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Mudar ou morrer

O presidente do conselho da Toyota, acredita que o carro do futuro terá de ser sustentável. Se não for assim, desaparecerá

Apresentado por Atualizado em 13 abr 2018, 06h00 - Publicado em 13 abr 2018, 06h00

Em 1996, o japonês Takeshi Uchiyamada recebeu um desafio da montadora Toyota, na qual então trabalhava como engenheiro-chefe: projetar um carro que atendesse às novas preocupações ambientais. Daí nasceu o Prius, o híbrido — que combina motores a gasolina e elétrico — mais popular do mercado. O veículo vingou especialmente nos Estados Unidos, onde é vendido por 20 000 dólares, o equivalente a 68 000 reais. No Brasil ainda engatinha, em virtude do alto preço, 130 000 reais. No mundo, já foram vendidos 10 milhões de unidades do modelo. O sucesso do Prius impulsionou a carreira de Uchiyamada. Aos 71 anos, ele hoje é presidente do conselho da Toyota, cargo que assumiu em 2013. Na prática, trata-se de um dos responsáveis por moldar os próximos passos do gigante japonês, o maior entre os fabricantes de carros. Estão em suas mãos, portanto, as chaves dos automóveis que vamos dirigir nas próximas décadas. Em visita ao Brasil, Uchiyamada falou com exclusividade a VEJA para tentar desenhar o futuro dos carros.

Há vinte anos, o senhor imaginou que a transição para o carro elétrico era um caminho inexorável, e a indústria teria de passar pelo veículo híbrido. Qual o prognóstico para os próximos vinte anos? O objetivo é continuar a diminuir o consumo de combustíveis derivados do petróleo, aumentando o rendimento. Não importa o tipo de fonte energética que usaremos. Há uma meta indiscutível: temos de reduzir a zero a emissão de dióxido de carbono (CO2), poluente que acelera as mudanças climáticas. Portanto, não podemos depender de melhorias no motor a gasolina para abraçar esse objetivo. Veremos, então, cada vez mais versões elétricas nas ruas. Em dezembro último, a Toyota propôs um cenário para 2030. Em doze anos queremos alcançar no mínimo 5 milhões de unidades de carros a eletricidade vendidos anualmente no mundo. (A projeção é que os modelos elétricos representem até 50% do total de carros em 2030.)

A única opção limpa será o elétrico? Em consequência das mudanças climáticas, do aquecimento global, a sociedade precisa incentivar a adoção de um veículo que respeite o meio ambiente. Esse é o norte. No Brasil, por exemplo, o etanol já é uma alternativa bastante popular. Uma versão híbrida de elétrico e etanol seria ótima. Gostaria muito que esse tipo de carro fosse popular no Brasil. O segredo está na diversidade. Passaremos a mesclar fontes diversas de energia. Alguns países apostarão na energia solar, outros na eólica, e boa parte na elétrica. Diferentemente do que ocorreu no século XX, o da proliferação dos combustíveis sujos, de origem fóssil, não apostaremos mais apenas em uma opção.

A única diferença do carro do futuro será o estilo de motor debaixo do capô? Como se firmarão novas tecnologias, como as de inteligência artificial, que permitem a existência de veículos autônomos, guiados só pelas máquinas? Aplicativos como o Uber, que incentivam o compartilhamento de carros, também afetarão as fabricantes? Todas essas inovações se interligarão para a construção do automóvel tal qual ele será nas próximas décadas. Até lá talvez surjam outras soluções, das quais ainda nem temos ideia. Ou seja, pelo que se indica hoje, os carros provavelmente serão sustentáveis, conectados e autônomos, além de incorporar outros avanços que, aposto, surgirão nas décadas vindouras. Agora, como esse veículo futurista será usado na prática, ainda não sabemos. Isso dependerá do cliente. Se vendermos para a Amazon realizar entregas de produtos, ou para a Uber levar passageiros, ou para outra plataforma de compartilhamento, então essa será a forma como o carro se mostrará útil. Mas não acredito em um modelo único. Além de serviços como o da Uber, ainda teremos o uso particular. Insisto: a diversidade é o nome do jogo.

“O custo Brasil é real. A soma de gastos com logística, com o sistema tributário complexo, com a questão trabalhista torna o cenário confuso demais. E também caríssimo”

Como marca, a Toyota defende a ideia de que o benefício das versões ecológicas só faz sentido quando elas são adotadas em massa. No Brasil, porém, só há 4 000 Prius em circulação. Há garantia de que um dia chegará por aqui essa transformação proporcionada pelas fontes renováveis de combustíveis? Quando montamos um negócio, deparamos com a realidade de diferentes países. Em especial, acerca da carga tributária local. Se o imposto é pesado, não temos como garantir um número mínimo de produção de automóveis. Essa taxação inviabiliza a construção de uma fábrica nacional e leva à importação dos exemplares. Logo, fica mais caro para nós e para o consumidor final. Há um evidente círculo vicioso, resultado de impostos exagerados. Reduzi-los é o único modo de ampliarmos as vendas e provocarmos uma real mudança de comportamento. E esse problema não é só da Toyota, evidentemente. Precisamos dar um jeito de entrar num círculo de outra ordem, uma virtuosa. Para isso, depende-se de incentivos do governo, que pode impulsionar uma política que vise ao crescimento da produção nacional.

