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De zero para zero

Coluna publicada em VEJA de 5 de setembro de 2018, edição nº 2598

Por J.R. Guzzo Atualizado em 4 jun 2024, 17h29 - Publicado em 31 ago 2018, 07h00
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  • Há um curto-circuito mental no Brasil que pensa em política — e, quanto mais esse Brasil pensa, piores são os resultados que produz. Parece que “caiu o sistema”, como você vive ouvindo dizer quando precisa de alguma coisa. Aí não adianta perder tempo batendo nessa ou naquela tecla, porque nenhuma das opções oferecidas será válida. Nada é tão espantoso, no presente momento de desordem cerebral que cerca a vida pública brasileira, quanto “a candidatura Lula” à Presidência da República. Não há nenhuma candidatura Lula. Mas, segundo nos dizem todos os dias os meios de comunicação e os peritos em explicar que dia é hoje, não há nenhuma outra candidatura tão essencial quanto justamente essa, que não existe. O ex-presidente, o PT e a sua máquina de apoio conseguiram desligar a chave geral do mecanismo que regula as eleições brasileiras — e por causa dessa aberração ninguém menos que o Supremo Tribunal Federal se verá obrigado a dizer que não, Lula não vai ser candidato. Um servidor do cartório eleitoral já poderia ter dito exatamente a mesma coisa há muito tempo. Mas estamos no Brasil, o “sistema” está fora do ar e por isso temos de pagar por uma das farsas mais velhacas já aplicadas na política deste país.

    Vamos lá: Lula não pode ser candidato a presidente do Brasil da mesma maneira como uma criança de 11 anos não pode. Por que não pode? Porque a lei diz que a idade mínima para alguém exercer a Presidência é 35 anos. Se a certidão de nascimento do candidato atestar que ele tem só 11, não vai dar. Você pode dizer que é injusto, ou que é preconceito, ou que o garoto lidera “todas as pesquisas” — não vai adiantar nada, porque a lei diz que é proibido criança ser presidente da República. Da mesma forma, o sujeito não pode se candidatar se estiver morando em Estocolmo, por exemplo; precisa apresentar a sua conta de luz ou de gás e provar que tem residência no Brasil, por mais que seja um gênio na arte de governar. Está claro, também, que o candidato tem de ser brasileiro nato. Um Barack Obama, digamos — seria uma maravilha de candidato, não é mesmo? Imaginem onde o homem estaria no Datafolha a esta altura. Se estivesse concorrendo, ganharia fácil de qualquer das figuras que estão no páreo. Mas eis aí, outra vez: a lei diz que não pode. Também não pode ser candidato um analfabeto, quem não pertence a partido algum ou um cidadão que está internado no hospício.

    Lula existe nos institutos de opinião pública, mas não existe nas ruas

    Será que é assim tão difícil de entender? No seu caso, Lula não pode ser candidato porque está condenado a doze anos de cadeia por corrupção e lavagem de dinheiro, com sentença confirmada em segunda instância. Fim de conversa: é o que está escrito na Lei da Ficha Limpa (assinada por ele mesmo, quando era presidente), e a Lei da Ficha Limpa vale a mesmíssima coisa que as outras leis, nem um miligrama a menos. Você pode achar a condenação errada — ou certa, tanto faz. A autoridade eleitoral não tem o direito de resolver isso; só diz se a candidatura está dentro ou fora da regra. Caberia a um funcionário de balcão da repartição pública onde se registram candidaturas resolver a história. Por que raios, então, uma exigência tão alucinada como “a candidatura Lula” tem de chegar ao Supremo Tribunal Federal? Porque o Brasil da elite pensante, dos partidos e tribunais de Justiça, da mídia e redes sociais etc. etc. aceitou ceder à sabotagem das atuais eleições por parte do complexo Lula-PT e do que vem junto com ele: liberais civilizados que têm horror da direita, intelectuais orgânicos, empreiteiros de obras públicas mais o resto que se sabe.

    O centro dessa trapaça, basicamente, está nas profecias eleitorais publicadas a cada meia hora — sem elas, o mais provável é que Lula estivesse largado no fundo da sua cela, em Curitiba. As “pesquisas” criaram uma realidade artificial — uma situação em que o povo está desesperado para votar num candidato, mas não pode porque “eles” não deixam. É mentira. Lula existe nos institutos de opinião pública, mas não existe nas ruas; não conseguiria ir a um campo de futebol sem um exército de seguranças à sua volta. Nesse mundo imaginário, Lula passa de “30%” a “40%” dos votos. Na vida real, passa de zero para zero, pois não vai receber voto algum. Mas essa salada de números é usada para vender um dos disparates mais espetaculares da história eleitoral brasileira: sim, certo, a lei está aí, mas uma eleição sem Lula seria um “constrangimento”. Pega mal no New York Times. Põe em dúvida a pureza da nossa democracia. Esse, sim, é o estelionato eleitoral transformado em obra-prima.

    Publicado em VEJA de 5 de setembro de 2018, edição nº 2598

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