E a terra não se mexeu
Mesmo com as delações jorrando em cascata, a turma do foro privilegiado terminou 2017 intocada
Paulo Roberto Costa foi quem abriu a torneira. Depois veio Alberto Youssef. A partir daí, as delações premiadas jorraram em cascata na Lava-Jato. Mas foi só em 2017 que à fila de criminosos assumidos e dispostos a contar as histórias cabeludas da corrupção se juntaram empresários de altíssima voltagem, que antes juravam aos céus inocência e desconhecimento. Os relatos de Marcelo Odebrecht e outros 76 delatores da empresa que leva seu nome tragaram para o centro da operação mais de 100 políticos de diversas legendas, provando que a roubalheira não conhece fronteiras ideológicas ou partidárias.
Quando se achava que nada superaria a lavação de roupa suja em escala industrial da Odebrecht, Joesley Batista, o bilionário da JBS, arrebatou para si o título de delator número 1 da República. Entregou mais de 1 800 políticos de todas as esferas de poder em troca de um acordo altamente controverso, que lhe garantia blindagem total na Justiça para todo o sempre. (Como esperteza demais vira bicho e engole o dono, Joesley passará a virada do ano em cana, suspeito de ter dito o que lhe interessava e escondido o que não achava vantagem contar.)
As delações da Odebrecht e de Joesley acenaram com o fim do mundo, mas o transcorrer dos meses mostrou que nem a mais contundente revelação é capaz de tirar gente muito poderosa do lugar em que está — mesmo se vier acompanhada de imagens que mostram alguém da “mais estrita confiança” de outro alguém correndo pela rua com uma mala cheia de dinheiro. O presidente Michel Temer, por exemplo, por obra e graça do Congresso, nem sequer chegou a ser investigado pelos crimes de que foi acusado. O senador tucano Aécio Neves, gravado pedindo 2 milhões de reais a Joesley, terminou o ano com seu mandato intacto. E a atual procuradora-geral da República, Raquel Dodge, já pediu que a Polícia Federal investigue cinco delações que teriam sido vazadas à imprensa — o que abre a possibilidade de anulá-las. Mesmo com as delações jorrando em cascata, a turma do foro privilegiado terminou 2017 intocada. Tomara que ninguém invente de fazer de 2018 o ano de fechar as torneiras.
Publicado em VEJA de 27 de dezembro de 2017, edição nº 2562