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Em resumo, a culpa recai nos nossos impostos? O custo Brasil é real. A soma de gastos com logística, com o sistema tributário complexo, com a questão trabalhista torna o cenário confuso demais. E também caríssimo. Caso o Brasil queira se preparar para a competitividade global, terá de abrir mais suas portas.

Foi esse o tema da conversa com o presidente Temer no encontro que tiveram na quinta-feira 5? Falamos sobre como elevar a competitividade do mercado automotivo brasileiro. Indiquei formas de melhorar a relação entre Mercosul e Japão, em aspectos como a importação de autopeças. É necessária uma política para a formação de montadoras fortes no país.

O cenário de instabilidade política também é prejudicial aos investimentos estrangeiros? Não falarei do cenário político. O Brasil tem um potencial enorme. É preciso implementar um mecanismo que vise a explorar mais esse potencial.

Sabe-se que há um movimento, muito ativo, da Toyota e de outras montadoras para reduzir os impostos no Brasil. Ao mesmo tempo a empresa tem um discurso de preocupações ambientais, mas nessa área parece não se esforçar muito para que as coisas mudem. Por exemplo: a montadora não demonstra muito empenho em barrar um projeto de lei que pretende permitir o avanço do cultivo de cana-de-açúcar na Amazônia, atalho para o desmatamento. O apelo à sustentabilidade é apenas marqueteiro? Antes, as indústrias de energia e automotiva andavam separadas, cada uma com sua atividade. Agora, elas trabalham em estreita coope­ração. A Toyota não está planejando entrar no setor de produção de energia porque não temos o know-how. Queremos promover a energia limpa independentemente de nosso interesse comercial. Os investimentos nos híbridos, que demoraram a dar lucro, provam isso. E só não nos envolvemos nessa questão recente da cana-de-açú­car no Brasil por não estarmos inteirados do tema.

E agora, que se inteiraram? Quero tomar maior conhecimento do assunto. Se combinar com nossa bandeira, certamente será uma causa para a qual contribuiremos. Pode anotar aí.

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“Agora, temos o desafio de transformar o automóvel e adequá-lo aos novos tempos. Ou, então, mudar de ramo. Possuímos investimentos em outros mercados, como o da IA”

Não é hipocrisia a indústria de automóveis apresentar-se como a solução de um problema que ela mesma alimentou, jogando toneladas de CO2 no ar? É, digamos, uma compensação pelos danos do passado? Nada disso. No século XX, as emissões de CO2 foram consequência natural, ainda que indesejada, do desenvolvimento econômico. Foram a contrapartida, o outro lado da moeda. Enquanto havia produção acelerada de riqueza, ninguém se preocupou muito com a poluição. O passar dos anos fez mudar essa visão. Na virada para o século XXI, resolvemos fazer um necessário exame de consciência. Que tipo de carro queremos pôr no mundo que deixaremos para nossos netos? Foi aí que percebemos que tínhamos de encarar a questão da destruição do meio ambiente. Não por obrigação, como desculpa pelos males do passado. Pensamos no futuro. No que queríamos deixar como legado. Por isso, estamos transformando o modo como lidamos com os carros, e como eles rodam na sociedade. Antes, o cliente só se interessava pela potência, pelo desempenho, pela força do motor. Agora, entra no jogo o elemento da sustentabilidade. Quando indicamos, com o lançamento do Prius, que esse seria o caminho, outras montadoras caçoaram de nós. Depois, passaram a nos ouvir. Agora, elas nos replicam.

Ser “verde” tornou-se um valor agregado do veículo? Respondo com uma história exemplar. Quando levamos o Prius para os Estados Unidos pela primeira vez, as concessionárias reclamaram: “Não quero uma porcaria dessas”. Pouco depois, numa entrega do Oscar, as celebridades que antes apareciam em limusine começaram a chegar de Prius ao tapete vermelho. Foi aí que passou a ser bacana, chique e elegante ser dono de um híbrido. Isso mostra que não basta produzirmos um veículo. É preciso que o cliente enxergue valor nele. Com os modelos sustentáveis, ajudamos a construir uma era de novos valores.

Mesmo assim, parece que uma parcela dos jovens de hoje passou a julgar o automóvel um gasto desnecessário. Ter carro já não é charmoso? Será que os jovens de fato não curtem automóveis? Ou não oferecemos a eles um de que gostem? Ou mesmo um ambiente em que possam se sentir confortáveis em um carro? Ainda não se sabe a resposta. Por isso lançamos um concurso em que buscamos ideias que levem a soluções. A Toyota bancará as propostas mais inovadoras, sejam elas vindas de iniciativas internas ou de startups.

Um exemplo de empresa que não se adaptou aos novos tempos é a Kodak, cujo negócio foi transformado pelo advento dos smartphones, com os quais se tiram fotos de altíssima qualidade. Nesse sentido, o atual cenário da indústria automobilística poderá fazer da Toyota uma nova Kodak? Sempre batalhamos para sobreviver. Não há garantia alguma de que não acabemos como a Kodak. Mas as perspectivas são boas. A Toyota nasceu (em 1937) não como uma fabricante de carros, mas como uma montadora de máquinas de tear. Passamos a fazer carros no momento em que a sociedade ansiava por mais mobilidade. Agora, temos o desafio de transformar o automóvel e adequá-lo aos novos tempos. Ou, então, mudar de ramo. Inclusive, já temos investimentos em outros mercados, como o da inteligência artificial.

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Publicado em VEJA de 4 de abril de 2018, edição nº 2576

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