não realiza concurso para contratar novos agentes desde 2009. A Funai, entidade que zela pelos índios e por seus interesses, teve a verba reduzida em 44% no ano passado.
Numa triste ironia, a tribo suruí-paíter, que vive na Sete de Setembro, ganhou fama justamente pelo combate ao desmatamento. O líder Almir Suruí lançou, em 2008, um projeto em parceria com o Google para monitorar o desmate por meio de fotos e vídeos armazenados on-line no site Earth. A iniciativa, somada a outras similares, levou a revista americana Fast Company a considerá-lo uma das pessoas mais criativas de 2011 e, dois anos depois, Suruí foi homenageado com o título de Herói da Floresta, em cerimônia da ONU.
Hoje a tribo, de 1 375 pessoas, está dividida. A parte liderada pelo cacique defende os esforços de preservação. O outro grupo quer faturar com o garimpo. “Os indígenas cooptados por madeireiros e garimpeiros são usados como escudo contra as ações de fiscalização. Eles não impedem a entrada do Ibama ou da Polícia Federal, mas tornam o trabalho mais tenso, com risco de conflitos e até de fatalidades nas operações”, diz Roberto Cabral Borges, coordenador de operações do Ibama. Com a ausência de autoridades como a Polícia Federal, os índios conservacionistas passaram a receber ameaças de morte. “Somos alvo por defender a floresta, enquanto o governo permanece omisso, sem nos oferecer proteção”, diz Almir Suruí.
“As pessoas não desmatam por falta de conhecimento, mas porque é lucrativo”, diz Pedro Soares, gestor ambiental do Idesam. “A melhor maneira de enfrentar o problema é, além de fiscalizar, comprovar que a floresta de pé rende mais dinheiro, pelo uso sustentável de recursos naturais, do que se for destruída.” Entre 2004 (quando o registro da destruição atingiu seu auge) e 2012 (o ápice da conservação), os esforços caminharam nessa direção. Nesse período, o desmatamento caiu 84% — sem prejuízo para a agroindústria, que parou de comprar grãos e carne produzidos em terras desmatadas. Sem fiscalização, porém, até esse tipo de controle está ameaçado.
Publicado em VEJA de 4 de julho de 2018, edição nº 2589