Lucy no céu com diamantes
Ver o rosto da mal-humorada protagonista Setsuko iluminar-se é uma das graças quase divinas da comédia 'Oh Lucy!'
A caminho de San Diego, o americano John (Josh Hartnett) ensina a japonesa Setsuko (Shinobu Terajima) a abastecer o carro, e então aproxima a mão molhada de gasolina do nariz dela. “Gostei do cheiro”, ela diz, sorrindo, para o encantador John, um rapaz cheio desses toques de graça. Ver o rosto de Setsuko iluminar-se em Oh Lucy! (Japão/Estados Unidos, 2017; em cartaz a partir desta quinta-feira) é uma outra espécie de graça, quase divina: funcionária subalterna num escritório de Tóquio, azeda e dada a uma franqueza algo mesquinha, ela recentemente despertou para a ideia de uma segunda chance que a salve da vida vazia. Sua sobrinha empurrou para ela um pacote de aulas de inglês, ministradas por John sem muito critério pedagógico mas com grande doçura. John batiza Setsuko de Lucy, põe nela uma peruca loira engraçada, ensina a aluna a falar “Hi!!!” com entusiasmo americano e então lhe dá um longo abraço. O mundo de Setsuko e do outro aluno, Takeshi (o maravilhoso Koji Yakusho), se enche de cor — mas então John foge para os Estados Unidos com a sobrinha de Setsuko. E ela vai atrás, esperando sem saber muito bem por qual milagre e carregando junto a mãe da menina, a irmã com quem se dá horrivelmente mal.
Shinobu, Hartnett e a diretora Atsuko Hirayanagi formam uma trinca sensacional, sintonizada na tarefa de reinventar a comédia da transformação pessoal em uma experiência ela própria transformadora. Pequeno, modesto mas infalivelmente sincero, Oh Lucy! continua vivo para o espectador muito depois de as luzes da sala se acenderem.
Publicado em VEJA de 27 de junho de 2018, edição nº 2588