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Coluna publicada em VEJA de 13 de setembro de 2017, edição nº 2547

Por J.R. Guzzo
Atualizado em 8 set 2017, 06h00 - Publicado em 8 set 2017, 06h00

MESMO PARA os padrões de avacalhação descontrolada nos quais despencou há anos o nível mais alto da Justiça brasileira, esse arco atormentado que vai dos grandes acusadores aos grandes julgadores da República, o procurador-geral Rodrigo Janot e o comitê de salvação pública que montou em torno de si parecem ter passado todos os limites em matéria de calamidade pura e simples. Acabam de entrar, agora, em território não mapeado na sua longa e tumultuada viagem em busca da anarquia: diante do monte de ruínas a que foi sendo reduzida, já a partir do primeiro dia, a mais prodigiosa inquisição jamais executada pelo Ministério Público Federal na história deste país, eles tiveram finalmente de admitir que estavam criando um animal monstruoso. A operação, baseada na confissão de mais de 200 crimes cometidos por delatores bilionários, pretendia depor o presidente da República, pela prática de corrupção. O presidente continua lá. Em compensação, os investigadores acabam de se ver forçados a investigar a própria investigação — segundo Janot, há indícios “gravíssimos” de que os inquisidores cometeram crimes ao montar a denúncia. Ninguém vigiava os vigilantes. Deu nesse desastre.

Poderia haver alguma desmoralização pior do que essa? Nunca é bom ficar perguntando muito. Histórias “de superação”, como se diz, já aconteceram antes no coletivo nacional da safadeza, e sempre podem acontecer de novo. O que não pode ser dito, de jeito nenhum, é que houve surpresa. Nunca foi humanamente possível entender, um minuto depois de a “delação premiada da JBS” ser anunciada, em maio último, por que o delator-mor, o empresário Joesley Batista, deveria receber um inédito perdão perpétuo para seus crimes — em vez de uma redução da pena, como acontece com todo mundo. Mais incompreensível ainda foi o fato de o braço-direito do próprio Janot, o procurador Marcelo Miller, ter pedido de repente sua demissão da PGR e aparecido imediatamente em seguida como advogado da JBS, trabalhando com pleno sucesso pela anistia dos seus clientes. Jamais houve uma explicação, também, para a miserável qualidade das provas da PGR — gravações imprestáveis, contas bancárias sem beneficiários, acusações que não fecham, e por aí se vai. O conjunto da obra é tão ruim que o ministro do Supremo Tribunal Federal encarregado de avaliar a denúncia acaba de devolver a papelada aos acusadores, dando a eles mais sessenta dias para apresentarem coisa um pouco melhor.

Por motivos desconhecidos, tudo isso passou como algo normal na mídia, no mundo político e nas esferas capazes de “influenciar” a vida pública no Brasil. A PGR, Janot e Joesley foram tratados terrivelmente a sério; a certo ponto chegaram a ser vistos como a vanguarda da luta contra a corrupção no noticiário político da Rede Globo e nos debates entre os colossos da nossa ciência política. A Câmara dos Deputados foi ao extremo de deliberar em plenário sobre a denúncia — por sinal, numa das sessões mais grotescas de sua história recente. Para quê? Agora, descobre-se com horror que o advogado Miller, de Joesley, era o procurador Miller, do Ministério Público, como todos já sabiam. Ou que a delação premiada que ia derrubar o presidente da República pode ser simplesmente anulada, por ser apenas lixo, e que o prêmio para os delatores pode sumir. Ou que fitas gravadas entre os marginais envolvidos nessa catástrofe citam nomes de ministros do STF.

Estamos num momento escuro. Procuradores, ministros do Supremo, magistrados dos tribunais superiores, desembargadores e juízes, por motivos ligados à ideologia ou ao bolso, começaram a agir como políticos; metem-se cada vez mais na condução do governo, falam como chefes de partido, fazem palestras ensinando como o Brasil tem de ser governado, que leis são boas ou ruins e o que os cidadãos devem ou não devem fazer. O resultado é que, de tanto imitarem os políticos, acabaram ficando iguais a eles. A ruína da PGR de Janot mostra, também, a que ponto as autoridades estão desmoralizadas perante criminosos como Joesley Batista e outros “campeões nacionais” do Brasil para Todos. São tratadas por eles, como se ouve nas fitas ora reveladas, com níveis de grosseria difíceis de imaginar mesmo no submundo em que vivem. Acham que ministros de Estado, o Supremo e quem mais for são mercadoria barata; com uma boa conversa, Satanás em pessoa sairia do STF absolvido, com uma medalha de “herói do Direito de Defesa” e uma carteirinha da Ordem Nacional dos Inocentes até Prova em Contrário.

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Publicado em VEJA de 13 de setembro de 2017, edição nº 2547

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