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Emboscada na selva

Polícia suspeita que o bandido mais procurado do Brasil tenha sido morto a mando da cúpula de sua facção, que fez questão de deixar uma pista mórbida

Por Eduardo Gonçalves Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 23 fev 2018, 06h01 - Publicado em 23 fev 2018, 06h00

Os corpos, achados por um índio que colhia muricis na mata, estavam perfurados a bala, tinham sinais de tortura e exibiam cordões de ouro com pingentes de cifrão. Nada que impressionasse muito a polícia cearense, acostumada às execuções produzidas pela guerra de facções criminosas que aterroriza o Ceará desde o início do ano. Mas três tatuagens nos braços de um dos mortos chamaram a atenção dos investigadores: coincidiam com os nomes dos filhos e da mulher do bandido mais procurado do Brasil: Rogerio Jeremias de Simone, o Gegê do Mangue, a principal liderança do Primeiro Comando da Capital (PCC) fora da cadeia. Junto com ele, jazia o corpo de Fabiano Alves de Sousa, o Paca, membro da mesma facção.

Acusado de homicídio, tráfico de drogas e formação de quadrilha, Gegê era responsável pela operação de contabilidade, venda interna e exportação para a Europa da cocaína vinda da Bolívia e do Paraguai — hoje, o negócio mais lucrativo do PCC. Estava foragido desde fevereiro de 2017. No linguajar corporativo, era o “diretor execu­tivo” da organização criminosa, subordinado ao chefe do PCC — Marcos Willians Herbas Camacho, o Marcola, que, trancafiado há quase dezenove anos, acaba de receber uma nova condenação, de trinta anos de prisão, que pouca diferença fará diante dos mais de 200 anos que já acumula. Mas, da prisão, Marcola continua mandando no pedaço.

O assassinato de Gegê e Paca fez com que o governo federal anunciasse, no domingo 18, o envio de 36 homens ao Ceará, incluindo membros da Força Nacional. O temor era que a notícia provocasse uma reação em massa nos presídios de Fortaleza, onde o PCC é o grupo mais organizado (o estado interessa à facção por sua posição geográfica — trata-se da costa brasileira mais próxima da Europa). Ao contrário da expectativa, porém, os presídios responderam às mortes com um estrondoso silêncio. Assim, não demorou para que a polícia passasse a considerar a hipótese, agora predominante, de que o assassinato dos membros do PCC foi ordenado pela própria cúpula da facção.

Férias – A casa de veraneio de 2 milhões de reais, em Aquiraz, no Ceará: duas Land Rover Evoque e duas BMW X6 (//Reprodução)

As últimas descobertas reforçam essa tese. Gegê, com o auxílio de Paca, coordenava o PCC vivendo na Bolívia, onde eles estavam até há pouco. No fim do ano passado, a dupla transferiu-se para solo brasileiro, para aproveitar as férias com as respectivas famílias em praias cearenses. Passando-se por empresários locais, eles compraram uma casa por 2 milhões de reais num condomínio em Aquiraz — e encheram a garagem com duas Land Rover Evoque e duas BMW modelo X6. Na quinta-feira, Gegê e Paca subiram em um helicóptero com destino à Bolívia — a bordo, apenas o piloto e o copiloto. Poucos minutos depois de levantar voo, o piloto teria simulado uma pane para descer no meio da reserva indígena Lagoa Encantada. Quando desembarcaram, Gegê e Paca teriam sido rendidos, torturados e mortos por seus acompanhantes. Antes, porém, tiveram os olhos perfurados — punição aplicada a membros da facção acusados de ter “olho gordo”, um sinônimo de ambição desmedida.

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Segundo o promotor do Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado (Gaeco) de Presidente Venceslau, Lincoln Gakiya, os bandidos podem ter sido mortos como represália por terem desviado dinheiro do PCC. Os corpos de Gegê e Paca foram queimados, mas a chuva que caía na região impediu sua incineração. O fato de não haver marcas de algema nos pulsos reforça a tese de que embarcaram voluntariamente no helicóptero em que estavam seus assassinos.

Gegê e Paca eram líderes emergentes do PCC. Galgaram posições na facção ao conseguir o domínio sobre todas as etapas do tráfico de drogas envolvendo a produção nos países vizinhos e a venda para o exterior. Por isso, avaliam os investigadores, a perda dos dois seria um golpe duro na organização criminosa — a não ser que tenha ocorrido por vontade dela. A história do PCC sempre foi marcada por execuções sumárias de suas lideranças. O próprio Marcola só conseguiu chegar ao topo após o assassinato de dois fundadores. Pesa sobre Gegê e Paca ainda a suspeita de terem ordenado, em dezembro, o assassinato de um membro do grupo, próximo a Marcola, sem o consentimento do líder. A morte deles, portanto, pode ter tido um objetivo que vai além da vingança: mostrar aos membros do PCC quem continua no comando.

Publicado em VEJA de 28 de fevereiro de 2018, edição nº 2571

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